Capítulo 22 - A Atração Principal
O castelo estava irreconhecível.
Normalmente, era um lugar frio, cinza e funcional. Os espaços eram livres, permitindo a circulação de pessoas e de mercadorias, mas naquele dia foi modificado e decorado com muita dedicação. Tudo organizado e supervisionado pela rainha.
O fim de tarde estava gelado, mas a grande quantidade de lareiras e tochas acesas, além de lamparinas penduradas por todo lugar, deixavam o ambiente quente e aconchegante, pelo menos nas áreas internas. A área preparada para o baile não se restringia aos salões e saguões protegidos pelas paredes de pedra. Desde o portão que abria as muralhas aos visitantes externos até os jardins e pátios internos, viam-se panos e bandeiras coloridas penduradas, formando uma decoração alegre e festiva. Um enorme tapete vermelho foi estendido do gramado em frente aos portões até o saguão principal, para que as pessoas pudessem entrar sem atolar seus delicados sapatos de festa na lama perene que existia ali. De ambos os lados do tapete, uma grande quantidade de tochas guiava os visitantes pelo caminho e certamente transformaria a noite escura que se aproximava em um local bastante iluminado.
A festa se estendia também do lado de fora das muralhas. As mesmas barracas e vendedores que serviram à população durante o torneio continuavam estabelecidos ali, para que aqueles que não estivessem autorizados a entrar pudessem ao menos sentir o clima, ouvir a música e se divertir um pouco. Já havia muitas pessoas passeando, comendo, bebendo e dançando ao som dos diversos músicos que lutavam para encontrar um lugar para se apresentar.
Martim estava no saguão principal, admirando a bela decoração. Além dos panos e bandeiras coloridas nas paredes e da iluminação especial, havia muitas mesas cobertas por toalhas de linho branco. Em cada mesa, velas e castiçais dourados iluminavam uma quantidade infinita de comida e de bebida. Havia alimentos de todo tipo, como carnes assadas, cozidos, grãos, pães, queijos e frutas. As bebidas também agradariam a todos os paladares. A maior parte eram vinhos de diferentes tipos, mas havia também licores, cerveja, aguardente, além de água e sucos, para acalmar os fígados dos beberrões mais exagerados. Naquele momento, os serviçais protegiam a comida, proibindo as muitas pessoas que já se aglomeravam no local de roubarem petiscos antes que a rainha inaugurasse oficialmente a festa.
Martim resolveu caminhar um pouco. Estava muito ansioso. Tinha vestido uma camisa verde, que ele achava ser a sua roupa mais bonita, ou pelo menos era o que Clara lhe dizia. Tinha mangas longas, uma grande gola em formato triangular, e era adornada por detalhes dourados nas costuras. Suas calças eram marrons, simples. Não tinha nenhuma que parecesse mais refinada, então acabou escolhendo a mais limpa e que estivesse inteira. Seus sapatos, pelo menos, eram novos. Conseguiu limpar as botas sujas de esterco, então conseguiu conservar o novo par para uma ocasião especial, o que finalmente aconteceu.
Ainda tentando seguir os conselhos de Ricardo, passou um tempo enorme ajeitando seus cabelos de uma forma mais civilizada. Tentou deixá-los molhados, mas achou que ficou muito esquisito. Experimentou prendê-los com uma faixa, depois uma tiara, mas eles não eram compridos o suficiente. Acabou apenas penteando-os um pouco e usando-os como normalmente fazia, com a franja a cobrir sua testa e um pouco dos olhos.
Já o perfume foi bem mais difícil. Ele não tinha nenhum e teve que pedir aos seus colegas soldados. A maioria também não tinha, mas conseguiu pegar emprestada uma essência da qual gostou bastante. Não sabia se seria agradável a outros narizes, mas já era muito mais do que estava acostumado a cheirar o tempo todo, então deu-se por satisfeito.
