Nos dias seguintes, para grande desgosto de Martim, a capitã era frequentemente vista ao lado de Bento. Este sorria para ela o tempo todo, apresentava-a a vários soldados que, felizes, apertavam-lhe a mão. Ela também parecia animada, ainda que não fosse possível perceber suas feições por baixo do elmo, que usava o tempo todo. Seu jeito de caminhar parecia mais leve e solto. Provavelmente estava feliz por ter conseguido um aliado em meio a tantas caras fechadas.

    Martim também percebia algo estranho no ar. Alguns de seus colegas sussurravam mais do que o de costume. Conversavam baixo, olhando para os lados, sempre atentos a quem estava por perto. Era uma minoria, sempre os mesmos soldados, com quem Martim quase nunca conversava. Ele já tinha o hábito de se isolar para evitar as constantes provocações que recebia e tentou a todo custo ficar longe destes também.

    A primeira dica sobre o que era tramado apareceu em uma manhã, quando todos estavam reunidos no salão da guarda. Após convocar a todos, a capitã começou revelando uma informação:

    — Rapazes, bom dia! — Ao ouvi-la chamando-os assim, conforme os conselhos de Bento, Martim sentiu o estômago embrulhar. — Acabamos de receber uma informação muito valiosa!

    Os soldados se mexeram em seus assentos, inquietos. Ela continuou:

    — Um grupo de conspiracionistas vai se reunir na próxima semana em uma caverna ao sul da cidade de Aguiar. Pelo que soubemos, trata-se de um primo distante da rainha, que reuniu traidores por todo o reino para planejar e executar um golpe, e usurpar o trono.

    Um grande murmúrio se levantou após a fala de Maria. Ela ergueu as mãos, pedindo silêncio, e continuou:

    — Mas não deixaremos que isso seja levado adiante! Vocês são os melhores soldados do reino, estão em sua melhor forma física e com as habilidades de combate afinadas, segundo me informou André.

    As cabeças concordaram, denunciando que o elogio foi bem recebido pelos orgulhosos soldados.

    — Assim — ela continuou —, vamos levar um destacamento até essa caverna para acabar com essa insurgência e capturar os traidores. Vocês têm permissão para trazer as cabeças deles de qualquer jeito! Grudadas nos corpos ou não, eu não me importo!

    Um barulho de vivas e risadas ecoou pelo salão. A animação era grande, e todos estavam confiantes com a ousadia de sua capitã. Ela mais uma vez levantou os braços e falou, após o silêncio que se fez:

    — O ataque precisará de quarenta homens. Quem se dispõe?

    Martim estava louco por um pouco de ação e queria muito estar na operação, mas desanimou ao ver que os voluntários incluíam Silas, Percival e outros que eram particularmente hostis a ele. Olhou para os lados para ver quem mais seria voluntário. Em meio à multidão de mãos que se erguiam, viu Bento olhando para ele, sério. O colega ostentava um olhar sinistro e fazia discretamente, mas de maneira muito clara, um sinal negativo com a cabeça.

    Sua mente girava, tentando entender o motivo por trás do aviso. Assustado, procurou seus amigos Tomás, Ricardo e Carlos. Encontrou-os e conseguiu fazer um sinal parecido com o que recebeu há pouco. Ao final da seleção, todos os quatro — ou cinco, se contassem Bento — decidiram ficar no castelo.

    — Obrigada, voluntários — disse a capitã. — Vocês partirão amanhã à noite. Serão comandados pelo general Fernão e terão o apoio de dois escudeiros da rainha, Filipe e Gusmão.

    Mais vivas e aplausos se seguiram. Fernão era muito conhecido e querido por todos, sendo considerado um valoroso guerreiro e um honorável comandante, vencedor de inúmeras batalhas. Filipe e Gusmão eram nobres, mais interessados em adquirir riquezas e espólios de guerra do que qualquer outra coisa, mas tinham sob seu comando um grupo de cavaleiros bem treinados e fortemente armados. A capitã disse:

    — Eu ficarei aqui com o restante da guarda aguardando pelas boas notícias que vocês trarão. Boa viagem, bravos guerreiros!

