— Pode ser uma boa, me escutem — dizia Ricardo.

    Caminhavam pelos corredores do castelo, dirigindo-se aos dormitórios. Carlos respondeu:

    — Como é possível que isso seja uma boa? É uma sacanagem da rainha.

    — Me escutem. Ninguém vai querer enfrentar a capitã. Muitos devem desistir antes mesmo de o torneio começar. Isso aumenta nossas chances de sermos ao menos finalistas.

    — Mas e daí? A gente vai ter que lutar contra ela no final, não vai? Quem vai conseguir derrotá-la? Ela lutando é um demônio!

    — Eu me garanto — disse Ricardo, estufando o peito. — E além disso, o que temos a perder?

    — Não importa, é uma sacanagem enorme com a gente — disse Carlos.

    — Com ela também — Martim deixou escapar seu desabafo.

    — Com quem? A rainha?

    — Não, com Maria. Com a capitã, quero dizer.

    Os amigos olharam para ele espantados, como se lhes tivesse revelado um grande mistério desconhecido.

    — Como assim, Martim? — perguntou Tomás. — Ela só vai ter que enfrentar um soldado, no final, enquanto nós vamos ter que nos matar durante vários dias. E se ganhar, o que provavelmente vai acontecer, leva a grana toda. Não vejo como isso pode ser ruim para ela.

    Martim não se referia ao prêmio. A única coisa que ele conseguia pensar era que ela poderia ser obrigada a dançar a noite inteira com um homem qualquer. O pensamento o enojava, mas não achou que os amigos entenderiam. Disse:

    — E se ela quisesse competir também, desde o começo, de maneira justa? André me disse que ela sempre gostou de participar de torneios.

    — Bobagem, Martim. Ela só tem a ganhar com esse esquema. E nós, só temos a perder.

    Os amigos chegaram ao dormitório. Já estava anoitecendo, e se eles não quisessem desistir, precisariam descansar. Martim tinha outros planos. Assim que os amigos passaram pela porta, ele se virou e disparou pelo corredor, sem se despedir ou deixar que o vissem. Não queria que ninguém soubesse para onde estava indo.


    Toc. Toc. Toc.

    Já era a terceira vez que batia na porta sem ouvir resposta, o que lhe deu a certeza de que não havia ninguém do outro lado. Já tinha tentado vários lugares do castelo. Seu escritório, depois a cozinha, a biblioteca, sala do trono, e agora tentou seus aposentos. Só lembrou de mais um lugar onde ela poderia estar.

    Caminhou pelos corredores por mais alguns minutos, passando pela grande muralha e chegando até a área de treinamento, do lado de fora do castelo. Já era quase noite e ventava muito, fazendo o ar frio castigar a pele. A alguns metros dali, uma tocha produzia luz suficiente para iluminar apenas uma pequena área circular no meio do campo. Maria estava ali, com sua armadura negra brilhando levemente à luz do fogo. Sozinha, batia sua espada repetidamente contra um dos bonecos de madeira. A cada golpe, soltava um grito desnecessariamente alto. Martim se aproximou.

    Ela tinha um balanço ágil nas pernas e se movimentava graciosamente, sempre mantendo a distância correta em relação ao boneco. Quando esticava o braço e jogava seu corpo para frente, a ponta de sua espada parava certeira na superfície da madeira, sem penetrar muito fundo, apenas o suficiente para abrir um buraco no inimigo.

    Mesmo percebendo a presença de Martim, Maria não parou seu treinamento. Falou, entre um movimento e outro, sem olhar para quem tinha se aproximado:

    — Pois não, soldado?

    — Tudo bem?

    Reconhecendo sua voz, olhou para ele:

    — Oh, é você, Martim. Tudo… — mais um golpe — bem.

    — Tem certeza? Você parecia meio nervosa antes.

    — Eu? — Acertou a cabeça do boneco. — Nervosa? Com o quê?

    — Não tenho certeza, mas se eu tivesse que adivinhar, diria que é por causa da rainha.

