Capítulo 35 – Seu Cabelo Amanheceu Ruim Hoje?
Estava escuro.
Em meio às fracas luzes das tochas que iluminavam algumas partes dos corredores, Martim caminhava sem fazer nenhum barulho. Por sorte, chovia forte, e o barulho de seus passos quase não podia ser ouvido. Estava frio, mas mesmo assim ele suava.
Não posso ser visto.
Aos poucos, foi se aproximando de seu destino. Apenas duas portas mais e ele estaria lá dentro, mas ainda teria trabalho para encontrar o que procurava. A informação não era precisa e tampouco era confiável, mas era a sua melhor chance.
A ideia surgiu na noite da condecoração, quando teve a certeza de que Maria nunca conseguiria deixar de ser tratada como um objeto nas mãos da rainha.
Dois dias antes, Martim procurou Belchior. Não gostava do colega, pois era um homem rabugento e que sempre falava mal de tudo e de todos. Além disso, era um amigo próximo de Bento.
— Ei, Belchior, boa noite.
— Martim. — Ele acenou com a cabeça, seu rosto permanecendo fechado.
— Posso me sentar?
— Por que não?
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Martim olhou para os lados, antes de sorrir e tomar seu lugar à frente do colega. Belchior era loiro e tinha cabelos lisos, como os de Martim, mas o tom era muito mais claro, e a cor se aproximava do cinza. Seus olhos eram castanhos e astutos, e a boca era circundada por linhas de expressão bastante fundas que a separavam de suas bochechas. Ele era um pouco gordo, mas era forte e ágil.
— Tudo bem, Belchior?
— O que você está querendo, Martim?
— Eu só queria conversar um pouco com você.
— Sobre o que?
Martim olhou para os lados e disse baixinho:
— É sobre o Bento.
— Não tenho nada para falar sobre isso. — Belchior levantou-se rapidamente.
Martim levantou-se e o segurou pelo ombro:
— Calma, é coisa rápida.
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Belchior olhou para os lados também e sussurrou:
— Aqui, não. Encontre-me daqui a uma hora na muralha norte.
Martim assentiu com a cabeça e soltou os ombros do colega.
Quase lá.
A chuva estava piorando, e Martim começava a sentir pingos entrando pelas janelas do corredor. Estava em uma área subterrânea, mas as janelas eram ligadas ao pátio interno. Devia estar chovendo muito para que a água conseguisse chegar até ali.
Chegou finalmente à segunda porta. Pegou um pedaço de arame retorcido de seu bolso e o enfiou na fechadura, fixando-o de maneira alinhada com o eixo principal. Pegou outro pedaço, esse mais reto, e enfiou ao lado do primeiro. Começou a fazer força e para um dos lados enquanto empurrava um dos pedaços para a frente e para trás. Não tinha muita prática com isso, e a aula rápida que Belchior lhe deu não parecia ser suficiente para conseguir.
Vamos! Abra, vamos!
Depois de algumas tentativas, ouviu um clique alto. A chuva ainda fazia barulho, mas mesmo assim ficou com medo de que alguém tivesse ouvido. Não apareceu ninguém. Estava sozinho.
Martim estava no topo da muralha, sozinho com Belchior. A escolha do local para trocar segredos parecia perfeita. Ventava muito e não havia ninguém por perto. Era impossível serem ouvidos.
— Não vai ter ninguém lá embaixo nesse horário. Você tem que tomar cuidado nos corredores, no entanto.
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— E o que eu vou procurar lá dentro?
— Eu não sei exatamente… Eu mesmo acho que entrei lá uma ou duas vezes. O que você viu quando esteve no depósito Leste?
— Tem caixas com produtos de tudo quanto é tipo. A maioria são acessórios e ferragens, mas tem peças de roupas, ferramentas, tecidos, madeira, vidros, garrafas… não sei bem como resumir.
— Mas tem algum livro, algum registro?