    Enquanto o grupo se dispersava, Martim procurou a companhia dos amigos. Quando ficaram meio afastados dos demais, Ricardo perguntou:

    — Martim, meu caro, o que foi que aconteceu?

    — Eu não sei, Ricardo, mas acho que tem alguma coisa no ar. Bento ficou me encarando e suplicando para não me voluntariar. Ele sabe de alguma coisa!

    — Vamos falar com ele — disse Ricardo.

    Depois de algum tempo, encontraram o colega, que estava sentado sozinho em um canto. Fizeram um círculo ao seu redor. Foi Martim quem perguntou:

    — Desembucha, Bento! O que você sabe?

    O soldado olhou para os lados, certificou-se de que não havia ninguém ouvindo e falou rápido, em voz baixa:

    — Por que vocês acham que tem tanta gente querendo destronar Catarina?

    — Não sei — respondeu Ricardo. — Quando um rei cai, sempre aparece outro querendo tomar o lugar, suponho.

    Bento fez um sinal negativo com a cabeça e continuou:

    — Não é tão simples assim. Há rumores de que foi a rainha quem mandou matar o marido.

    — Bobagem! — disse Carlos. — Ele morreu em uma caçada.

    — Sim, morto por lobos, né? Ele e todos os outros cinco membros da comitiva foram mortos no local. Também ouvi essa história.

    — E o que tem de errado com essa história?

    — Não acham estranho que toda uma comitiva tenha sido massacrada por um bando de bichos selvagens? E sem sobrar testemunhas?

    — O que aconteceu então?

    — A principal teoria é que eles foram envenenados a mando da rainha, antes de sair. A comitiva toda. Aí ficaram com seus sentidos prejudicados e foram presas fáceis para os animais.

    — Quanta bobagem! — disse Ricardo. — Por que a rainha mataria seu próprio marido? Ela estaria bem melhor se o rei ainda estivesse vivo.

    — Não é bobagem! Muita gente importante acredita nisso.

    — Eu não! — disse Carlos. — E vocês?

    Martim estava quieto. Bento percebeu e cutucou o colega:

    — Martim? Você sabe de algo que a gente não sabe?

    — Bem, eu… — Hesitou por um segundo. — Eu ouvi a capitã e o mestre Aires conversando antes do duelo.

    Bento ficou muito interessado. Abriu os olhos e exclamou:

    — O que foi? O que você ouviu?

    Martim continuou, ainda hesitando um pouco:

    — Bem, não entendi direito, mas mestre Aires parecia acusar a capitã de conspirar com a rainha para assassinar o rei.

    — Estão vendo? — disse Bento, triunfante. Sorriu e segurou os dois ombros de Martim. Parecia querer beijá-lo, de tão próximo que ficaram. — Estão vendo? Mestre Aires sabia de tudo! E até a capitã está envolvida, disso eu não sabia. Preciso contar aos outros. Obrigado mesmo, Martim!

    Dizendo isso, ele levantou-se e saiu rapidamente do salão. Carlos disse:

    — E agora? Acreditam nisso? Martim, o que você acha?

    — Eu não sei — respondeu. — Mas olho vivo, todo mundo! Alguma coisa importante vai acontecer.


    Na noite seguinte, o grupo de voluntários se encontrava concentrado no pátio do castelo. A rainha estava presente e fez questão de se despedir publicamente de Fernão e seus escudeiros Filipe e Gusmão. Martim procurou Bento na multidão. Não estranhou ao encontrá-lo do lado da capitã, conversando animadamente com ela.

    Exceto por Martim e seus amigos, o clima no lugar era otimista. Todos estampavam um sorriso no rosto e teciam comentários animados quando perguntados sobre o que iria acontecer. Em meio à entediante rotina do castelo, uma operação como essas sempre trazia ares de novidade e excitação à vida de todos, desde os serviçais até os nobres, normalmente envolvidos com assuntos fúteis e desinteressantes.