    Maria enfiou a espada um pouco mais forte no peito do boneco, deixando a lâmina presa. Tentou tirá-la com a mão que a empunhava — a direita — mas não conseguiu. Precisou segurar o cabo com as duas mãos e dar um chute com o calcanhar na madeira para libertar a arma. Enfiou-a no chão e virou-se para Martim, com uma das mãos no quadril.

    — E por que eu estaria nervosa com a rainha?

    Sua postura não era nada amigável. Pelo jeito como olhava para ele, com o queixo erguido, parecia desafiá-lo a dizer algum desaforo apenas para ter um pretexto para dar-lhe um soco. Os olhos faiscavam por trás da fenda escura do elmo.

    — Seria… porque ela não deixou você competir no torneio como todos os outros?

    — É por ISSO que você acha que eu estou nervosa?

    — Eu não sei, já disse! Por que não fala para mim?

    Ela olhou para ele por uns segundos e não deu resposta. Pegou a espada novamente e voltou a batê-la contra o boneco. 

    — É impressão sua — disse, entre um golpe e outro. — Eu não estou nervosa.

    — Que bom. Eu estava preocupado com você, mas se está tudo bem, acho que vou indo… Preciso descansar, o torneio começa amanhã, sabe?

    Arrependeu-se assim que as palavras saíram de sua boca. Sua ideia era conseguir fazê-la falar sobre o que a atormentava, mas a provocação apenas serviu para deixá-la ainda mais irritada. Maria soltou um grito e desferiu um golpe lateral, fazendo a ponta da lâmina afiada penetrar fundo no pescoço do boneco. Mais uma vez, a espada ficou presa. Ela tentou retirá-la, mas dessa vez não estava conseguindo. Tentou com uma mão, depois com as duas. Apoiou um dos pés no boneco, experimentou mudar de posição algumas vezes, e nada. A espada tinha se fundido à madeira.

    — Quer ajuda? — disse Martim, aproximando-se.

    — NÃO! — ela gritou, com a cabeça baixa. Estava de costas para ele. — Eu consigo tirar sozinha!

    — Está bem, já entendi. Estou indo. Me desculpe por qualquer coisa.

    Martim virou-se e começou a se afastar. Não precisava ficar ali sendo destratado, afinal não fez nada de errado. Se ela estava emburrada, que continuasse sozinha descontando sua ira no boneco. Ele também tinha seus problemas e nem por isso estava sendo rude com ela. Depois de alguns passos, ouviu:

    — Ela sempre faz isso…

    Martim virou-se e olhou para ela. Estava com a cabeça baixa e os ombros caídos. Levantou os braços e tirou o elmo de sua cabeça. Deixou-o cair no chão, deu alguns passos em direção a ele e continuou:

    — Me desculpa. Não quis tratá-lo mal. É que a rainha… — fez uma pausa — não é fácil.

    Ela estava bem perto dele agora. Fazia um tempo que não a via sem o elmo.

    Deus, como é linda!

    — Eu também peço desculpas. Devia ter percebido que você não estava a fim de conversar.

    — É, eu estou uma péssima companhia hoje. Não me leve a mal, mas você deveria mesmo ir embora, Martim.

    Maria parecia de fato arrasada. Ver seu belo rosto anuviado pela expressão triste lhe doía o peito. Daria tudo para ver seu sorriso. Mas naquele momento, no escuro, junto à fraca tocha que lutava contra o vento para permanecer acesa, isso parecia impossível.

    E ela parecia sozinha. Muito sozinha.

    Mesmo que todos seus instintos lhe implorassem para sair dali, Martim decidiu não obedecê-los. Sem olhar para Maria, aproximou-se do boneco de madeira e segurou o cabo da espada com as duas mãos. Com um forte puxão, conseguiu soltá-la. Apoiou a ponta da lâmina no chão e encostou seu cabo na base do boneco, tomando cuidado para equilibrá-la. Disse:

    — Ela não tem o direito de tratá-la como um objeto. Você tem toda a razão em ficar furiosa.

    Por um breve momento, um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Maria, mas desapareceu tão rápido que Martim não teve tempo de apreciá-lo.

    — Sim, mas eu não deveria ficar assim. Ela é a rainha.

