Seus dedos acariciavam o metal escuro. A superfície era dura, maciça, pesada. Girou a peça arredondada nas mãos, admirando-a por todos os lados. De longe, quase não se viam imperfeições, mas de perto, era possível ver as marcas de cada golpe potencialmente fatal que foi bloqueado pela sólida barreira de aço. Um risco maior ia desde a área da testa até a bochecha direita. Foi desenhado por um machado. Ela estava deitada, de costas, embaixo dos corpos de dois soldados mortos, e um terceiro — este ainda vivo — deixou cair a arma em sua cabeça. O enorme barulho ecoou como um sino em suas orelhas, deixando-a vários minutos com a audição afetada. O elmo sobreviveu ileso, assim como sua cabeça, que estava protegida dentro dele e saiu intacta de mais uma batalha. Outras tantas marcas denunciavam as muitas vezes em que o aço tinha sido a única razão pela qual ainda respirava.

    A armadura foi forjada por um mestre ferreiro que servia no exército. Maria tinha alguns conhecimentos na arte da forja também, e ajudou-o a confeccionar o conjunto, principalmente dando sugestões sobre o melhor formato de cada peça e onde as curvas lhe dariam o máximo de proteção sem prejudicar a mobilidade. Também insistiu para que a armadura ganhasse um toque feminino, dando ao ferreiro um desafio inédito. Foram inúmeras discussões e reclamações de ambos os lados, mas o resultado final ficou magnífico. O mestre dizia aos quatro ventos que aquele tinha sido um de seus melhores trabalhos, mais se parecendo com uma obra de arte. Simples, mas funcional. E, como comprovado por Maria, excepcional em campo de batalha.

    Virou o elmo para encará-lo de frente. Alinhou seus olhos à fenda escura e fina que ficava na parte frontal da peça. Não havia olhos do outro lado, apenas um vazio escuro, que conferia à máscara metálica uma frieza assassina. Era um instrumento de guerra, afinal de contas, desenhado primeiramente para proteger o crânio de quem a usasse. Mas também tinha o poder de suscitar nos inimigos a ilusão de que ali atrás não havia um ser humano, repleto de fraquezas e medos. Havia somente uma entidade guerreira, determinada, resoluta, impenetrável às armas comuns, difícil de ser compreendida e portanto, vencida.

    Passou as mãos pela longa mecha de pelos de cavalo que pendia do topo do elmo, e que também foi sugestão dela. Junto com as curvas femininas que acompanhavam seu busto e cintura, servia como um lembrete aos inimigos de que havia uma mulher por baixo daquela armadura. A possibilidade de serem derrotados por uma guerreira traria uma pressão adicional, que se reverteria em decisões apressadas e enganos fatais. Pelo menos era essa a teoria. Maria nunca soube dizer se de fato surtia efeito, mas gostava de acreditar que pelo menos alguns inimigos tinham sucumbido a esse desígnio.

    Respirou fundo, levantou a peça metálica com as mãos, girou-a e colocou-a na cabeça. Mais uma vez ouviu o familiar abafamento de sons e sentiu o calor dos tecidos protetores por baixo do metal lhe aquecendo a pele. Mas desta vez, uma sensação claustrofóbica tomou conta de si. A respiração não parecia ser suficiente para lhe alimentar os pulmões. Entre um suspiro e outro, precisava fazer um grande esforço, o que também produzia um forte ruído. Viu-se obrigada a retirar o elmo, desesperada para tentar retomar o ar que não vinha.

    Depois de alguns segundos, conseguiu recuperar o fôlego. Fechou os olhos e tentou mais uma vez colocar a cabeça da armadura, mas a sensação ruim logo voltou. Ainda de olhos fechados, concentrou-se em respirar mais devagar. Aos poucos a sensação foi desaparecendo. A memória ajudou, trazendo para o primeiro plano de sua mente lembranças das inúmeras vezes em que usou o elmo sem problema algum. Enfim conseguiu se acalmar e prender a tira de couro em seu queixo e fixar a peça.

    O que diabos acabou de acontecer?

    Sem tempo para pensar, levantou-se da sua cama e saiu pela porta de seu quarto.