    Após a despedida, todos voltaram ao salão para jantar. Estava estranhamente vazio quando Martim entrou. Por um lado, ficou feliz, pois não precisava fugir de ninguém. Porém, saber que restaram tão poucos soldados ali trazia um senso de mau agouro. A sensação piorou quando entraram pela porta Bento e a capitã. Ela ria alto, uma gargalhada sonora. Bento ria junto, e Martim percebeu que de fato ele fazia de tudo para jogar seu charme para a moça. Pelas expressões corporais dela, estava funcionando. Eles se despediram com um forte aperto de mão, típico de irmãos ou de colegas de batalhão. A capitã saiu da sala e Bento caminhou na direção oposta. Ao passar perto da mesa em que Martim e os amigos estavam, ouviu:

    — Está ficando amiguinho da capitã, hã Bento? — perguntou Tomás.

    Sem diminuir seu passo, Bento respondeu, fazendo uma cara de galanteador:

    — Eu disse que era muito mais charmoso do que vocês, não disse?

    — E o que está tramando… — começou Ricardo, mas foi interrompido:

    — Não sei do que está falando… — respondeu, já a uma distância muito grande para continuar a conversa.

    Olhando de volta para os demais, Ricardo falou:

    — Amigos, eu acho que nos próximos dias nós precisamos ficar juntos, nós quatro. Custe o que custar!

    Tomás assentiu com a cabeça, estendeu a mão e acrescentou:

    — Juntos!

    Os demais colocaram as mãos juntas, uma sobre a outra. Carlos disse:

    — E vamos ficar longe do Bento e seus comparsas.

    — E da capitã — disse Martim.

    — E dos problemas — completou Ricardo.

    Balançaram as mãos juntos, selando seu pacto.


    Três dias tinham se passado, sem nenhuma novidade. A rotina seguiu normalmente, e exceto pelos espaços mais vazios, nada parecia fora do lugar. Mas aquilo estava prestes a mudar.

    A rainha havia convocado uma cerimônia noturna para homenagear um parente nobre. Cerimônias assim eram frequentes, e normalmente não haveria nada com que se preocupar, mas Martim estava muito apreensivo. Qualquer coisa fora do comum era motivo para preocupação. Tinha criado o hábito de observar Bento. Enquanto o colega estivesse tranquilo, tudo estaria bem. Mas naquele dia ele andou sumido, e isso era motivo de sobra para ficar duplamente alerta.

    A cerimônia ocorria na sala do trono. Ao lado da rainha e seu séquito ficavam, como de costume, os nobres, parentes e amigos. A guarda real, ou o que restava dela — vinte homens — estava ali, posicionada em parte junto ao trono e o restante junto à única porta que dava entrada à sala.

    Maria também estava ali. Em pé, ao lado do trono, parecia mais atenta do que o normal. Parecia saber que havia algo prestes a acontecer.

    Martim finalmente viu Bento. Quando entrou na sala, junto com alguns colegas soldados — os mesmos que Martim viu sussurrando muito nos últimos dias — esfregava as mãos, demonstrando uma ansiedade muito grande. Os sentidos de Martim se aguçaram, e ele manteve as mãos no punho de sua espada o tempo todo.

    Tudo começou com um barulho alto do lado de fora da sala. Todos viraram-se para olhar, mas não havia nada. Bento e mais um soldado, que estavam perto da porta, saíram para averiguar. Martim olhou em direção ao trono e notou que a capitã já tinha se mexido. Ela estava com a espada na mão direita e tinha se postado à frente do trono.

    Não demorou até que o ataque começasse. Cerca de vinte ou vinte e cinco homens — Martim não conseguiu contar — entraram correndo na sala. Imediatamente, os quatro amigos ficaram lado a lado, com as espadas em punho, prontos para cumprir sua promessa de ficarem juntos. Houve gritos e barulhos de móveis sendo arrastados. Uma voz feminina se elevou atrás deles:

    — Soldados, protejam a rainha! — Era Maria.