    — E daí? Aposto que se você conversar com ela…

    — Não tem como, ela…

    — Sei que ela é difícil. Mas ela gosta de você, todo mundo sabe disso. Talvez você consiga convencê-la a esquecer essa história toda.

    — Você não entende…

    — A maioria dos soldados ia gostar. Eles ficaram bem irritados ao saber que teriam que lutar contra você para conseguir ganhar o prêmio.

    Ela ficou em silêncio. Com uma voz baixa, quase irreconhecível, ela falou:

    — É por isso que você está aqui?

    — O quê?

    — Por causa do prêmio?

    — O quê? Não! Não, eu…

    — Seus amigos lhe pediram para conversar comigo para eu convencer a rainha…

    — Não, Maria! — Martim começava a soar desesperado. — Não, você entendeu tudo errado!

    — …assim o prêmio ficaria mais fácil. — Deu um riso triste. — E eu achando que você estava preocupado comigo.

    — E eu estava! Estou!

    — Vai embora, Martim. — Sua voz estava carregada com amargura.

    — Desculpe-me! Eu não devia ter falado sobre os soldados. Eu juro que eles não me pediram nada…

    — POR FAVOR! — gritou, em uma voz aguda. — Apenas vá embora! Eu já pedi para me deixar sozinha! — Seu rosto se contorcia em uma expressão de ódio.

    Martim deixou os ombros e os braços caírem, em completo desânimo. Desistiu de argumentar. Assentiu com a cabeça e começou a se afastar rapidamente de volta ao castelo. Ele caminhava a passos largos, lutando para não olhar para trás, nem mesmo quando ouviu-a gritando, a voz entrecortada pelo forte vento que uivava:

    — E MUITO OBRIGADA POR SOLTAR A PORRA DA MINHA ESPADA DA PORRA DO BONEC… EU… UMA FRACA MESM… O QUE EU FARIA SEM…

    Não conseguiu entender as últimas palavras. A última coisa que ouviu antes de entrar foi o som metálico da espada voltando a castigar a madeira.


    Martim não dormiu muito bem naquela noite. Foi obrigado a encarar o teto de pedra do dormitório e ouvir os roncos dos colegas enquanto rolava de um lado para outro em sua cama, por intermináveis horas de insônia, intercaladas com cochilos que mais pareciam um piscar de olhos.

    Repassava em sua mente os últimos momentos com Maria. Alternava entre pensamentos de culpa e de indignação.

    Você não devia tê-la procurado. Não devia tê-la provocado. Não devia ter tirado a maldita espada do boneco!

    Mas você estava preocupado com ela. Só queria ajudar, de alguma forma. Ela estava descontrolada. Foi rude e injusta com você. Não fez questão alguma de te escutar.

    Por outro lado, você de fato soou interesseiro. Por que foi falar do prêmio, seu idiota? E ela pediu para ficar sozinha. Ela mesma admitiu que não estava muito bem.

    Esqueça isso! Pense no torneio, ele é muito importante para você. Você tem seus próprios problemas, e ela não faz ideia de tudo que você é obrigado a sofrer por aqui.

    A noite finalmente chegou ao fim, e Martim se levantou assim que as primeiras luzes apareceram pelas janelas. Foi ao banheiro para se lavar. A água fria lhe animou um pouco. Também agradeceu o fato de ter sido o primeiro a chegar ao salão da guarda para fazer sua refeição sozinho, como tanto apreciava. Quando os demais começaram a chegar e a tagarelar, animados, a expectativa pelo início do torneio finalmente tirou Martim de seu repetitivo e interminável monólogo interior. Decidiu concentrar-se nos combates e nada mais.

    Depois do desjejum, Martim dirigiu-se até o gramado em frente ao castelo e assustou-se com o grande movimento que já se fazia ali. Dezenas de barracas foram montadas ao longo das paredes do castelo. Eram todas iguais, feitas de tecido marrom escuro, e tinham a altura de um homem. Estas eram destinadas aos combatentes, para que pudessem se trocar e descansar entre as lutas.

