— Aproxime-se, meu jovem — disse Catarina, com uma enorme irritação estampada no rosto.

    Martim subiu pelas escadas improvisadas na arquibancada reservada à nobreza e se posicionou em frente à rainha. Ele se ajoelhou e abaixou a cabeça, dizendo:

    — Majestade.

    — Levante-se, campeão!

    Ele obedeceu e logo começou o discurso que tinha ensaiado:

    — Majestade, eu gostaria de…

    — Só um minuto, por favor! — ela interrompeu. — Onde está Maria? — perguntou, em voz alta, olhando para os lados.

    — Moisés foi buscá-la, Majestade — uma criada respondeu.

    — Hunf. — Ela amarrou ainda mais a cara.

    — Majestade… — continuou Martim. — É exatamente sobre isso que eu…

    — Silêncio, rapaz! — disse um cavaleiro ao lado da rainha. — Sua rainha disse para esperar.

    — Perdão, Majestade — ele disse, abaixando a cabeça.

    Maria não chegava, e a rainha parecia cada vez mais irritada. Impaciente, ela olhava constantemente para os lados, levantando as mãos de forma inquisidora. Martim olhou para trás, para o gramado da arena às suas costas. A multidão que invadiu o espaço ainda estava lá, esperando pela premiação. Em um canto, jogado no chão, reluzia o elmo que Martim tirou à força de sua oponente.

    — Ah, até que enfim! — disse Catarina.

    Maria chegou, escoltada por Moisés. Seu rosto estava meio pálido, o que destacava o tom vermelho de sua boca. Os cabelos estavam desarrumados e molhados de suor. Ela parecia calma quando se aproximou. Sem olhar para ninguém, disse:

    — Peço desculpas, Majestade. Eu estava me recuperando do combate.

    — Hunf — bufou novamente a rainha. — Não é educado deixar as pessoas esperando. Enfim, vamos lá.

    Ela pigarreou e começou a anunciar, em um tom de voz mais alto:

    — Chegamos ao final do nosso torneio. Quero começar parabenizando todos os combatentes pelo seu esforço. Todos já são vencedores, simplesmente por servirem na guarda real.

    Aplausos ecoaram após as palavras da rainha.

    — Mas tem um que se destacou entre vocês. Nosso valoroso campeão. — Abriu os braços em direção a Martim. — Seu nome é?

    — Martim, Majestade — ele respondeu.

    — Soldado Martim, parabéns pela bravura! Você mereceu o seu prêmio. Secretário Moisés, faça as honras, por favor.

    Moisés se aproximou e colocou uma pesada sacola de pano nas mãos de Martim. Ele sorriu, virou-se de frente para o gramado e ergueu-a, produzindo um delicioso tilintar de metal. A multidão comemorou fazendo muito barulho. Alguns gritos se sobressaíram:

    — Rodada de cerveja pra todo mundo, hein?

    — Não esquece dos amigos!

    — Eu sempre te considerei como um irmão, Martim!

    Algumas risadas irromperam do grupo de soldados à sua frente, mas a rainha ergueu os braços, pedindo silêncio. Ela disse:

    — Os demais finalistas receberão a sua parte daqui a pouco. Procurem o meu secretário, por favor.

    Mais algumas palmas se seguiram. A rainha continuou:

    — E como prometido, no baile de amanhã, soldado Martim, você vai ter a companhia de Maria, sua capitã.

    — Majestade, sobre isso… posso fazer um pedido? — ele disse.

    — Sim, meu rapaz, pode falar, agora.

    — Eu gostaria de, humildemente, recusar essa parte do prêmio.

    A rainha soltou um gritinho de assombro, assim como quase todos ao seu lado. Martim olhou para Maria, que o fitava com uma expressão indecifrável.

    — O que está querendo dizer, soldado?

    — É que eu acho que ela deveria ir ao baile com quem ela quisesse, Majestade. Se ela não quiser ir comigo, não deveria ser obrigada.

    A rainha o olhou seriamente por alguns instantes antes de responder com um sorriso enigmático no rosto:

    — Você tem muita coragem em ousar me desobedecer, soldado.

    Martim olhou para Maria. Podia jurar que seu rosto estava tomado pelo medo.

    — Não tenho intenção nenhuma em desobedecê-la, Majestade — disse Martim, encarando o olhar da rainha. — É só um humilde pedido. — Abaixou a cabeça por um instante, depois olhou novamente para Catarina, tentando dar o sorriso mais charmoso que conseguia. — Só quero poupar nossa amada capitã do desprazer de ter seus pés pisoteados por um soldado bruto como eu durante a dança. Sou péssimo para dançar.

    Mais uma vez, a rainha não disse nada por alguns segundos. Depois abriu um sorriso, que pareceu sincero. Ainda rindo, ela disse:

    — Ho! Ho! Ho! Está vendo, Maria? Você teve sorte. O campeão, além de lutar melhor que você, é bonito e gentil.

    — Sim, Majestade — Maria respondeu, sua expressão voltando a ser impassível.