    Martim avaliou rapidamente a cena. Alguns soldados da guarda real que estavam próximos à porta tinham se juntado aos invasores, brandindo suas espadas ao seu lado e aumentando ainda mais a diferença de força entre os grupos. Outros, que tentaram correr em direção ao trono, foram rapidamente atingidos nas costas por golpes de seus próprios colegas e dos invasores, e caíram no chão, gemendo. Os invasores, após entrar na sala, imediatamente fecharam a porta com a pesada trave de madeira que servia a esse propósito, trancando todos do lado de dentro.

    Os defensores eram cerca de dez homens da guarda real que ainda estavam em pé ou que permaneciam fiéis à rainha, e outros cinco nobres de armadura que acompanhavam a cerimônia. Eram encabeçados pela capitã, e formavam a metade de um círculo ao redor da área do trono. Os atacantes formavam um paredão entre o trono e a saída. Todos estavam armados com espadas, lanças e arcos.

    Bento lançou um olhar inquisidor para Martim. Levantou as sobrancelhas e fez um gesto que o chamava ao seu lado. Ao ver que o colega não se mexia, gritou:

    — Amigos! Acabou! Desistam e entreguem a rainha! Não queremos matar ninguém da guarda, somos irmãos!

    Martim não sabia o que responder, mas não precisou. Maria falou primeiro:

    — Homens da guarda, lembrem-se de seu juramento! — Dirigia-se não aos invasores, mas aos poucos aliados que ainda estavam ao seu lado. — Fiquem à frente da rainha!

    Os gemidos dos homens que já tinham sido atingidos eram ouvidos ao fundo. Um dos invasores, que Martim não reconheceu, falou:

    — Não escutem essa vagabunda! Ela falhou em proteger a rainha! Falhou em proteger vocês!

    — Ricardo! Carlos! — gritou Bento. — Eu avisei, não avisei? Está na hora, escolham o lado certo!

    Ninguém disse nada. Bento continuou:

    — Vocês serão lembrados como os heróis que ajudaram a derrubar a rainha traidora!

    Martim sentiu suas entranhas tremerem dentro de si. Desde que Augusto morreu, não vivia nada que não fosse dor e sofrimento ali na guarda. Não tinha motivos reais para permanecer fiel à capitã e morrer defendendo a rainha. Como que adivinhando seus pensamentos, Bento disse:

    — Martim, eu sei que você quer fazer isto! É a sua chance de se redimir pela morte do capitão. De reconquistar o respeito de todos. Venha, amigo!

    Ele tinha razão. Se a capitã fosse derrotada e a rainha caísse, ele teria uma chance de começar tudo de novo, com um novo batalhão, um novo comandante. Estaria livre de todo o assédio, as provocações e os ataques que recebia.

    Maria olhou para o lado, perplexa. Viu a dúvida estampada no rosto dos homens e disse, mais uma vez, agora com a voz muito trêmula:

    — Soldados! Não desistam de seu juramento!

    Ricardo olhou para ela, mas ignorou-a e falou para os colegas:

    — E aí? O que fazemos?

    — Como assim? — disse Carlos. — Está pensando em… traição?

    — Olhe em volta, Carlos! Tem muito mais homens do lado deles. Está acabado! Não podemos escapar daqui vivos!

    — Mas…

    — Eu também não estou gostando nada disso, mas parece que a coroa vai trocar de cabeça hoje à noite. O que me dizem? Juntos? — Estendeu a mão para os outros.

    Martim não sabia o que pensar. Não queria trair seu juramento, mas também não queria morrer. Não queria lutar pela capitã, que além de ser a principal responsável por boa parte das agruras que vivia nos últimos dias, também falhou miseravelmente em prever aquele ataque, prendendo-os ali para morrer.

    Ao fundo, a rainha gritava:

    — Meus cavaleiros, protejam-me! Matem esses usurpadores!

    Os cavaleiros de armadura ao lado dela não pareciam nem um pouco interessados em lutar. Martim conhecia alguns deles e sabia que eram velhos demais, já sem força para empunhar uma espada em batalha.

    Carlos e Tomás repetiram o gesto de dias atrás, colocando suas mãos sobre a de Ricardo. Os três olharam para Martim, à espera de sua decisão. Sua mente não parava de girar, com dezenas de pensamentos que se intercalavam.