Perambulou sozinho pelo castelo, com as mãos para trás, ainda se acostumando com a atmosfera festiva. A rainha sabia dar uma festa, isso ele tinha que admitir. O ambiente principal parecia ser o saguão de entrada. Era a maior área, ligada a quase todos os outros ambientes, o que incluía a área externa. Foi o local escolhido para a montagem de um palco de madeira. Era um tablado largo, com cerca de um metro de altura, sobre o qual alguns músicos começavam a montar seus instrumentos. Em frente ao palco não havia nenhuma mesa, tocha ou adereço, sendo reservada às danças e apresentações dos artistas. Era ali que ele, Martim, o campeão, deveria conduzir Maria, o seu prêmio, pela maior parte da noite. O pensamento lhe pesou no estômago.
Do outro lado do saguão havia uma mesa comprida, com cadeiras posicionadas em apenas um dos lados, de modo que seus ocupantes tivessem uma visão ampla da festa à sua frente. Havia pratos, copos e talheres para cerca de vinte pessoas. No centro da mesa, uma cadeira enorme se destacava. Era o assento da rainha. Em algum lugar dessa mesa havia um espaço reservado para o campeão e sua acompanhante, mas Martim não sabia qual era.
As pessoas que já estavam ali perambulavam pelo local, conversando animadas, carregando copos e canecas nas mãos. A maioria eram soldados, e era estranho vê-los sem suas vestimentas de guerra. Quase todos estavam acompanhados de familiares, amigos, namoradas ou esposas. Martim reconheceu vários rostos e acenava constantemente em resposta aos cumprimentos que recebia. Recebeu sorrisos e apertos de mão até mesmo de colegas que sempre tinham sido hostis com ele, e isso lhe trouxe uma enorme felicidade.
— Boa noite, Martim.
— Parabéns, Martim.
— Aê, campeão, boa noite.
— Grande, Martim, campeão!
Para sua grande surpresa, foi abordado até mesmo por Silas. O colega estava menos carrancudo do que de costume. Ele se aproximou e estendeu a mão, sem dizer nada. Martim a apertou com força. Silas acenou com a cabeça e disse:
— Não fique muito confiante. Você quase perdeu.
— É, tem razão. Quase, não é? — retrucou Martim.
Silas sorriu, mostrando sua boca desdentada. Ele parecia embriagado. Estendeu o braço, deu um forte tapa no ombro de Martim e acenou com a cabeça novamente. Ele disse:
— Ora, que se dane! Você mereceu, vou pegar leve com você hoje. — Aproximou-se mais um pouco, e Martim teve certeza de que tinha bebido muito. — Estou mais a fim é de aproveitar a mulherada. Não é sempre que elas podem tirar um pedacinho de um vice-campeão.
Ele levantou a mão mais uma vez e apertou a de Martim, antes de dar uma piscadela e se afastar cambaleando. Martim sorriu, satisfeito com aquela estranha interação. Vinda de Silas, foi a maior demonstração de respeito que poderia esperar.
Havia também muitos nobres, homens e mulheres. Normalmente, eles não se misturavam com ninguém, mas naquela noite pareciam estar em um estado de espírito diferente. Muitos se aproximavam dos soldados, apertavam suas mãos, apresentavam-se e conversavam simpaticamente. Era estranho, pois suas roupas muito mais refinadas destacavam a enorme diferença entre seus níveis sociais. Os homens usavam tecidos mais brilhantes, finos e justos. As mulheres usavam vestidos enormes com saias bufantes, e seus seios quase pulavam para fora do decote, tamanho era o aperto na cintura e barriga causado pelas cintas amarradas por baixo do tecido. Normalmente, as cores usadas pelos nobres eram mais vivas, azuis, vermelhas, amarelas, brancas ou prateadas, e combinavam entre as diferentes peças. Em contraste, as roupas dos soldados e seus acompanhantes eram quase sempre tons de marrom, verde ou cáqui. Os nobres também usavam cabelos e maquiagem finamente desenhados e ajustados, em contraste com as caras lavadas e cabelos escorridos dos demais. Martim viu uma mulher cujo cabelo tinha a altura de uma cabeça inteira, o que achou muito esquisito. Naquela noite, todos esses tipos diferentes se misturavam por todo lado, estimulados pelo ambiente festivo, além, é claro, da bebida em abundância.