— Tem. Mas pelo que eu me lembro, é só uma lista das coisas que foram entregues ou que já passaram pelo depósito.
Belchior levantou as sobrancelhas e disse:
— É isso, é nossa melhor chance! Você tem que pegar esse livro.
Martim empurrou a porta com cuidado. A escuridão agora era total. Ele precisaria acender uma luz para conseguir enxergar, mas esperaria até que estivesse do lado de dentro.
Tateando, esgueirou-se para dentro do depósito e sentiu imediatamente o cheiro de mofo e de poeira penetrando em seu nariz. Lembrou-se de quando ele e seus amigos tiveram que passar a tarde ali, trabalhando, e de como a sensação desagradável permaneceu por horas, mesmo depois de estarem ao ar livre. Segurando a vontade de espirrar, fechou a porta atrás de si.
Em sua mão esquerda, carregava uma lamparina. Acendeu-a com a pequena pedra que estava pendurada em sua cintura, e o cheiro do óleo queimando substituiu brevemente o odor do ambiente. A luz rapidamente iluminou o local.
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Certo. Onde estão os registros, mesmo?
— Imagino que deve ter vários livros, não é? — perguntou Belchior.
— Sim, eu acho que tinha vários.
— Eles devem estar separados por datas. Tente achar um que seja da época que o rei morreu.
— Certo.
— Se o que dizem é verdade, e eu acho que é, vai ter alguma coisa lá para a gente poder incriminar a rainha.
— Mas e daí? O que a gente faz?
— Não sei. Primeiro a gente precisa achar alguma evidência. Principalmente registro sobre uma entrega de veneno, sonífero, alguma coisa assim. Se tiver algo parecido com isso, já vai ser bastante difícil para a rainha se explicar. E com as outras testemunhas que temos, deve ser o suficiente para reagrupar os conspiracionistas.
— Reagrupar?
— É, depois que a capitã fez aquilo que fez, ninguém mais teve coragem de tentar coisa alguma. Mas se tivermos alguma prova, alguma coisa concreta, poderemos reacender a chama.
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Martim estremeceu. Não queria que Maria entrasse em apuros. Queria apenas que ela ficasse livre da influência da rainha.
— Belchior, sobre a capitã, ela não tem culpa, ela…
— Martim — ele o interrompeu —, quando a rainha cair, ela vai ter que escolher de que lado vai ficar, simples assim.
Simples? Não há nada de simples nisso.
Martim suspirou e começou a caminhar pelo depósito escuro. Levantou sua luz acima da cabeça para conseguir enxergar. Seus olhos enfim encontraram o que estava procurando. Uma prateleira cheia de livros estava presa na parede. Havia pelo menos uma centena deles. Martim imediatamente apoiou sua lamparina em um local vazio e começou a folhear.
Ele se lembrava de ter usado aqueles livros para ajudar na organização do depósito, com seus amigos, por ocasião do castigo que receberam, mas não tinha olhado além dos registros mais recentes. Agora, procurava por coisas de mais de um ano atrás, quando o rei Gregório faleceu.
Por sorte, as prateleiras estavam organizadas. Correndo os dedos pelos livros, ele pegava alguns exemplares aleatoriamente para verificar a data. Foi se aproximando do período certo. Não tinha uma data muito específica, então selecionou dez volumes e começou a olhar um por um.
— Acham que é arriscado?
— É, muito arriscado — disse Carlos.
— Eu acho uma burrice enorme. — Era Tomás.
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— Pode funcionar — disse Ricardo. — Mas você tem certeza que quer correr esse risco?
— Tenho.
Martim e seus amigos corriam ao redor do castelo. A hora do treino era um momento bom para conversar, pois ficavam completamente isolados por grandes trechos. Quando se aproximavam de outros colegas, eles mudavam de assunto rapidamente.
— Pensa bem. Lembre-se do que a rainha fez com os últimos que tentaram — alertou Ricardo.