    Não há como sobreviver!

    Tem muito mais homens do lado deles!

    Não desistam de seu juramento!

    É a sua chance de se redimir!

    Você vai ser um herói!

    Uma chance de começar de novo!

    Um novo batalhão!

    Sem perseguições! Sem sofrimento! Sem desprezo!

    Está acabado! 

    Precisamos ficar juntos, nós quatro!

    Custe o que custar!

    No final, foi a promessa feita aos amigos que o levou a esticar o braço e colocar sua mão no círculo também. Seus olhares se encontraram num misto de confiança e medo.

    Mas antes que pudessem se mexer, uma quinta mão apareceu. Era Maria. Ela sussurrou:

    — Soldados! Tem sessenta homens lá fora, atrás daquela porta. Tudo o que precisamos fazer é levantar aquela trave e eles entrarão aqui para acabar com essa insurgência. Não desistam! Não ainda!

    Martim arregalou os olhos e seu peito se encheu de esperança. A capitã não havia sido enganada, afinal. Os colegas aparentemente tiveram pensamentos parecidos, pois seus rostos, antes angustiados, se iluminaram imediatamente. Eles voltaram a encarar os invasores, prontos para lutar.

    — O plano é o seguinte… — disse Maria. — Alguns de nós vamos na frente, para abrir espaço e chegar até a porta, e o restante protege a rainha. Quem vem comigo?

    Ela olhou para os soldados assustados que estavam ao seu lado, esperando uma resposta, mas ninguém disse nada.

    Martim olhou para o paredão de homens à frente, uma barreira impenetrável de espadas e armaduras. Lembrou-se imediatamente de Augusto. Na imagem que se formou em sua mente, seu antigo capitão saltava em direção a uma formação parecida de inimigos. Olhava para ele e gritava:

    — Fuja, Martim!

    Em seguida, o capitão impedia que uma espada o acertasse e recebia o golpe em seu lugar. O sangue jorrava e respingava no rosto de Martim.

    Piscou algumas vezes, e a imagem se desfez. Ele voltou a avaliar a situação.

    Sem chance! Não tem como passar por ali vivo!

    — Ninguém? — perguntou Maria, com a voz marcada pela indignação.

    — Eu vou! — Era Ricardo. Deu um passo à frente e ergueu sua espada.

    — Também vou! — disse Carlos, repetindo o gesto do amigo.

    — Juntos? — disse Tomás. Olhou para Martim com um sorriso nervoso no rosto.

    — Vamos lá! — respondeu Martim. Olhou para a capitã e posicionou-se ao lado dos amigos.

    Maria acenou com a cabeça e disse:

    — Obrigada, homens! Eu vou na frente. Venham e lutem!

    E correu em direção aos invasores.

    Ela não tem medo de morrer!

    Enquanto a capitã disparava à frente com a espada levantada, Martim e seus amigos tentavam acompanhá-la. Alguns inimigos desviaram-se dela e os atacaram. A partir deste momento Martim não conseguiu pensar em mais nada exceto em bater sua espada para repelir os golpes que chegavam.

    Seus amigos lutavam ao seu lado. Ajudavam-no a se defender e contra-atacavam sempre que podiam. Em poucos minutos, dois invasores caíram no chão, um deles morto por Tomás e outro por Ricardo. Martim agradeceu por não terem sofrido nenhum ferimento.

    Neste momento ele conseguiu espiar para ver o que acontecia no restante da sala. Atrás de si, os soldados que protegiam a rainha seguravam sua posição. À sua frente, a capitã avançava em meio à muralha de homens, abrindo um buraco e deixando os oponentes em dúvida entre contra-atacar ou lidar com os soldados que a acompanhavam de perto. Com sua espada, ela fazia movimentos rápidos de estocada. Na breve pausa que Martim teve antes que a próxima onda de ataque chegasse até ele, viu-a matar um oponente. Depois disso, voltou sua atenção para seu entorno. Uma dupla de atacantes se aproximou do local onde ele estava. As espadas retiniam e os lutadores se alternavam entre ataque e defesa.