    Ainda sorrindo, a rainha disse:

    — Minha resposta é não, campeão. Aproveite, você merece esse prêmio. Além do mais, a capitã já decepcionou a mim e a muita gente hoje. Eu vou garantir que ela não te decepcione também. Pode deixar que amanhã ela vai ser uma ótima companhia.

    Martim abaixou a cabeça e disse:

    — Como quiser, Majestade.

    — E não podemos esquecer — ela continuou, com um sorriso maldoso nos lábios —, que ela tem um pé de metal, não vai doer se você pisar nele, não é? Ho! Ho! Ho!

    Martim forçou uma risada, tentando parecer simpático. Catarina então disse, em voz alta:

    — Muito bem! Declaro encerrados os combates deste torneio! Mas ainda não acabou não, hein? Amanhã teremos o grande baile do campeão. Não deixe de participar, se tiver sido convidado, é claro. Teremos muita comida, bebida e música. Até lá e parabéns novamente a todos. Adeus.

    Catarina acenou para a multidão, se levantou e foi se afastando. Aos poucos, os seus seguidores se levantaram também e foram atrás dela. Maria não se movia, e Martim imaginou se ele conseguiria falar com ela, mas Moisés, o secretário da rainha, apareceu em sua frente:

    — Soldado, quer que eu coloque seu prêmio em um local seguro? Apenas por alguns dias, é claro. O dinheiro é seu, mas você precisa se preparar para o baile, vai ter muita gente de olho…

    Martim não conseguia prestar atenção nele. Só conseguia pensar em se aproximar de Maria, pedir permissão para falar com ela, mas não conseguiu. Assim que os nobres saíram dali, ela se virou e saiu em passos rápidos.

    — E então? — Moisés apareceu de novo à sua frente.

    — Sim, claro, pode guardar para mim, eu agradeço — respondeu e entregou a sacola ao homem.

    — Ótimo. Daqui a alguns dias, é só me procurar que eu te entrego. Pode ficar tranquilo, eu mesmo vou me certificar que…

    Martim parou de escutar de novo. Acompanhava Maria com os olhos. Ela desceu até o gramado, que ainda estava cheio de soldados. Eles abriam um corredor enquanto ela passava, parecendo ter medo de pegar alguma doença contagiosa. Ela não ligou e continuou caminhando. Mantinha as costas eretas, mas a cabeça levemente tombada e os ombros caídos denunciavam que estava exausta. Foi até o canto onde estava seu elmo. Pegou-o, colocou-o embaixo do braço e voltou a caminhar na direção oposta. Saiu da arena e finalmente entrou no castelo.

    Martim ainda estava anestesiado pelos acontecimentos recentes. Não sabia dizer que horas eram, se era de manhã ou tarde, se estava com fome ou não. Decidiu que precisava ir embora, tirar aquela armadura fedida, lavar-se e descansar um pouco. Depois pensaria no que fazer. Mas quando começou a andar, três homens bloquearam seu caminho. Tomás, Carlos e Ricardo olhavam para ele, os rostos sérios e os braços cruzados. Foi Ricardo quem falou primeiro:

    — Que… porra… é… essa, Martim?

    — Podemos conversar mais tarde? — Martim pediu, já sabendo qual seria a resposta.

    Eles começaram a falar, todos, quase ao mesmo tempo:

    — Como assim, você conhecia a capitã? De onde?

    — Você levou ela na taverna, com a gente, e nem avisou?

    — E falamos mal dela. Na frente dela! Caralho, Martim, quer foder a gente?

    — E ela dormiu mesmo na casa da sua irmã?

    — E você transou com ela?

    Martim respirou fundo e disse:

    — Tá bom, vamos andando e eu vou falando. Qual era a primeira pergunta mesmo?


    Martim terminou de molhar o corpo com a ajuda do balde e tirar todo o sabão que ainda restava, levando junto o resto da sujeira e suor que tinham se impregnado em sua pele. Enxugou-se rapidamente com um pano, sem se preocupar em tirar toda a água, e enrolou-o, ainda úmido, na cintura, antes de se dirigir ao dormitório. Seus três amigos o esperavam. Tomás estava sentado em sua cama e olhava para o chão. Carlos sentava-se em uma cadeira ao lado e roía uma das unhas. Ricardo estava em cima de uma mesa, com as pernas cruzadas e os braços apoiados nos joelhos. Olhava para Martim, pensativo.

    — E aí, moçada, já pensaram? O que eu faço agora? — Martim abriu seu baú e começou a procurar uma roupa para vestir.

    — Primeira coisa… — disse Ricardo. — O que você quer com ela? Seria… — Enquanto levantava as sobrancelhas, fazia um orifício com um dos punhos, inserindo e tirando um dedo ali várias vezes.

    — Não, não! — disse Martim, com uma cara de desgosto. — Quero dizer, a gente estava se dando bem, só isso. — Terminou de colocar suas calças e deu um nó no cordão da cintura.

    — Mas algum dia, quem sabe? — Ricardo repetiu o gesto obsceno.

    — Não sei, e não quero pensar nisso agora. — Chacoalhou a cabeça. — O que eu quero é, sei lá, fazer as pazes, poder conversar com ela normalmente. Também seria bom se ela parasse de me odiar. Eu tenho um pouco de medo de como vai ser o dia depois de amanhã, na guarda, sabem? — Tinha colocado a camisa e agora estava sentado na cama, terminando de enxugar os cabelos.