— Mas eu não vou fazer nada. Só vou entregar o que eu achar para o Belchior, e ele vai levar para os amigos dele fora do castelo.
— Mas eles vão querer saber de onde veio essa informação — disse Tomás. — Se Belchior abrir a boca, vão chegar até você.
— Martim, me desculpa, mas eu não quero mais ouvir. — Carlos começou a acelerar e se afastou dos outros.
— Eu também — disse Tomás. — Desiste, cara, é muito perigoso.
Martim ficou olhando enquanto os dois amigos se afastavam. Ele esperou Ricardo fazer o mesmo, mas surpreendeu-se quando o amigo falou:
— Eu vou te ajudar, Martim. Só me fala o que fazer.
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— Por enquanto, nada. Eu vou tentar achar alguma coisa lá no depósito, como o Belchior sugeriu.
— Certo, mas o que quer que consiga encontrar, me mostre antes de falar com ele. Você não é burro como a maioria, mas eu certamente sou mais capacitado para fazer um julgamento correto e tentar entender com que estamos lidando.
— Pode deixar, Ricardo.
— E prometa que vai me ouvir. Se eu achar melhor você desistir, por favor, pense bem. Belchior pode ser mais discreto do que Bento, mas ele também é muito passional.
— Valeu, Ricardo.
Horas se passaram sem que Martim encontrasse nada de interessante.
Pregos.
Ferraduras.
Pedaços de couro.
Fivelas. Malditas fivelas!
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Punhais.
Aldravas.
Pontas de flecha.
Potes de cerâmica.
Repelente de pestes.
Garrafas de vidro.
Martim voltou à linha marcada como “Repelente”. Leu com mais calma.
Beladona, Chumbo, Arsênico, Alcatrão, Noz-moscada…
Ele não conhecia muitos detalhes sobre venenos ou soníferos, mas a palavra “Arsênico” lhe chamou a atenção. Ele dobrou o canto da página para marcá-la e continuou procurando.
Mais algumas horas se passaram sem que Martim encontrasse nada além do que já tinha marcado. Já cansado, resolveu encerrar aquela noite e retornar outro dia, mas levaria o livro para mostrar a Ricardo. Talvez ele soubesse mais sobre as substâncias que ele identificou.
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— Ricardo está tomando banho — disse Marcel, apontando para trás.
— Obrigado.
Dois dias tinham se passado. Martim estava com o livro embaixo do braço enquanto caminhava pelo dormitório. A maioria dos soldados já estava deitada ou se preparando para dormir. Viu Belchior em sua cama, longe. O colega não prestou atenção em Martim.
Entrou pela porta do banheiro e esquadrinhou o local. Ricardo não estava na área das latrinas, que estava vazia. Ele se esgueirou mais para o fundo e ouviu barulho de água vindo da área de banho. Caminhou mais alguns metros e chegou até o local onde o amigo se encontrava. Ricardo estava deitado em uma enorme banheira de pedra cheia de água fumegante. Havia algumas flores e folhas boiando na água. Não havia mais ninguém à vista.
— Ricardo?
— Oi, Martim, chega mais.
— O que é isso na água?
— São perfumes e cheiros, meu caro. Nunca se perguntou porque eu cheiro bem e vocês, não?
— Nunca reparei, para falar a verdade.
— Pois pode começar a reparar. Aliás, agora que você e a capitã estão ficando juntos, é bom começar a ficar perfumado também, senão ela vai se afastar de você.
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— Sabe que é uma boa ideia? Ela sempre usa perfume, e é muito bom.
— Estou te falando. — Ele pegou umas pétalas da mão e as espremeu, o que produziu um cheiro doce e deixou a água mais colorida. — Mas diga lá, Martim, o que você achou?
— Não muita coisa. Dá uma olhada aqui — disse, ao entregar o livro nas mãos do amigo.