    Caminhava rápido pelos corredores, pois foi convocada com urgência. No caminho, encontrou muitos soldados. Eles cumprimentavam-na levantando o braço ou batendo com a manopla no próprio peito. Maria respondia apenas acenando com a cabeça. Não precisava imitar seus gestos toda vez, caso contrário teria sérias dores no braço no final do dia. Em seus encontros, ela notou que a maioria dos homens não mais desviava o olhar, como era comum em seus primeiros dias. Muitos mantinham o contato visual por mais tempo, e alguns até esboçavam um sorriso amigável. A maioria também dizia uma saudação breve, como “Bom dia, capitã!” ou simplesmente “Capitã!”. Maria sabia que esses sinais eram extremamente positivos, mas não eram suficientes para baixar completamente a guarda. Alguns meses ainda seriam necessários para que os homens a vissem como uma igual. Ou talvez, se tivesse sorte, haveria uma nova batalha, o que lhe daria mais uma oportunidade para mostrar seu valor aos olhos masculinos.

    De vez em quando, cruzava com uma mulher. Quase sempre era uma serviçal correndo de um lugar para outro, fazendo o que lhe era solicitado. Estas cumprimentavam chamando-a pelo nome, sempre com um grande sorriso estampado no rosto. “Maria, olá!”, “Bom dia, Maria!” e “Como está, Maria?”. Conhecia quase todas pelo nome, e fazia questão de repeti-los ao responder aos cumprimentos. Nos poucos meses que vivia ali, tinha feito muitas amizades entre as mulheres. Elas a consideravam como uma espécie de heroína, alguém que tinha conseguido se destacar e alcançar o sucesso, mesmo lutando contra todas as tradições e preconceitos. Maria não se sentia uma heroína, mas apreciava o sentimento que despertava.

    Havia também nobres perambulando pelo castelo. Homens ou mulheres, estes não se importavam em abaixar o nariz para cumprimentar qualquer um que não fosse de sua classe, seja um serviçal, soldado ou o mais valoroso general. Na visão destes, todos serviam à nobreza, protegendo suas terras contra invasores e limpando suas latrinas.

    Foi exatamente o que aconteceu quando entrou na sala do trono. A rainha conversava com um homem magro, aparentando ter meia idade. Ao ver a capitã entrando no recinto, Catarina cumprimentou-a animadamente:

    — Oh, Maria, que bom que chegou, estávamos esperando você. Entre, querida.

    Ao se aproximar, o homem que conversava com a rainha sequer virou a cabeça para olhar para ela. Ele tinha cabelos pretos lisos e longos que, já escassos, deixavam à mostra uma grande porção de pele na parte de cima da cabeça. Seu bigode e cavanhaque cuidadosamente aparados contornavam uma boca fina, cujos lábios eram quase inexistentes. O nariz era longo e curvado. Ficava sob olhos negros e afundados, e sobrancelhas arqueadas que lhe conferiam uma aparência astuta. Suas finas vestes cinza-claro proclamavam a mais alta nobreza. Os exagerados adornos metálicos nos pulsos e dedos indicavam um gosto pela ostentação e uma vontade de dizer a todos que ele tinha dinheiro e poder.

    — Ora, Catarina, eu não posso gastar dinheiro com esse tipo de coisa — ele disse. — Meus vassalos também esperam que eu lhes compre coisas. Como vou explicar para eles que eu não tenho mais como sustentá-los porque eu dei dinheiro a você?

    Maria estranhou o tom insolente na voz do homem. Não parecia alguém que estava em audiência com a suprema governante do reino. Quem era aquele homem?

    — Escudeiro! — Catarina levantou a voz. — De que adianta seus vassalos estarem protegidos se a segurança de sua rainha está em jogo? A guarda real é a elite do exército.

    — A segurança da rainha? Ora, eu tinha a impressão que você estava me pedindo para comprar sandálias.

    — Não são somente sandálias. Eu não sei exatamente… Maria, me ajude aqui. Por favor, diga ao lorde Frederico de Vide quais equipamentos você solicitou para a sua guarda.

    Neste momento, o homem finalmente se virou para encarar a recém-chegada. Ele era mais alto do que Maria, mas não se preocupou em abaixar o nariz para conversar com ela. Disse, com um desprezo visível na voz:

    — Quem é essa?

    Maria não respondeu. Sustentou seu olhar, esperando que a rainha a apresentasse. Catarina disse:

    — Esta é Maria, minha capitã da guarda real.

