Capítulo 007 - Não mencione o proibido!
Capítulo 007 – Não mencione o proibido!
A princípio foi um duro dia de trabalho. Apressada, diferente da maioria dos outros dias, a jovem garota estava auxiliando a cuidar dos jardins: as rosas estavam murchando e precisava de uma atenção maior.
Quando acabou, cuidadosamente varrera todo o salão do trono. Perdeu tanto tempo cuidando dos mínimos detalhes e dos cantos ao redor das pilastras do corredor, que mal viu o luar iluminar pela janela.
Danielle finalmente chegara ao último ponto que precisava limpar no Grande Castelo de Sihêon: o pátio interno. Um enorme espaço adornado com pedras polidas, onde dele, todos os corredores do imponente local se conectavam.
Era impossível enumerar todos os cômodos do Grande Castelo. Existiam alas que inclusive eram dedicadas à família real e no fim, se tornaram um gigantesco aglomerado de quartos decorados da forma mais nobre que poderia ter sido cogitada, abandonados quase que completamente.
Para evitar desperdício de trabalho, toda noite, Ayel dormia em um aposento diferente.
Os criados e servos de Aiden continuaram trabalhando por lá, o novo rei confiava na intuição do irmão mais velho sobre em quem confiar.
Danielle era filha de Onore, uma senhora que era originalmente parteira, mas como regicida não havia se casado, ela realizava quaisquer outras demandas que o castelo necessitava, assim que sua filha atingiu certa idade, foi posta a trabalhar com a mãe.
— Danielle, minha querida? — A Onore estava pronta para ir para os seus aposentos dormir, quando flagrou a filha ainda limpando. — Tarde da noite, meu bem, vá para o seu quarto.
Todos os criados tinham seus respectivos aposentos em alas mais próximas aos fundos e Ayel não se incomodava com isso, pelo contrário. Ele era um homem solitário, as vozes e passos dos seus subalternos davam alguma sensação de vida onde ele repousava.
— Boa noite, mãe querida — Respondia a jovem sorrindo. — Sei que está tarde, gostaria de adiantar isso, pois aspiro viajar amanhã!
— Viajar, o que está pensando?
A mulher parara no meio do corredor que dava de encontro para sua filha que tirava o pó de algumas estátuas de animais, quando a jovem começou a se explicar:
— Na vila Pharid haverá um sarau, vai ocorrer daqui a dois dias, mas eu soube de uma caravana de comércio que viajará até lá e o cocheiro concordou em me levar, mãe!
— E vais viajar com um mercador desconhecido, perdeu o juízo?
— Não, minha mãe. Ele é um comerciante conhecido, tem o certificado de venda. Até alguns guardas reais irão com ele, falo sério! — O cabelo castanho ondulava conforme chegava nas pontas, Danielle era uma jovem belíssima, acabara de completar sua décima sexta primavera. Sonhava em ser escritora.
Onore sempre fora uma mãe muito rígida, mesmo com pouca renda, fez o possível para garantir uma boa instrução à sua única filha.
Era o que ela tinha após seu marido ter fugido com uma concubina das Terras Áridas.
Mesmo assim, ela compadeceu com aqueles olhos que brilhavam, era a chama da juventude, a fome de saber.
— Está certo, Danielle… Me deixe ao menos ajudar você. — A senhora tratou de pegar alguns panos e auxiliou a sua amada filha.
Assim que feito, Onore levou sua filha para a grande cozinha, o rei tinha uma fome absurda, logo todos daquele setor trabalhavam com muita veemência.
Mesmo que não fosse, era um trabalho deveras árduo alimentar todos os criados, eram quilos de carne a perder de vista.
Uma senhora cuidava do local, chamavam-na de dona Helen, a cozinheira chefe e uma das criadas mais queridas pelo bárbaro, já que cozinhava com prazer tudo que ele pedia.
Devido ao horário ela provavelmente já dormia, mas as portas sempre ficavam abertas.
As duas mulheres adentraram e a parteira preparou um pouco de pão e mel com leite para sua filha, depois se serviu com a cerveja que sobrava no barril.
— Amanhã quando o rei ver as estátuas brilhando logo cedo, vai ficar tão alegre. Obrigada, minha mãe! — esbravejou a garota.
— Não acho que veja tão rápido. Ele saiu para a taverna, se chegar amanhã cedo… estará tão embriagado que só irá reparar nas estátuas bem mais tarde. — E a mulher ainda prosseguiu — Inclusive, quando a senhora Yelena soube que ele havia saído sem qualquer membro da guarda, se enfezou de tamanha forma que saiu batendo as portas atrás do bárbaro!