Martim era alvo constante dessa estranha interação. Muitas pessoas — em sua maioria mulheres — aproximavam-se dele o tempo todo, com os rostos sorridentes. Apresentavam-se, dizendo longos nomes, compostos por títulos e lugares, e apertavam sua mão, cumprimentando-o pela vitória.
Os homens eram mais comportados, reservando-se a um aperto de mão fraco ou um aceno de cabeça. Já as mulheres nobres não tinham tanta cerimônia. Algumas até eram relativamente tímidas, e apenas esticavam suas mãos — quase sempre vestindo luvas longas e macias — esperando que Martim as beijasse, o que quase sempre resultava em um risinho agudo e bochechas rosadas. Outras não tinham a menor vergonha. Elas chegavam logo colocando as mãos nos seus ombros, braços e peito, acariciando-o enquanto exclamavam:
— Oh, que ombros fortes!
— Eu nunca coloquei a mão em um soldado. Posso?
— Como você faz para ter esses músculos?
Muitas tinham o mesmo tique recorrente. Ao conversar com Martim, prendiam um pouco a respiração e apertavam os braços junto ao corpo, espremendo seus seios ainda mais do que o normal e fazendo-os apontarem para ele. Martim tinha que se concentrar para olhar somente para seus rostos maquiados, mas algumas vezes não conseguia e deixava o olhar perambular para baixo. A moça invariavelmente parecia orgulhosa por ter conseguido algum feito espetacular, e ria espalhafatosamente ou dava um tapinha de leve em seu ombro, repreendendo-o falsamente mas demonstrando que era exatamente esse seu intuito.
A festa ainda nem tinha começado e Martim já estava cansado de ter que aturar todo aquele assédio.
Mas havia a parte boa. Se os nobres pareciam falsos e exagerados, havia também as pessoas comuns. Seus colegas soldados, assim como seus amigos e familiares, eram bem mais agradáveis. Para cada encontro com um nobre, ele se recuperava conversando com um amigo. Para cada nome pomposo e sorriso amarelo, ele cumprimentava um João ou Paulo, e se deliciava com uma piada idiota e uma risada genuína. E para cada mulher empetecada com os seios quase de fora e seus toques descabidos, havia outras, mais simples, com vestidos retos porém mais comportados, um aperto de mão singelo e um sorriso muito mais sincero e cativante. Se fosse seguir os conselhos de Ricardo e tirar proveito de sua fama de campeão, seria esse o tipo de mulher com quem se envolveria. E pelo jeito como elas olhavam para ele, não seria uma tarefa nada difícil quebrar o tal recorde do amigo.
Ricardo, Tomás e Carlos já estavam ali também, junto com Teresa e Romena, que estavam particularmente bonitas naquela noite. Martim os cumprimentou com um abraço, e foi recebido com uma gritaria exagerada e muitos sorrisos, o que indicava que já estavam bêbados há algum tempo. Martim sentiu inveja deles, por não terem que cumprir um protocolo idiota e sentar-se ao lado da rainha, nem ser obrigado a dançar com Maria.
Mais uma vez o pensamento lhe afetou e uma leve tontura lhe acometeu. Em breve teria que enfrentá-la.
Como ela está? Triste? Brava? Indiferente? Ou bêbada? Talvez tenha resolvido beber e esteja mais alegre, como naquela noite na taverna. Isso pode ser bom! Mas pode ser que a bebida a deixe com os nervos à flor da pele, e ela fique ainda mais feroz do que no dia anterior. Que tipo de loucura ela é capaz de cometer se estiver com seu juízo normal comprometido pela bebida?