    Havia muitos vendedores chegando e se estabelecendo por toda a área. Alguns carregavam seus produtos à venda nas mãos, nas costas ou em bandejas montadas à sua frente. Outros estendiam tapetes, onde exibiam seus artefatos para vender. Havia também barracas sendo montadas. Eram parecidas com aquelas montadas no mercado e na praça, com cavaletes e prateleiras repletos de todo tipo de coisa, desde artesanato, roupas, chapéus e tecidos até as mais variadas comidas e bebidas.

    A população também começava a chegar. O torneio era um evento muito esperado, pois todos queriam ver os soldados em sua demonstração de força e habilidade. Isso, é claro, atraía também um mercado de apostas, que fazia girar pesadas negociações nos cantos mais escuros do entorno do castelo.

    Martim começou a procurar entre as barracas por uma onde poderia entrar. Ao se aproximar, notou que cada uma foi preparada para um grupo de soldados, conforme informado em um pedaço de pano com nomes pintados ao lado da porta. Correu os olhos pelas listas enquanto caminhava pela fileira de panos marrons e enfim achou a sua barraca, que era uma das últimas daquele lado dos portões.

    — Bom dia, Martim. Você desapareceu ontem à noite. — Era Carlos, que já estava dentro da barraca. Ele prendia a armadura em seu peito.

    — Bom dia. Acordou cedo hoje, hein? — Martim respondeu, tentando desviar o assunto.

    — Eu nem dormi, fiquei muito ansioso. Você sabe que eu fico assim, né?

    — É, eu também não dormi direito.

    Martim encontrou sua armadura dentro da barraca também. Sentou-se em um banco e começou a colocar suas perneiras. Disse:

    — Já sabe contra quem vai lutar primeiro?

    — Já. Eu vou começar enfrentando Silas com a maça.

    — Silas? Logo na sua primeira luta? Que azar!

    — Pois é, mas depois eu só vou pegar moleza. Meu grupo tem três dos cinco novatos, acredita?

    — Sei não, hein? Pelo que eu soube, os novatos estão treinando muito bem. Estão apostando que um deles vai chegar na final, o Antenor.

    — Mas são novatos. Vão ficar nervosos, acho. E você?

    — Eu ainda não vi a tabela. Vim direto para cá.

    — Silas vai ficar em primeiro, com certeza. Eu acho que consigo terminar em segundo lugar hoje, mas com uma boa pontuação.

    — Com esse pensamento, é melhor desistir hoje mesmo. — Ricardo entrou na barraca. — Bom dia, caros amigos! Que linda manhã para um torneio!

    — Estou sendo realista — respondeu Carlos, sem cumprimentar o amigo.

    — Pois é, esse é o seu erro, Carlos. Um campeão sempre sonha alto. Nenhum campeão jamais alcançou a glória sem de fato acreditar que ele a merecia. Quer ver? Martim, quem vai ganhar esse torneio?

    — Você, Ricardo — riu Martim. — Vai ganhar de todo mundo, como sempre.

    — Este ano eu vou mesmo. Eu sempre tive mais cérebro que vocês, isso é óbvio, mas me faltavam braços e pernas competentes para acompanhá-lo. Agora eu finalmente sinto que tenho um corpo à altura de minha mente.

    Eles continuaram conversando enquanto vestiam suas armaduras. Eram diferentes das tradicionais, usadas no dia-a-dia. Estas cobriam todas as partes do corpo com metal ou couro grosso, inclusive o rosto, protegido por um elmo que dispunha de uma pequena grade móvel que podia ser aberta ou fechada a gosto de seu usuário. Ainda que as armas usadas no torneio tivessem sido preparadas para não perfurar ou cortar, tinham potencial para causar sérios danos à pele ou ossos desprotegidos.

    Depois de algum tempo, chegaram Tomás, Paulo, Moisés e Belchior. Martim achou que a barraca ficou muito lotada. Já tendo colocado sua vestimenta de batalha, decidiu sair para liberar um pouco do espaço.

    Do lado de fora, a aglomeração tinha se intensificado. Muitas pessoas passeavam entre os vendedores, comprando ou conversando animadamente. Agora havia também música no ambiente. Um grupo de menestréis se instalou em uma enorme tenda do outro lado do gramado, atraindo um grande número de pessoas ao redor.