    Ricardo soltou um grito de dor, e Martim viu o vermelho espirrando da perna do amigo. Carlos defendeu-o com um movimento rápido de sua espada, salvando-o de receber um segundo golpe, fatal. Martim se distraiu com o ataque e foi surpreendido com um soco no rosto, que o derrubou no chão e tirou a espada de sua mão. Tentou se recuperar, mas teve tempo apenas de ver seu oponente levantando a espada para golpeá-lo.

    Vou morrer!

    De repente, viu um borrão escuro à sua frente e percebeu que alguém tinha se jogado entre ele e seu inimigo. Em meio à luta alucinante, teve a mais estranha das sensações. Seu nariz, já acostumado ao cheiro de sangue, suor e mau hálito do bando de homens que se agarravam, sentiu um doce perfume no ar.

    O vulto segurou suas mãos e o puxou para cima. À medida que seus olhos focalizaram melhor na figura do seu salvador, a imagem antes difusa se rearranjou, revelando uma armadura negra, uma mecha de pelos sobre a cabeça, uma fenda escura e dois olhos cor de amêndoa.

    — Você está bem? — perguntou Maria.

    — Sim! — ele respondeu. — Obrigado!

    — Protejam a rainha! — Maria gritou para os soldados na retaguarda. — E vocês, fiquem perto de mim! — disse, dirigindo-se aos quatro amigos, antes de sair de novo para sua luta.

    Martim ainda sentiu um último resquício de perfume ao pegar sua espada de volta, retomar a posição de alerta e reavaliar a cena de batalha. Seis invasores haviam sido mortos, e exceto por Ricardo, nenhum defensor parecia ter se ferido.

    Maria desta vez avançou de forma mais agressiva. Golpeando com a espada, conseguiu abrir espaço até que um caminho se tornasse visível entre ela e a porta. Imediatamente disparou em uma corrida.

    Ela passava pelos homens sem ser atingida, desviando-se de alguns golpes com agilidade. Não conseguiu igual sucesso quando uma pesada maça foi arremessada por um invasor e a atingiu no peito. Caiu para trás e, antes que pudesse reagir, foi atacada ainda no chão por um segundo invasor, que cravou uma lança em sua cintura.

    Maria gritou de dor, mas de alguma forma conseguiu se levantar. O lanceiro que a feriu ficou momentaneamente sem a sua arma, e por isso foi alvo fácil de sua espada, que lhe cortou a garganta. Retomou sua corrida, agora mancando muito. Logo recebeu outro ataque. Uma flecha penetrou fundo em sua coxa.

    Martim assistia a tudo sem conseguir reagir. Estava paralisado. Era como ver Augusto morrer novamente, só que agora seu capitão era uma mulher. Assim como Augusto, ela salvou sua vida. E assim como Augusto, ela morreria por culpa dele. Ele seria obrigado a vê-la morrer e o sangue espirrar em sua face.

    Mas desta vez o sangue tinha cheiro de perfume.

    Neste momento, Martim percebeu que o atacante que atirou a flecha era Bento. O mesmo que a enganou, fingiu ser seu amigo e tramou a conspiração embaixo de seu nariz, apenas para matá-la depois. Isso acendeu em Martim uma revolta muito grande. Correu em disparada. Desviou-se de um invasor e empurrou outro com o ombro, tirando-o de seu caminho. Estava agora a dois passos de Bento, que segurava o arco esticado em direção a Maria.

    Não tem ninguém com a mira melhor do que a minha nesse batalhão!

    Com um salto desesperado, Martim caiu sobre Bento e o derrubou. O arco se soltou de sua mão e a flecha subiu, acertando o teto. Maria, tendo seu caminho livre mais uma vez, levantou-se. Arrastava-se, mas não desistia de seu objetivo. A porta estava bem perto.