Uma visão o tirou desses pensamentos. Era André, que apareceu com um largo sorriso no rosto e os braços abertos. Usava uma bonita túnica branca e calças pretas. Um enorme brinco de argola pendia de uma orelha, dando-lhe um aspecto diferente do usual. Martim não sabia exatamente o motivo, mas André parecia um nobre e um guerreiro ao mesmo tempo. Trazia uma caneca em sua mão e derrubou um pouco do vinho branco ao abraçá-lo:
— Martim, Martim! Parabéns, meu caro. Você foi excelente no torneio. Realmente excelente.
— Obrigado, André. Eu estava realmente confiante. Foi tudo graças a você.
— Imagina, você é o talentoso aqui, só dei umas dicas básicas.
— Eu fui bem… até o duelo final.
— É — André coçou a cabeça —, aquilo ali que fizemos com a Maria não foi muito legal.
— Você conversou com ela? Depois de ontem?
— Não, não, não, não, não… — ele respondeu, negando com a cabeça. — Nem pensar! Do jeito que ela ficou brava? Ela iria quebrar meu nariz só de eu chegar perto.
— É, acho que exageramos.
— Não se preocupe, Martim. Se tem uma coisa que eu aprendi após os muitos anos de convivência com Maria é que ela não guarda rancor.
Martim duvidava muito que isso fosse verdade, mas assentiu com a cabeça.
— É só dar um tempo a ela. Deixe o calor do momento passar. A gente faz as pazes daqui a alguns dias, você vai ver. Eu já tive uns arranca-rabos muito piores, e sempre achamos nosso caminho de volta à amizade.
— Tenho certeza que vocês vão se acertar — disse Martim, com um sorriso triste.
— Você também. Você também, calma. Só fique longe dela por uns dias, e pronto. Ela é um doce.
Mais uma vez Martim achou que André se referia a uma pessoa completamente diferente, mas assentiu. Ainda sem graça, ele disse:
— Só que eu não tenho uns dias. Esqueceu que a rainha nos obrigou a ficar juntos hoje à noite? Dançando, e tudo o mais?
André ficou olhando para ele com o olhar meio perdido. Ele também estava um pouco bêbado, assim como todo mundo. Martim continuou:
— Enfim, como vamos ser obrigados a passar a noite juntos, eu achei que seria uma boa oportunidade para conversar, tentar acertar as coisas…
André irrompeu em uma gargalhada. Ria tanto que chegou a se curvar, colocando as mãos na barriga. Martim esperou impaciente enquanto o treinador terminava sua cena, mas esta não parecia ter fim. Ele disse:
— Acha isso engraçado?
Com lágrimas nos olhos, André disse:
— Oh, sim, é muito engraçado. Para você, não, mas para mim, é. — Continuou a rir animadamente.
— O que tem de engraçado?
— Essa situação toda. Um dia você vai rir, também. Rapaz, ouça meu conselho… — Ele começou a limpar as lágrimas dos olhos. — Se bem a conheço, ela não vai querer fazer uma cena, então seja educado, faça o que tem que fazer, dance… Ah! Ah! Ah! Ah! Dance… dance com ela. Mas em hipótese alguma… em hipótese alguma — repetiu — tente conversar com ela.
— Como é que eu vou ficar a noite toda sem conversar?
— Atenha-se ao básico. Boa noite. Me passe o sal. Por favor. Com licença. Até logo e tchau.
— Sério?
— É o que eu faria — ele respondeu, erguendo o queixo. — Aliás, é o que eu estou fazendo neste exato momento.
— Eu não acredito. Ela é tão maluca assim?
André ficou sério. Ele se aproximou, com seu hálito cheirando a vinho, e disse:
— Ela é um doce de pessoa, de verdade, e é normalmente muito calma e temperada. Quando fica nervosa, ela parece um pouco descontrolada mesmo, mas é só o jeito de se expressar. Às vezes acontece quando está naqueles dias, sabe? Mas desta vez, ela está passando por um momento de muito estresse. Você nem imagina o quanto.