    Em pouco tempo o calor começaria a se acumular por baixo da armadura, principalmente depois de começarem as lutas. Mas ainda era cedo e o ar da manhã estava gelado. Martim agradeceu quando o sol lhe aqueceu a pele por baixo do metal. O céu estava completamente azul. Junto com o verde do gramado e as dezenas de cores diferentes das barracas e bandeiras, era uma verdadeira festa para os olhos. Continuou caminhando, agora em direção à área dos combates.

    O espaço era enorme. Havia dez cercados de madeira — quadrados com cerca de sete ou oito metros de largura — que ficavam ao redor de uma grande arena circular, que devia ter cerca de quinze a vinte metros de diâmetro. A arena era cercada por altas arquibancadas de madeira, que deviam comportar centenas de pessoas. Havia uma arquibancada especial destinada à nobreza. Era coberta e tinha confortáveis poltronas organizadas em linha, dando aos seus ocupantes uma visão privilegiada dos combates. Mas a arena não seria usada até que começassem os duelos finais.

    Penduradas ao redor da arena, havia dez grandes placas de tecido branco. Cada placa tinha inscritos os nomes de seis competidores, organizados em tabelas que serviam à contagem dos pontos e aos resultados das lutas individuais. Martim encontrou a placa com seu nome e passou rapidamente os olhos por seus compromissos. Enquanto fazia contas rápidas, foi cumprimentado por André:

    — Bom dia, Martim. Teve sorte?

    — Bom dia, André. Mais ou menos. — Apontou com o dedo. — Meu grupo tem o Ulimar, ele vai ganhar todas as lutas com a maça, acho. Eu acho que não vou perder nenhuma das lutas com espadas, talvez para o Marcel, não sei como ele é, nunca lutei com ele.

    — Marcel é bom, de fato. Você também precisa se preocupar com Ricardo, ele melhorou muito.

    — É, pode ser, mas se eu ganhar, aí acho que o desempate vai ser no arco e flecha e a lança. Eu acho que venço três com o arco. Com a lança, eu não sei. Nunca ganhei uma luta com lança antes.

    — Pare de ser modesto. Você é melhor do que pensa. Até acertou meu queixo na semana passada. Eu diria que suas chances estão boas. Acho que você pega uma das vagas diretas, hein?

    — Graças a você. — Deu um soco no ombro do treinador, que riu. Tinham criado um forte vínculo de amizade nas últimas semanas.

    André olhou em volta e perguntou:

    — Você viu a capitã? Estou procurando, mas ainda não a achei.

    Martim engoliu em seco ao responder:

    — Não vi, não.

    — Na verdade, eu não a vejo desde a abertura do torneio.

    — Nem eu — mentiu.

    Martim se despediu e foi até o cercado onde a sua primeira luta aconteceria. Seria o segundo a lutar, depois de Ricardo. Iria começar com a espada longa combatendo Pedro, um soldado forte, mas muito lento. Estava confiante que iria conquistar sua primeira vitória logo na primeira luta. Ricardo já estava lá, alongando seus braços e pernas enquanto esperava o momento de sua luta:

    — Martim, a gente vai disputar o primeiro lugar do grupo. Não se sinta mal se não se classificar direto.

    — Você também não — riu Martim.

    — Você ainda não acredita que eu tenho chances, né?

    — Desculpa, Ricardo — Martim falou. — Sério, você tem mais chances do que eu. Eu vou me ferrar por causa da lança.

    — Era só ter treinado, eu te disse.

    — É, vamos ver né?

    Um homem se aproximou deles e disse:

    — Soldado Ricardo? Você vai lutar agora, espada longa. Entre na área de combate!

    — Sim, senhor. — Olhou para Martim. — Boa sorte para nós, caro amigo. Que vença o melhor!

    — Boa sorte. — Deu um tapa no elmo do amigo enquanto ele passava as pernas por cima da cerca.


    — Esquiva, Martim! Não deixe que ele fique muito perto!