    Martim levantou-se e colocou-se entre os inimigos e a porta às suas costas, para dar tempo a Maria. Teve que repelir mais alguns golpes, o que conseguiu fazer com bastante dificuldade. Por sorte, os invasores pareciam muito cansados, e ele não tinha sofrido nenhum arranhão. Bento estava com o arco na mão e procurava uma flecha para atirar. Martim conseguiu matar um inimigo com um golpe no estômago. Virou-se para olhar sua capitã. Ela finalmente chegou à porta e começou a fazer força para levantar a pesada trave, mas foi mais uma vez golpeada. Uma lança foi arremessada em sua direção, atingindo-a nas costas, perto do ombro esquerdo. Ela foi jogada contra a porta pela força da lança e caiu, encostada contra a madeira, já incapaz de se levantar.


    — CAPITÃ? CAPITÃ?

    Martim gritava a plenos pulmões, chamando-a do batente oposto da grande porta de madeira. Dois de seus aliados, que antes protegiam a rainha, tinham avançado também, e agora faziam de tudo para proteger Martim. Este não conseguia levantar a trave completamente. Maria estava a poucos passos dele. Se ela conseguisse erguer seu lado da trave, a porta se abriria. Podia ouvir o barulho do lado de fora. Gritos, arranhões e baques eram produzidos pelos homens que tentavam a todo custo entrar na sala. Ela estava inerte no chão, sem esboçar reação.

    — Capitã? Falta pouco! Por favor! Acorde,  capitã!

    Ela mexeu a cabeça levemente. Estaria despertando? Continuou gritando a plenos pulmões, até que ela definitivamente acordou de seu torpor. Ela o olhou e percebeu o que estava acontecendo. No que pareceu ser um esforço monumental, levantou os braços, apoiou-se na perna que não estava ferida e fez força para cima. Martim a acompanhou.

    A trave não se mexia.

    Vamos morrer! A ajuda está lá fora, a centímetros daqui, mas vamos morrer!

    Um pequeno deslizar. A trave parecia estar colada em seu apoio.

    Força! Só mais um pouco!

    A capitã gemia, sem respirar.

    Ela vai desmaiar de novo.

    Martim via os dedos de sua mão esbranquiçados, espremidos contra a grossa trave. Uma flecha acertou a madeira, penetrando em um minúsculo espaço entre seu polegar e indicador. Olhou para trás e viu o verde dos olhos de Bento brilhando em sua direção, e sua boca aberta em decepção.

    É agora ou nunca!

    Enfim algo aconteceu. Um barulho parecido com um guincho veio do lado em que Maria estava. Era a trave, que foi arrastada pela capitã. Finalmente cedeu aos seus derradeiros esforços e caiu para fora de seu apoio. Martim reuniu suas últimas forças e conseguiu terminar de levantar seu lado também e derrubar a pesada tábua no chão de pedra.

    Imediatamente, a porta se abriu, cedendo à força dos homens que a puxavam pelo lado de fora. Martim caiu sentado, ofegante, e observou enquanto uma manada de homens entrava pelo recinto, gritando e correndo. Em meio às pernas que lhe cruzavam a visão, conseguia ver relances do corpo de Maria, novamente caído ao chão.

    Assim que os homens terminaram de passar, Martim se levantou e olhou para a sala. Os recém-chegados já tinham dominado a situação e rendido os invasores que ainda estavam vivos, o que incluía Bento. Mirou seu olhar para o trono e conseguiu ver que seus amigos estavam em pé, até mesmo Ricardo que, aparentemente, sofreu apenas um ferimento leve. Mais aliviado, olhou para o lado e viu que a capitã não se mexia. Aproximou-se, pegou-a nos braços e percebeu que ainda estava viva, mas sangrava muito. Gritou:

    — Ei! Socorro! Aqui, alguém me ajude com a capitã!

    Dois soldados se aproximaram, e Martim falou:

    — Rápido, vão até a sala de cura, corram! E peçam aos curandeiros para se prepararem o mais rápido possível! Eu a levarei!

    Os soldados saíram em disparada. Sem olhar para trás, Martim correu na mesma direção, carregando a capitã. Ela era leve, mesmo com o peso da armadura. Enquanto corria, sentia os braços cada vez mais molhados pelo sangue de Maria.

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