Ricardo enxugou a mão em um pano que estava ao lado e pegou o volume. Abrindo-o e folheando-o aleatoriamente, ele perguntou:
— O que estou procurando?
— Tem uma página marcada, com alguns ingredientes que eu achei estranho. Procure aí.
— Deixa eu ver… ah, achei.
Alguns segundos de silêncio depois, Ricardo disse:
— Hum, interessante. Beladona e arsênico? Não é nenhum repelente de pestes que eu conheça, e sim…
— O quê?
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— Eu acho que são coisas para fazer um veneno. É fraco, demora para agir, e por isso algumas esposas usam quando querem se livrar dos maridos.
— Sério?
— Não tenho certeza, o ideal é procurar um especialista. Você conhece algum?
— Claro que não.
— É claro. Eu vou ver se descubro alguém para a gente perguntar. Pode ser também que tenha outros usos aqui no castelo, mas eu duvido muito.
— É, esse item aí eu achei bem diferente dos outros. Me chamou a atenção. No geral são equipamentos da guarda, roupas…
— Martim, Martim, você pode ter descoberto algo de fato, meu caro.
— Será mesmo que a rainha Catarina mandou matar o marido?
— Não sabemos, mas isso aqui — fechou o livro — pode ser um indício. Deixe o livro comigo.
— Acha mesmo?
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— É, mas até a gente ter certeza, boca fechada. Não fale disso com ninguém.
— Pode deixar.
— Agora deixe-me voltar ao meu banho relaxante.
— Está bem. Boa noite, Ricardo.
— Boa noite.
Martim começou a caminhar, com um sorriso confiante no rosto. Talvez ele tivesse conseguido alguma coisa para ajudar Belchior a mobilizar seus amigos, e talvez isso fosse suficiente para destronar a rainha. Não sabia muito bem o que iria acontecer, mas certamente a situação de Maria melhoraria bastante se estivesse longe de sua manipulação e influência negativa.
Antes que saísse do banheiro, ouviu Ricardo falando atrás de si:
— Ofélia! Magnólia! Cadê vocês? Ah, estão aí! Venham já para cá, preciso de ajuda no banho. Eu não paguei para vocês ficarem aí paradas. Vou reclamar com a Pérola, hein?
Martim não deu muita bola. Deu de ombros e saiu.
Mais dois dias tinham se passado.
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Martim estava treinando com Ricardo. Carlos e Tomás andavam afastados ultimamente, com medo das conversas perigosas que os dois amigos tinham iniciado. Mas a verdade é que eles não falaram muito sobre o assunto depois do encontro no banheiro. Ainda estavam tentando achar algum especialista em misturas e alquimia para conversar.
Enquanto se defendia dos golpes de espada de Martim, Ricardo disse:
— Eu acho que no bairro dos ofícios tem uma velha que vende elixires e poções. Eu lembro que, uma vez, comprei uma garrafinha para ajudar a… sabe?
— O quê? — Martim fez uma pausa.
— A ficar animado. — Ricardo colocou sua espada entre as pernas, apontando para baixo. Depois subiu-a vagarosamente. — Por mais tempo.
— Ah! Ah! Ah! — riu Martim. — E funcionou?
— Não muito. Eu achei que ia conseguir ficar mais tempo em pé. Mas meu desempenho foi normal naquele dia.
— Dinheiro jogado fora.
— Pois é… Ih, rapaz, olha lá.
Ricardo apontou para os muros do castelo, e Martim seguiu com o olhar. Avistou uma figura escura, com o andar rápido. Sua armadura era negra e ela tinha uma longa mecha de pelos saindo da cabeça. Fazia tempo que não via Maria com sua armadura.
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— Ué, estranho. O que será que aconteceu? — Martim perguntou.
— Será que os invasores estão se aproximando?
Atrás de Maria, marchavam quatro soldados, entre eles Silas e Percival.
— Eles estão vindo para cá.