— Imagino.
— Não, Martim, não imagina, não. Ela está sob muita pressão. Deixe-a respirar, respeite seu tempo e tudo vai dar certo. Confie em mim.
Ele deu um tapa no ombro de Martim e começou a se afastar, balançando um pouco o corpo de um lado para outro ao som da música que começava a tocar ao fundo.
Se antes achava que conversar com André seria útil de algum jeito, agora estava completamente perdido. Ricardo aconselhou-o a fazer exatamente o oposto, e Martim achava que ele tinha razão. Mas André conhecia Maria há muito mais tempo, e devia saber do que estava falando.
A música tinha começado e Martim resolveu voltar ao saguão principal. Imaginou que poderia se distrair um pouco e tentar diminuir a ansiedade. O castelo estava muito mais cheio de gente agora, e Martim fingiu estar com pressa para conseguir fugir de mais pessoas que insistiam em lhe apertar a mão. Caminhando rápido, ele chegou até o saguão e deu de cara com Moisés.
— Oh, Martim, que bom que o encontrei. Está faltando só você, a rainha já vai entrar, venha!
Martim assentiu com a cabeça e seguiu o secretário. Com o coração acelerado, olhou para a grande mesa ao lado da área central do saguão e viu que havia várias pessoas em pé atrás dela. Havia apenas dois lugares vazios. A enorme cadeira da rainha e um assento no final, ao lado de Maria, que também esperava, em pé.
Moisés o guiou em meio às pessoas e o levou até seu local designado.
— Não vá se sentar antes da rainha — ele disse. — Espere até que ela se sente, depois você faz o mesmo, entendeu?
Martim assentiu com a cabeça. Seu coração saltava e batia descompassadamente. Olhou para o lado direito, onde muitos nobres esperavam, conversando animadamente entre si. Não viu nenhum sinal de Catarina. Tomando coragem, olhou para a esquerda e viu a figura deslumbrante de Maria, e todo seu medo e ansiedade se dissiparam momentaneamente.
A primeira coisa que sentiu foi seu perfume. Era o familiar cheiro adocicado que ela sempre usava, e que ele já tinha memorizado. Ela usava um vestido amarelo-claro, coberto de detalhes dourados. A saia se parecia com a de todas as mulheres nobres que tinha encontrado até então. Era enorme, bufante, e ocupava um espaço onde caberiam no mínimo cinco ou seis pessoas. Mas diferente das demais, a parte de cima do vestido era bem mais comportada. Ao invés de expor completamente seus ombros, colo e metade dos seios, cobria quase tudo, exceto pela área do decote, que era generoso, porém discreto. Também não aparentava usar cinta ou qualquer tipo suporte por baixo do tecido, pois sua cintura fina e as curvas de seu corpo transpareciam de maneira natural. Um colar, que certamente valia mais do que todas as riquezas que Martim conseguiria juntar em toda a sua vida, pendia de seu pescoço. O metal dourado e uma enorme pedra negra atraíam os olhos para o espaço entre seus seios, que eram pequenos, mas se destacavam em sua silhueta esguia. A pele clara tinha um suave bronzeado, complementando a cor do vestido e conferindo-lhe uma aura brilhante. Um par de luvas brancas cobria as mãos, cruzadas sobre a enorme saia.
Seu rosto estava mais belo do que nunca. Também parecia diferente da maioria das mulheres nobres, pois a maquiagem não era exagerada. Uma discreta sombra escura destacava o marrom-claro de seus olhos, e uma tintura aumentava sua boca, fazendo-a parecer mais carnuda e atraente do que jamais tinha visto. As bochechas eram levemente rosadas, e o restante de sua pele acompanhava o mesmo tom que os braços e colo. Era um aspecto bem mais bonito do que as caras esbranquiçadas pelo exagero de pó branco que a maioria das mulheres nobres usava naquela noite.