    — Marcel, cuidado com o lado esquerdo!

    Cada um dos lutadores tinha sua torcida, que ficava gritando comandos e avisos o tempo todo. Martim aprendeu a ignorá-los, pois quase sempre só serviam para atrapalhar e prejudicar seu julgamento. Seu oponente não estava tão confiante, pois obedecia às ordens mesmo quando eram incorretas.

    O placar estava nove a três para Martim. Era a última luta do dia, e ele já tinha vencido todas as outras quatro lutas. Bastava um único ponto e ele terminaria com a pontuação máxima, mas Marcel era rápido e muito preciso em seus golpes. Sem que Martim percebesse, o oponente desferiu um rápido golpe em sua barriga, produzindo um barulho metálico quando a ponta cega da espada bateu em sua armadura.

    — Ponto Marcel! — gritou o juiz. — Nove a quatro para Martim.

    — Calma, Martim, ainda está com a vantagem.

    Ele recuou e respirou algumas vezes para se acalmar um pouco. Tentou um golpe rápido, mas foi muito afoito, e recebeu um contra-ataque no ombro.

    — Ponto Marcel! — gritou o juiz. — Nove a cinco para Martim.

    Irritado consigo mesmo, balançou a cabeça e retomou sua movimentação. Girou em círculos e tentou afastar Marcel com ameaças de golpes, mas não conseguiu. Deu um passo para trás para respirar um pouco.

    — Aproveita, Marcel, ele recuou!

    O jovem obedeceu e moveu a espada em direção ao pescoço de Martim. Mas este conseguiu desviar o corpo e contra-atacar, levando sua própria arma ao peito do oponente em um movimento de baixo para cima.

    — Ponto Martim! — gritou o juiz. — Fim da luta. Dez a cinco Martim.

    A torcida de Martim comemorou, e ele ficou feliz ao perceber que havia muito mais gente torcendo para ele do que imaginava. Enquanto isso, a torcida de Marcel xingou e vaiou. Alguns jogavam pedaços de papel no chão, bravos por terem perdido a aposta. Os lutadores se aproximaram, ofegantes. Martim abriu a frente de seu elmo e disse:

    — Excelente luta, Marcel.

    — Obrigado. Parabéns, Martim. — Estava desanimado.

    — Uma dica, novato — disse, baixinho —, esqueça o que os outros falam. Você tem bons instintos, confie mais neles.

    — Valeu!

    Comprimentaram-se com um aperto de mão, produzindo um alto som metálico, antes de saírem da área.

    — Fim do primeiro dia, e você em primeiro no grupo. — Ricardo o cumprimentou. — Parabéns, meu velho!

    — É, mas meu problema vai ser depois de amanhã, você vai ver. E você também foi bem. Está em terceiro.

    — Mas perdi de você, como sempre.

    — Você vai ter sua chance com as outras armas. Ânimo, estamos na disputa. Topa comer alguma coisa? Estou faminto.

    Enquanto se afastavam, passaram pelas placas de tecido que marcavam as pontuações até o momento. Martim sorriu ao ver seu nome em primeiro lugar do grupo, mas logo ouviu um comentário sarcástico ao lado. Era Percival, um dos melhores amigos de Silas:

    — Nem adianta comemorar, Martim. Se passar de fase, já sabe que vai ter que enfrentar homens de verdade. Tente não se machucar muito até lá. Vai ser chato matar você se estiver mais fraco do que já é.

    Sem querer provocar uma briga, Martim e Ricardo seguiram caminhando. Encontraram Carlos e Tomás logo depois. Estes também já tinham terminado suas disputas do dia e se juntaram aos amigos. Depois de passarem pela barraca e tirar as armaduras molhadas de suor, caminharam entre os vendedores, onde compraram comida e bebida. Sentaram-se no gramado, um pouco longe da música, e descansaram, comendo, bebendo e batendo papo até que a noite chegasse.

    Martim estava se sentindo bem. Sentia um bem-vindo cansaço, fruto da noite mal-dormida e dos combates ao longo do dia. Para seu alívio, quando finalmente se retirou para o dormitório, não teve problemas para dormir.

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