    — É, eu teria bastante medo — disse Carlos. — Você foi bem cruel com as palavras.

    — E tirou o elmo dela na frente de todo mundo — emendou Tomás. — E a gente sabe como ela fazia questão de estar sempre com o elmo.

    — Não podemos esquecer também — interrompeu Ricardo, descendo da mesa e começando a caminhar —, que você rejeitou a companhia dela para o baile. Na frente dela! — Apontou um dedo para Martim.

    — Ei, mas isso foi uma coisa boa, não foi? — disse Martim. — Eu quis mostrar que me importo com o que ela sente.

    — É — disse Carlos —, mas ela pode ter se sentido rejeitada.

    — Vocês só estão falando das partes ruins. Eu salvei a vida dela.

    — Tecnicamente, foram os curandeiros — disse Ricardo.

    — E a gente se divertiu naquele dia, na taverna. Conversamos bastante, passeamos… ela até conheceu a minha irmã.

    — Isso tudo é bom, mas o que vale mesmo é como as coisas ficaram depois. Ela parecia querer te matar, na arena. Viram como ia direto nos olhos dele? — Carlos perguntou aos demais.

    — Sim, foi sensacional — respondeu Tomás, animado. — E os contra-ataques? Martim nem conseguia ficar em pé direito sem levar bordoadas na cabeça. Só ganhou por pura sorte…

    — Acho que vocês não estão ajudando — disse Martim, colocando as mãos no rosto.

    — Tem razão, Martim — disse Tomás. — Podemos fazer melhor do que isso. Você disse que tudo começou quando ela achou que a gente tinha pedido para você falar com ela, para ela falar com a rainha e facilitar nosso caminho até o dinheiro, né?

    — É, eu acho que sim — disse Martim.

    — E se a gente conversasse com ela e explicasse que não pedimos nada?

    — Pode ser — disse Ricardo —, mas aí ela vai saber que o Martim conversou com a gente e pode achar que estamos mentindo só para limpar a barra dele.

    — É verdade — disse Martim. — Precisamos de algo mais garantido.

    Os quatro ficaram em silêncio por um tempo, até que Carlos deu uma ideia:

    — E se você declamasse uma poesia? Mulher gosta disso, não gosta? Ricardo pode ajudar, não pode Ricardo?

    — Isso é bom — disse Ricardo —, mas não quando a mulher está brava desse jeito. Além do mais, estamos falando da capitã, aqui. A cortadora de gargantas, campeã de arroto…

    — Vice-campeã — corrigiu Martim.

    — Que seja. Ela não me parece ser o tipo de garota que esquece uma mágoa somente por causa de umas palavras bonitas.

    Mais um silêncio se fez. Quem teve a próxima ideia foi Tomás:

    — Já sei. Desafie-a para um duelo e deixe que ela ganhe dessa vez.

    Ricardo suspirou e lançou a Tomás um olhar de reprovação, sem dizer nada. Virou-se para Martim e disse:

    — Martim, esqueça esses idiotas e me ouça. Você não vai gostar do meu conselho, e é por isso que ele é o conselho certo. Vista sua roupa menos horrorosa, uma que esteja limpa, é óbvio. Tente arrumar esses cabelos, passe algum perfume decente e vá ao baile. Vocês vão ficar juntos a noite toda, então ela vai ter que te ouvir. Fale a verdade. Seja educado, é claro, mas seja firme e abra seu coração.

    — Hum… — Martim concordava com a cabeça.

    — E se ela não quiser te ouvir, foda-se, não há mais o que fazer.

    — Acho que tem razão, Ricardo — disse Martim.

    — E seja rápido. — O amigo apontou o dedo para seu rosto. — Assim você fica livre logo para aproveitar sua fama de campeão. Vai estar cheio de mulheres te querendo lá, cachorrão. Não vai ser bobo de ficar a noite toda choramingando por causa da capitã, hein? Vai ser sua chance de bater o meu recorde.

    — Seu recorde de mais putas em uma noite? — brincou Tomás.

    — Mulheres, Tomás. Não sei por que insiste em chamá-las assim.

    — Porque quando você paga para elas se deitarem com você, não conta como recorde.

    — Bobagem. Eu adoro mulheres, não interessa sua profissão. E aí Martim? O que acha?

    — Vou tentar — disse Martim. — Tirando a segunda parte, é claro.

    — Martim, Martim, sempre certinho — brincou Ricardo. — Quero só ver amanhã, quando a mulherada estiver se estapeando para conseguir um pedaço seu, se vai conseguir resistir.

    Martim riu, um pouco mais aliviado. Disse: 

    — Bom, obrigado. Agora, se me derem licença, vou desmaiar aqui um pouco e sonhar com as coisas que vou poder comprar com a minha grana.

    — Não esqueça dos amigos hein? — disse Carlos.

    Eles riram e se despediram, deixando Martim mais uma vez sozinho para enfim fazer seu merecido repouso.

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