Seus cabelos estavam presos em cima da cabeça em um coque, seguro por presilhas douradas. Uma tiara também dourada brilhava ao redor das mechas escuras, dando-lhe um ar de nobreza. Um par de brincos compridos, que seguiam o mesmo estilo do colar, completava os adornos faciais, chacoalhando à medida que ela girava o rosto de um lado para o outro.
Martim deve ter ficado um tempo muito longo olhando para Maria, pois ela disse, com uma voz seca:
— Pare de me olhar assim!
— P-perdão, é que você está muito bonita hoje.
— Estou ridícula. — Ela não olhava para ele enquanto falava. — A rainha mandou suas criadas me vestirem do jeito que ELA gosta.
Seu rosto estava calmo. A boca não exibia qualquer expressão, fosse de alegria, ódio ou tristeza, e os olhos calmos saltavam de pessoa para pessoa à sua frente, sem encontrar nenhum destino em particular. Martim lembrou-se das palavras de André: “ela não vai querer fazer uma cena”. Decidiu usar toda sua força de vontade para olhar para o outro lado e esperar a rainha chegar.
A espera não foi longa. A música pausou e foi substituída pelo som de trombetas estridentes. Em pouco tempo apareceu a figura elegante de Catarina. Ela usava um vestido azul cintilante, que flutuava enquanto caminhava entre as pessoas. Acenando e sorrindo alegremente para todos os lados, ela atravessou a área central do saguão e deu a volta em torno da grande mesa onde Martim estava. Aproximou-se de sua cadeira, que foi puxada por um criado, e sentou-se. Imediatamente os outros ocupantes da mesa, inclusive Martim, a imitaram.
A rainha começou a conversar animadamente com as pessoas ao seu lado. Para alívio de Martim, não haveria discursos ou formalidades. Não demorou até que uma quantidade enorme de comida e bebida começasse a se materializar em sua frente. Criados abasteciam a mesa, que por sua vez era imediatamente atacada, sem cerimônia, pelos nobres ali sentados. Martim imaginou que haveria um serviço mais fino, ou algum tipo de protocolo a ser seguido, mas pelo jeito Catarina gostava de uma festa mais casual, e ele ficou grato por isso.
Enquanto pegava um pedaço de coxa de peru e colocava em seu prato, Martim olhou para Maria e viu que ela enchia sua taça com vinho branco. Ele decidiu também beber o mesmo. Esperou que ela terminasse e pediu a garrafa. Ela a empurrou em sua direção, educadamente, mas sem dizer palavra alguma. Em seguida, ela encostou-se na cadeira, cruzou as pernas e ficou bebericando enquanto olhava o movimento no saguão.
Apesar da abundância e do delicioso sabor da comida e da bebida, aquela era a pior refeição que Martim fazia em sua vida. Do seu lado direito, havia somente nobres, que tinham olhos apenas para a rainha. Nenhum deles sequer se preocupou em se apresentar aos dois ocupantes no final da mesa. Do seu lado esquerdo, estava Maria. Uma beleza estonteante, mas muda, fria e completamente distante.
Olhar para a frente não tornava as coisas melhores. Os demais convidados pareciam estar se divertindo muito. As conversas eram altas e todos comiam, bebiam e davam risada, soltos, livres, felizes. Martim sentiu novamente uma inveja enorme e desejou sair de sua mesa e ir se juntar aos seus amigos, que ele tinha localizado do outro lado do saguão, perto do palco onde a música era produzida. Eles dançavam em grupo. Romena e Teresa balançavam-se mais educadamente, e os homens, espalhafatosos, caíam uns sobre os outros, bêbados.