    O homem pareceu ficar um pouco impressionado. Abaixou o nariz um centímetro e disse:

    — Oh, sim, capitã, eu me lembro de você. Eu estava lá quando o rei Gregório lhe deu aquela condecoração. Ouvi falar de seu duelo contra Aires e Caim. — Seu olhar se apertou. — Mestre Aires era natural de Vide, sabia?

    — Sim, milorde, eu o conhecia muito bem.

    — E no entanto, cortou a garganta dele.

    Maria sentiu o sangue ferver. Catarina interveio:

    — Mestre Aires desafiou sua honra e foi derrotado em um duelo justo.

    O homem deu um sorriso enigmático, e disse:

    — Suponho que sim.

    Maria não compreendeu muito bem o significado daquele sorriso. O homem continuou:

    — Diga-me, minha querida, o que você teve que fazer para conseguir o posto de capitã?

    — Nada além de dedicação e obediência, milorde.

    — Desculpe-me, mas… — Ele sorriu com desdém. — Ora, convenhamos, cá entre nós… — falou em voz baixa. — Catarina, havia pelo menos uma dúzia de homens mais valorosos para você escolher. Homens que teriam um caminho muito mais fácil até o coração dos soldados. Homens que lhe juraram lealdade… 

    Maria segurava-se para não desferir um soco no pescoço daquele homem e calar sua voz venenosa de uma vez. A rainha, no entanto, mantinha a calma, em uma demonstração enorme de paciência e habilidades políticas.

    — Maria goza de minha total confiança. Ela conseguiu desmontar uma conspiração contra a coroa. E já se provou mais do que competente no campo de batalha. Não consigo pensar em ninguém mais qualificado ou leal do que ela.

    O homem assentiu com a cabeça:

    — É claro, Majestade. Peço perdão pela minha insolência. — O seu rosto não trazia sinal do arrependimento expresso em suas palavras.

    — Agora, se pudermos voltar ao assunto… — continuou Catarina.

    — Sim, sim — ele disse. — Lamento, mas não posso ajudar, infelizmente. Tenho outras prioridades no momento…

    — Você nem ouviu os detalhes, lorde Frederico — interrompeu Catarina. — Maria, por favor, faça um relato breve sobre as necessidades da guarda real.

    — Pois não, Majestade. Milorde, o estoque da guarda está com falta de alguns armamentos e vestuário, principalmente… 

    — Você precisa mesmo usar essa coisa na cabeça? — reclamou a rainha. — Quase não se ouve o que diz. Tire isto, sim?

    Maria sentiu que seu sangue estava prestes a sair borbulhando por sua pele. Com as mãos tremendo, soltou a tira de couro do queixo e puxou o elmo para cima.

    Imediatamente, a expressão desprezível no rosto de Frederico se alterou. Ele abaixou a cabeça ao mesmo tempo que levantou as sobrancelhas, alinhando seu rosto para ter uma visão frontal de Maria.

    — Ora, mas se não é uma beleza? — ele disse, com um sorriso idiota no rosto. — Ouça a sua rainha, capitã. Nunca mais esconda esse belo rosto por trás dessa máscara.

    Evitando olhar para a cara dele, Maria retomou seu relato:

    — Como dizia, milorde, há falta de armamentos. Precisamos de pelo menos trinta pontas de lança… 

    — Catarina, peço desculpas por antes — disse Frederico, dirigindo-se à rainha. — E peço desculpas a você também, Maria. — Estendeu a mão para ela. — Eu não fazia ideia que, além das suas habilidades, você trazia tamanha beleza à elite do exército.

    Maria ficou olhando para a mão dele, estupefata. Depois olhou para a rainha, suplicando por algum indício de reprimenda à ousadia do nobre. Mas não foi atendida. Catarina olhou Maria com os olhos arregalados e fez um gesto com a cabeça em direção à mão dele. Relutante, a capitã obedeceu e pousou sua mão direita sobre a dele.

    — Pode me chamar de Frederico — ele disse, enquanto beijava as costas de sua mão.

    — Posso continuar, milorde? — Puxou sua mão de volta tão logo seus lábios encostaram nela.

    — Prossiga — ele disse, ainda com o olhar embasbacado.

    — Trinta pontas de lança, trinta facas curtas e cinco centenas de flechas. Agora, quanto ao vestuário… 

    — Sabe, Maria… — ele interrompeu-a mais uma vez, e ela rangeu os dentes, tentando se controlar.