As duas caíram na risada, não se preocupavam em fazer silêncio, pois os corredores eram largos e extensos, as vozes depois de um período deixavam de ecoar. Nunca chegaria aos aposentos daqueles que dormiam.
— Por qual motivo ela é assim, minha mãe?
Onore por um momento ficou um pouco mais séria, dando espaço ao peso que a conversa precisaria ter.
— Receio que não chegou aos seus ouvidos a morte do Rei Aiden?
— Não… Muitos aldeões jamais tocaram nesse nome, guardas fogem quando são perguntados e criados se fazem de mudos. — A garota mordeu mais um pouco do seu pão.
A parteira deu um longo suspiro, depois bebeu o que restava de cerveja na caneca, olhou bem para a filha. Começara a dizer com o tom de voz mais baixo:
— A majestade Aiden havia partido para além do bosque das folhas densas…
— Como isso foi possível? — indagava Danielle.
— Um tribal, minha querida, querendo ou não existe uma certa facilidade em passar por um lugar cheio de monstros.
Algumas tábuas da cozinha volta e meia estalavam, isso assustava a Danielle. Mesmo sabendo que era por conta do calor que o forno fazia na mobília.
— O que… ele queria além-bosque? — cogitava a filha.
Onore precisou coçar a garganta, sentiu muito por beber toda a cerveja, ela precisava de um ar para continuar o relato.
— Visitar a torre de Crono, o mago dos portais. Rei Aiden aparentemente tinha um acordo com esse homem, no momento de cobrar algumas partes, nosso rei acabou sendo morto covardemente. Aiden havia ido sozinho, isso facilitou para que o vil Crono tivesse sucesso em sua emboscada.
Danielle parecia confusa, limpava seus lábios, pois ainda estavam um pouco grudentos do mel.
— Minha mãe, não há torres além-bosque sul.
— Dizem que assim que assassinou o rei. Crono lançou um feitiço sobre seu próprio covil, criando uma ilusão poderosa a ponto de parecer que a torre havia deixado de existir, é muito perigoso se aproximar daqueles lados, pois não se sabe quando você seria atacado pelas defesas do mago exilado.
— Então é por isso que Yelena se sente tão frustrada com essa situação e muito provavelmente seja de onde venha essa obsessão em proteger o rei Ayel — concluiu a jovem dos cabelos castanhos.
— Agora você entende.
Onore buscava por mais cerveja, balançava alguns barris que estavam no chão, em busca de algum que ainda tivesse um resto que fosse, sem sucesso. Sua filha terminara o copo de leite, completamente satisfeita da sua fome, mas ainda precisava saciar sua curiosidade:
— E o rei bárbaro com tudo isso, minha mãe? Como ele reagiu?
— Dizem que assim que ele soube, Ayel imediatamente decidiu abandonar a sua tribo e assumir o legado que majestade Aiden havia deixado. No dia em que foi coroado, ele ainda fez uma promessa, disse que assim que a torre de Crono aparecer uma vez mais no horizonte, ele partiria imediatamente com sede de vingança.
O clima da cozinha ficou pesado, a conversa descontraída de mãe e filha se tornou um momento de preocupação de uma parteira e uma jovem sonhadora, subalternas de um homem movido pelo ardor do ódio.
— Sabe… Minha mãe. — Danielle falava tão baixo quanto antes, talvez mais — É verdade o que dizem?
— Sobre o quê?
— Sobre o olhar da nossa majestade Ayel, que volta e meia mescla para um ar assassino e terrível…
Onore pegou o prato que sua filha havia comido, levara para um dos balcões que ficavam próximos ao forno, retirou uma bacia cheia d’água do chão e subiu até o apoio de madeira, começou a lavar as louças sujas.
— Sabe, minha filha… Rei Ayel perdeu tudo, mesmo herdando um reino. Abandonou a sua família, não pôde sentir o luto pelo irmão e tem tudo isso nas costas para carregar… É um homem que não tem raiz alguma, o que poderia segurar ele na moralidade?
A parteira acabara de limpar tudo, deu dois bons tapas nas costas da sua primogênita.
— Venha, vamos aprontar a sua bagagem, você viajará amanhã, certo?
— Claro, minha mãe.
— E não se esqueça de que nunca, em hipótese alguma, mencione o olhar da nossa majestade para outra pessoa. — Onore repreendeu com uma seriedade, como se sua filha tivesse cometido algum tipo de crime.
As duas se afastaram da grande cozinha, assoprando as velas pelo caminho, deixando um rastro de penumbra enquanto os passos seguiam para seus aposentos.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.