Depois de um certo tempo, um criado apareceu atrás da mesa e sussurrou no ouvido da rainha. Ela ouviu-o atentamente, e imediatamente bateu palmas, chamando a atenção de todos. Disse:
— Boa noite, queridos convidados. Como sabem, hoje não tem nenhuma formalidade. Comam e bebam à vontade, enquanto podem. É só isso. Ah, e dancem. Dancem até não poder mais! Músicos, caprichem na valsa!
Imediatamente, a música mudou. Um ritmo compassado de três tempos começou a ecoar pelas paredes. As pessoas imediatamente saíram da área central do saguão, abrindo espaço para quem quisesse dançar.
Martim olhou enquanto vários casais começaram a girar ao ritmo da música. Levou um susto quando uma voz ao seu lado disse:
— Aham. — Era o criado que tinha acabado de falar com Catarina. — A rainha me pediu para lembrar que vocês precisam dançar. Vocês são a atração principal da noite.
Martim olhou para Maria, que mais uma vez não exibia expressão alguma. Ela apenas colocou sua taça na mesa, levantou-se e começou a andar em direção à pista de dança. Martim tratou de mastigar e terminar de engolir o pedaço de linguiça que estava em sua boca, beber um último gole de vinho, limpar as mãos e a boca o melhor que pôde no guardanapo à sua frente, e saiu correndo atrás dela.
Ela esperava de frente para a pista, com os braços cruzados em frente ao corpo. Martim apareceu ao seu lado e ofereceu-lhe sua mão. Sem olhar para ele, ela pegou na mão de Martim e se deixou levar até um pedaço vazio da pista.
Viraram-se para encarar um ao outro. Martim respirou fundo. Ela olhava em sua direção, mas não o olhava nos olhos e sim seu pescoço. Ele passou a mão direita por trás da cintura dela, sentindo a sua pele macia por baixo do tecido fino. Uma pequena onda de calor viajou da ponta dos seus dedos até o seu braço, acelerando ainda mais seu coração já nervoso. Ela fez um movimento parecido. Colocou sua mão esquerda na parte lateral do ombro direito de Martim, provocando arrepios em seu corpo. Ele segurou levemente a mão dela com a sua mão esquerda, e agradeceu por ela estar usando luvas, pois estava com suas mãos um pouco úmidas de suor. Contando mentalmente o compasso musical, ele esperou a hora certa para começar a conduzi-la. Com um leve puxão e um movimento lateral, ele começou a dança, e ela o seguiu.
Eles giravam ao ritmo da valsa. Martim estava inebriado pelo balançar de seus brincos, pela sua boca brilhante, pelo seu doce perfume. Mas ele queria seu sorriso, ou pelo menos, que olhasse para ele. Ignorando o conselho de André, ele disse:
— Maria…
Ela levantou o rosto e olhou para ele.
Finalmente! Isso, por favor, fique olhando para mim.
Ele continuou:
— Eu queria… Ai!
Sentiu uma enorme dor no pé esquerdo. Ela disse, fingindo uma expressão de pena:
— Oh, me desculpe, eu sou tão desastrada, com esse meu pé metálico.
Isso explicou a enorme dor que sentia. Teria sorte se não tivesse quebrado nenhum dedo. Ele protestou:
— Calma, eu só queria… Aaaaaai!
— Me desculpe, pisei em você de novo, sem querer. Acho que eu preciso me concentrar bastante para não errar, é melhor a gente não conversar.
Martim não disse mais nada dali em diante. Xingando mentalmente Maria e todos os seus ascendentes, ele concentrou-se em fazer os passos certos e escapar dos pisões dela até que a dança terminasse.
A música enfim fez uma pausa, dando a deixa para que Maria se desvencilhasse dos braços de Martim e voltasse à sua cadeira e ao seu vinho. Martim a seguiu, mancando, e sentou-se ao lado dela novamente.
No final das contas, era André quem tinha razão, e Ricardo estava errado. Martim tentaria ficar o mais longe possível de Maria pelo resto da noite.
O problema é que a noite estava apenas começando.
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