    Quanto mais tenho que aturar?

    — Por que não vamos até a sala da guarda e você me mostra tudo isso? — perguntou Frederico. — Assim eu vou conseguir memorizar tudo corretamente. No momento estou tendo certa dificuldade em me concentrar. — Deu mais uma vez aquele sorriso idiota.

    — É uma ótima ideia — disse Catarina, com a voz fina e animada. — Maria, querida, faça isso. Mostre ao lorde Frederico nossas instalações.

    — É claro, Majestade — ela disse, curvando-se à rainha. — Mas antes eu gostaria de conversar rapidamente com vossa Majestade. Em particular — acrescentou.

    — Pois não, pedido concedido. Lorde Frederico, você se incomoda de esperar do lado de fora da sala por alguns instantes?

    — Esperarei ansiosamente — disse, com um sorriso enorme no rosto. Maria percebeu que lhe faltava um dente na parte de trás da boca. Ele acenou para as duas e saiu da sala.

    Catarina ficou esperando até que ele sumisse da vista. Assim que ele fechou a porta, ela disse:

    — Você viu isso? Viu o jeito como ele falou comigo? “Catarina”, usando meu nome, assim. Eu deveria açoitá-lo na praça até ele aprender a me chamar pelo meu título.

    Maria tinha percebido, mas o fato de que ele conversava com a rainha por meio de seu primeiro nome não chegava nem perto do desrespeito com que ela, Maria, tinha sido tratada.

    — Ele era muito amigo do meu marido, é isso. Naquela época, eu era apenas a mulher do rei, uma companheira. Acho que vai demorar até que eu seja respeitada como a legítima monarca deste reino.

    — Sinto muito, Majestade. E por que não faz isso?

    — O que?

    — Por que não manda açoitá-lo na praça?

    Catarina riu, um sorriso aberto e franco. Depois disse, com o rosto compadecido:

    — Oh, querida, é complicado. Você escutou nossa conversa. Infelizmente, nós precisamos da ajuda dos lordes. O tesouro da coroa não está mais tão abastado como antes. E eu não posso criar inimizades quando cada canto do reino está cheio de pretendentes ao trono. Você mais do que ninguém sabe o quão difícil é para uma mulher se fazer valer neste mundo.

    — Sim, Majestade, eu sei. — Apesar de quase sempre se sentir usada, no fundo ela entendia a situação de Catarina e não podia deixar de sentir um pouco de empatia. — Eu… posso lhe fazer uma pergunta delicada?

    — Mas é claro. O que quiser, para você eu falo tudo.

    — Eu estive com madame Pérola. Ela me disse que vossa Majestade tem obtido os relatórios diretamente com ela. Eu queria saber se a senhora está insatisfeita com a minha atuação nessa parte. Eu sempre fiz os relatórios para vossa Majestade, eu sempre contei tudo o que descobri.

    Catarina tinha o rosto sério enquanto ouvia, mas logo que Maria terminou de falar, deu um sorriso e fez um gesto de desprezo com as mãos:

    — Imagina. — Sua voz fina e estridente entrava fundo nos ouvidos. — Eu estou muito satisfeita com você. Aliás, essa sua ideia de usar as serviçais e prostitutas para colher informações junto aos homens é ótima. Sabe, às vezes parece que eles sequer notam a presença das mulheres por aqui. Nem mesmo quando estão trepando com elas! Tudo o que eles enxergam são outros homens e seus próprios egos.

    Maria sorriu com o jeito espalhafatoso da rainha. Ela podia ser engraçada de vez em quando. E o que disse era verdade. Os homens do castelo não pareciam se importar em trocar segredos perto das mulheres, o que tornava a tarefa de espionagem muito mais fácil do que deveria.

    — Sim, mas, por que não pediu para mim? Eu sempre fiz de tudo… 

    — Não se preocupe com isso, Maria. — Olhou para as próprias unhas por um instante. — Sabe, eu ando muito ansiosa, com toda essa conversa sobre conspirações. Me desculpe se eu passei por cima de você e fui falar direto com as meninas, mas às vezes eu não aguento esperar. Eu, ultimamente, vejo inimigos por toda parte.

    Maria sentiu-se melhor ao ouvir isso. Catarina continuou:

    — Às vezes eu me arrependo de…

    A rainha parou de falar. Maria perguntou:

    — Sim, Majestade?