Ela tinha o andar resoluto, com passos apressados. Sua cabeça estava erguida e ela não olhava para os lados nem cumprimentava ninguém. Assim que estava suficientemente próxima, Ricardo disse, em tom brincalhão:
— Bom dia, capitã. Por que o elmo? Seu cabelo amanheceu ruim hoje?
Maria parou, assim como os soldados atrás dela. Ela disse, com a voz grave:
— Soldado Ricardo. Soldado Martim. Vocês estão presos por conspirar contra a coroa!
Martim ouviu, mas não entendeu imediatamente o sentido daquilo. Ficou impressionado com a voz dela, que estava muito estranha. Tentou ver seus olhos através da fenda em seu elmo, mas estavam ocultos pela sombra.
— Não! Capitã, não fizemos nada! — disse Ricardo.
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Imediatamente, os quatro soldados atrás de Maria sacaram suas espadas. Ricardo levantou seu escudo e espada, instintivamente, e começou a olhar para os lados, em busca de uma saída. Martim ainda estava sem reação.
Maria disse:
— Entreguem-se sem reagir, por favor.
— Nós não fizemos nada, capitã! Acredite em nós! — Ricardo implorava. Olhou fixamente em uma direção. Pareceu ter encontrado algo.
— Maria? — Martim falou, olhando para ela.
Ela não virou o rosto para ele. Continuou olhando para o vazio.
Neste momento, Ricardo deixou sua espada e escudo caírem no chão e correu em disparada. Imediatamente, dois dos acompanhantes de Maria saíram correndo atrás dele.
Martim estava atônito. Viu Ricardo passando entre os soldados que treinavam. Ele era mais rápido e estava deixando seus perseguidores para trás com facilidade. Pela direção em que seguia, seu destino era uma pequena cerca que delimitava a área de treinamentos. Além da cerca, havia uma mata fechada. Era para lá que Ricardo fugia.
Martim não teve tempo de torcer por uma provável vitória do colega. Com terror nos olhos, viu um dos soldados ao lado de Maria erguer um arco. Ouviu o ranger da madeira, anunciando o disparo iminente. Começou a esticar o braço para tentar atrapalhar a mira do arqueiro, mas o estalo da corda sendo solta denunciou que era tarde demais. A flecha já tinha abandonado sua origem para, em uma trajetória certeira, cravar-se nas costas de Ricardo, que caiu.
— NÃO! — Martim gritou.
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Ricardo ainda tentou se levantar, mas foi detido por um golpe da maça de Silas em sua cabeça.
— SEU MALDITO!
Martim estava alucinado, prestes a sair correndo. Queria lutar também, atingir Silas com sua espada e esmagar sua cabeça com seu escudo. Mas Maria colocou seu braço na frente dele e disse:
— Não reaja, soldado. Por favor.
Sua postura ainda era firme. Ela não olhava para Martim, que entrava em desespero:
— ELES MATARAM RICARDO! Não vai fazer nada? Vai ficar aí parada?
— Silêncio, soldado.
— Maria — ele disse, baixinho, ainda com a voz em desespero. — O que… o que está fazendo? — Martim não conseguia entender. Aquela não se parecia com Maria. Pelo menos, não a Maria por quem se apaixonou. Era a capitã novamente, que matou Aires, Caim e Bento. Que se escondia dentro da armadura. Sentiu vontade de esmurrá-la, arrancar seu elmo à força para ver se havia um ser humano por baixo do metal. Ela repetiu seu comando, e desta vez um leve tremor na voz dela se fez ouvir:
— Entregue-se. Sem reagir, p-por favor.
Martim olhou para Ricardo e viu que o amigo ainda estava se mexendo. Ricardo olhou para ele, com os olhos entreabertos. Por um instante, seu coração se alegrou ao saber que estava vivo, mas havia muito sangue ali. E o sangue não parava de escorrer, transformando o marrom da terra em um vermelho escuro. Em poucos segundos ele parou de se mexer. Seus olhos ficaram congelados, já sem brilho, e Martim soube que ele realmente tinha morrido.