    Catarina suspirou antes de continuar:

    — Eu sinto muita falta do meu marido. Quando ele era vivo, tudo com que eu precisava me preocupar eram festas, bailes, decorações e comida. Ele não era o melhor homem do mundo — disse, em tom confidente, levantando as sobrancelhas e olhando-a de lado. — Mas, pelo menos, eu não precisava me preocupar com assassinos querendo minha cabeça.

    Maria deu um sorriso, esquecendo-se de que estava sem o elmo. A rainha percebeu e perguntou:

    — Qual é a graça?

    Assustada, Maria respondeu:

    — Hã? Nada, não é nada engraçado. É que… — Hesitou. Não falou nada antes, com medo da reação que provocaria, mas naquele momento estava se sentindo mais próxima a Catarina. — Muitos dos conspiradores alegam que vossa Majestade pode ter sido responsável pela morte do rei. Mestre Aires até me acusou de ter sido sua cúmplice. Se soubessem como a sua vida piorou, veriam o absurdo dessas alegações.

    O semblante de Catarina mudou completamente. Uma sombra endureceu seu sorriso, e Maria viu seus olhos faiscando por um breve instante.

    — Cuidado… — ela disse, com a voz muito séria. — Esse tipo de conversa pode ser muito ruim para você, minha cara.

    Arrependida, Maria tentou amenizar o estrago:

    — Majestade. De maneira alguma eu quis insinuar que… Eu também estou sendo injustamente acusada, não se esqueça. Até mestre Aires…

    — Chega, Maria! — Sua voz era grave. — Você não falará mais desse assunto, nem comigo nem com ninguém. Na verdade, se não fosse meu grande apreço por você, estaria queimando no meio da praça agora mesmo.

    Maria sentiu uma onda de terror quando as histórias dos conspiradores sendo queimados vivos vieram à tona. Abaixou a cabeça e segurou os dedos o máximo que podia, para não deixar crescer o tremor que ameaçou tomar conta deles. A rainha permaneceu em silêncio por alguns instantes, parecendo medir a reação de Maria, que conseguiu permanecer impassível mesmo diante da ameaça de ser queimada viva. Ainda muito séria, a rainha disse: 

    — De todas as possibilidades, eu não esperava ouvir esse tipo de acusação de sua boca.

    Acusação?

    Não tinha feito acusação nenhuma, muito pelo contrário. Mas não se arriscaria a argumentar, pois a rainha parecia de fato ver todos como inimigos, e naquele momento ficou claro que Maria não seria uma exceção. Assentiu com a cabeça e disse, em voz baixa:

    — Perdão, Majestade.

    — Muito bem. Esqueça essa conversa. Eu tenho um último assunto a tratar com você.

    — Pois não, Majestade — respondeu Maria, ainda muito inconformada. O fato de que a rainha mudou de assunto indicava que seus esforços para ocultar os sentimentos tinham sido bem sucedidos.

    Catarina disse:

    — Ouvi dizer que está se aproximando o torneio anual da guarda. É verdade?

    — Sim, Majestade. Faz parte do treinamento dos soldados.

    — E como funciona esse torneio?

    — Os soldados duelam entre si, com armas não letais. Espadas sem fio, lanças cegas, flechas sem pontas, esse tipo de coisa. O vencedor normalmente ganha uma soma em dinheiro, além da satisfação pessoal em se tornar o campeão.

    — Interessante. Pode ser uma boa distração… 

    Maria não queria mais conversar com a rainha, mas perguntou, a curiosidade falando mais alto:

    — Teve alguma ideia, Majestade? Eu posso ajudar?

    — Ah, sim, você vai ajudar, sem dúvida, mas não vou dizer nada ainda. É meu segredinho. — Deu um risinho simpático, como se fosse uma velha senhora contando fofoca para as amigas durante o chá.

    — Como quiser, Majestade.

    — Agora vá e leve Frederico até as instalações da guarda. Aproveite que ele é um mulherengo e faça o que for possível para convencê-lo a doar até cuecas novas para a guarda. Jogue seu charme! E mantenha esse maldito capacete fora da sua cabeça.

    — Sim, Majestade. — Despediu-se e virou-se de costas. Precisou morder o lábio inferior e lutar para segurar o suspiro de alívio que estava prestes a escapar. No esforço, sentiu um fio de sangue escorrendo para a língua.

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