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— Capitã? — A voz do arqueiro ao seu lado se ergueu.
— Tragam o corpo dele — ela respondeu. — Eu cuido desse aqui.
Maria virou-se, e por um breve momento Martim pôde ver os olhos amendoados de que tanto gostava. Ela disse:
— Ande!
— NÃO! ESPERE! Deixe-me ao menos me despedir do meu amigo!
— Ouviu a capitã, traidor! — Era Percival, que estava do outro lado de Maria. O soldado desferiu-lhe um soco no estômago, fazendo-o dobrar de dor. — Ande, vamos!
— Chega, soldado! — ela falou, encarando Percival de perto. — Eu disse que EU… cuido… desse… aqui!
Maria ficou encarando os homens até que eles se afastaram. Relutante, Martim começou a caminhar, não sem antes dar uma olhada para trás, para o corpo de Ricardo e para o grupo de soldados que agora se reunia ao seu redor.
Maria andava atrás dele, sem dizer nada. Assim que entraram no castelo e ficaram sozinhos em um corredor, Martim virou-se e começou a gritar:
— MARIA, AQUELE ERA O RICARDO! Eu não acredito que você…
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Ela interrompeu a gritaria empurrando-o violentamente com as duas mãos. O movimento inesperado jogou-o contra a parede mais próxima e fez sua nuca bater na pedra. Assustado, ele olhou para ela e balbuciou:
— Maria, eu…
— VOCÊ PROMETEU! — ela gritou, e sua voz agora estava claramente alterada. — Você me p-prometeu, Martim! E ainda envolveu o pobre do Ricardo? Como pôde? Prometeu que não faria nada!
— E-eu — disse Martim. — Eu só queria ajudar…
— CALE A BOCA! VOCÊ… ME P-PROMET…
Ela tentou empurrá-lo novamente, mas errou o movimento e caiu ajoelhada no chão, com a cabeça abaixada. Por baixo do elmo, Martim podia ouvi-la soluçando. Seus ombros subiam e desciam enquanto ela soltava pequenos gemidos de dor.
O contraste entre a frieza de segundos atrás, quando assistiu Ricardo sendo morto sem reagir, e o choro convulsivo que tomava conta dela agora deixou Martim desconcertado. Naquele momento, percebeu que Maria estava sofrendo tanto quanto ele. Por fora, parecia uma estátua, mas por dentro, estava despedaçada. Uma mulher tão forte, que em sua armadura de combate era capaz de intimidar e matar o mais formidável guerreiro, estava agora completamente vencida.
Ele se abaixou e a segurou pelos ombros, mas ela não reagiu. Ele disse:
— E-eu… sinto muito… não chore, Maria. Me desculpe.
Ela não olhava para ele. Lutava para respirar ao mesmo tempo em que tentava evitar que o choro escapasse entre os soluços que balançavam seu corpo.
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Martim apertou suas mãos, tentando acalmá-la. Sentir seu toque, ainda que por trás das manoplas metálicas, lhe trouxe de volta, por um breve instante, a maravilhosa sensação de tê-la em seus braços. Mas a sensação não durou muito, pois logo ouviram passos. Eram os soldados carregando o corpo de Ricardo. Respirando fundo, e ainda sem olhar para ele, Maria se desvencilhou do aperto de Martim e se levantou. Assim que avistou a cena à sua frente, Silas disse:
— Capitã? Está tudo bem?
— Sim. Venham, levem este daqui também, vou me reportar à rainha.
— Sim, capitã.
Os soldados puxaram Martim pelos braços, deixando Maria para trás. Ele ficou olhando-a por alguns segundos, enquanto era carregado para seu triste destino. Depois virou para frente e fechou os olhos com força enquanto o arrependimento tomava conta de sua alma.
Me desculpe, Maria. Me desculpe, Ricardo. Eu estraguei tudo!
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