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    Capítulo 009 – As relíquias e os venenos! ‎ ‎ ‎

    Eram chamadas de relíquias toda e quaisquer engenhocas mecânicas: um cetro que virava uma espada, uma cadeira com rodas de carroça nas suas laterais que permitia quem não andasse, pudesse definitivamente se locomover, armações de largos arames com lentes de vidro para auxiliar a enxergar entre outros.

    Os artesãos e inventores que dedicavam suas vidas a esse tipo de produção chamavam-se relicários e, nos emaranhados das ruas de Sihêon havia um local que servia como sede para essa guilda.

    No sudoeste do reino existia um ponto onde, em algum momento, todos os relicários se encontravam. Este local era mais do que uma simples oficina; era uma escola renomada onde o conhecimento transmitia-se de geração em geração.

    O Laboratório das Maravilhas.

    Era um enorme edifício de tijolos pintados de branco, em seu interior, dividido em diversas alas: um aglomerado de salas de aula repletas de diagramas e protótipos.

    As turmas não eram divididas por idade, mas por experiência.

    A cultura dos relicários sempre foi muito reconhecida, tanto por seus avanços em equipamentos para aventureiros como suas criações que facilitavam a vida de doentes e mutilados.

    Ambiente tão acolhedor que os alunos que tinham filhos inscreviam suas crianças em aulas, não era incomum de se ver turmas inteiras com alunos de dez anos de existência ou menos. Desde cedo, aprendiam conceitos de engenharia e a importância de itens históricos no mundo.

    No centro de tudo, havia um homem respeitado tanto por relicários quanto para com os que viviam ao redor da edificação maravilhosa, um senhor com a barba completamente esbranquiçada pelo tempo e o pouco cabelo: Solomúrius Gambiarra.

    Fundador da gigantesca oficina e grande mestre artesão, não media esforços em testar seus novos aparatos em si antes mesmo de disponibilizar para quem de fato necessitava, o senhor Gambiarra sempre fora alegre e comunicativo, conquistava facilmente todos com o seu carisma e sua bondade.

    Ele acabara de sair de um dos salões principais do Laboratório, andava com um sorriso discreto em seu rosto, seus movimentos faziam barulho por conta das relíquias anexadas em suas vestes de couro. Adentrou no grande pátio e visualizou três crianças correndo, como se estivessem brincando de pique.

    Até que as pequenas notaram sua presença e vieram diretamente ao seu encontro.

    Aquelas três crianças eram especiais, não eram crias de algum outro relicário e sim órfãos. Solomúrius preferiu adotá-las e passar o legado artesão.

    — Professor! — gritou a garotinha.

    Aquela era Felicity, a única moça do trio dos órfãos, tinha um cabelo que mesclava um avermelhado com castanho, seus olhos eram amarelos e era bem alta para seus onze anos, ninguém nunca conseguiu entender de onde ela poderia ter vindo.

    Um dia apenas fora encontrada abandonada em uma das praças do reino, esses traços no seu rosto, essas cores que apresentava naturalmente de cabelo e olhos, ninguém conhecia província alguma que tivesse esses fenótipos.

    — Assim você vai assustar o velho. — Um dos meninos encarava a corrida enquanto guardava sua pequena espada de madeira.

    Este era Andrey, do clã Salamanca. Fazia parte do conselho dos nobres até o seu líder ser desmascarado por fazer desvio de impostos.

    Fora um escarcéu e a pressão popular havia sido tamanha que o patriarca retirou a própria vida. Com o tempo, o restante dos familiares debandaram-se e fugiram. De alguma forma, o garoto ficou.

    Mantinha o seu cabelo castanho escuro para baixo, por mais que Solomúrius tenha dito que o pequeno Andrey ficaria mais bonito se colocasse para trás. Gostava muito de manter uma espada de madeira na cintura, mesmo que fosse o mais novo dos três, vivendo apenas nove primaveras.

    — Velho? — Gambiarra ria.

    Era incrível a diferença gritante, Felicity já agia como uma moça, Andrey era uma grande espoleta.

    O terceiro dos órfãos era Shiro, quieto sempre. Não parecia ser uma criança, de tão educado.

    Ele não enxergava direito, mestre Gambiarra então criou para o menino uma armação com vidro e batizou de óculos. Shiro tinha os olhos estreitos e o cabelo muito preto, como se não fosse suficiente por conta de sua aparência e de seu nome, ficava claro que o mesmo vinha do reino do oeste: Eikõ.

    — Geralmente não te vemos por aqui nesse horário, professor. — Felicity prosseguia.

    — Ora, meus pequenos — Solomúrios acariciava a cabeça da garota e então a de Andrey quando ele chegou mais perto, Shiro ainda estava um pouco distante — Acabo de retornar de uma reunião importante.

    — Reunião? — Salamanca era um jovem curioso.

    — Ah, sim… O rei me visitou.

    — O rei!? — esbravejou Shiro, ainda um pouco longe, enquanto demonstrava agora que havia se animado com a conversa.

    — Ah, sim, ele mesmo. Ayel Alvorada, o rei. — O velho ficava de cócoras para encarar as crianças quase na mesma altura.

    Muitos respeitavam os três órfãos no Laboratório das Maravilhas, mas o próprio Solomúrius tratava essa garotada como se fossem seus filhos, amava-os com muito fervor, se preocupava muito em guiá-los para o caminho correto e justo. Por conta da sinceridade que ele sempre cobrava das crianças, optou em não ter segredo algum com elas em resposta.

    — O rei me explicou que está anexando as guildas existentes aqui em Sihêon para agirem em seu nome. Ele irá financiá-las em troca de agirem como peças em suas forças. O clero, a guarda real e os necromantes já se ajoelharam.

    — E o que você disse? — indagou a garotinha dos olhos amarelados.

    — Eu também aceitei, minha princesa.

    Solomúrius se levantara, havia dado um espaço para as crianças dando uns passos para trás para vê-las melhor:

    — Com esse financiamento poderemos atingir degraus que nunca chegaríamos, os relicários terão mais recursos para colocarem toda a sua criatividade em prática e eu amei essa ideia… Com a coroa ao nosso lado, quem nós iríamos temer?

    — Teremos nossa forja? — O menino de óculos perguntava, aproximando-se finalmente.

    — Não acho que seja prudente, sabe?

    O Laboratório das Maravilhas muitas vezes utilizava alguns aparatos de ferro, aço e revestimentos com prata ou ouro. Por mais que houvesse diversos espaços que poderiam servir para pôr um forno, o velho fundador pensava que não seria possível dissipar tamanho calor e isso eventualmente prejudicaria as peças, que precisam de resfriamento.

    Desde então, a mão de obra de Traith era requisitada, o homem trabalhava como o ferreiro da guarda real e tinha uma ótima qualidade em seus serviços, o único trabalho era ter de sair do edifício e andar quase metade do reino para alcançar a velha forja.

    — Acredito eu, crianças, que podemos ir mais além, eu digo para desenharmos relíquias mais complexas e mais fortes, materiais verdadeiramente resistentes e talvez até consultar arcanos para imbuir mana neles? Não seria incrível?

    O senhor claramente se alegrava, essa energia contagiou Shiro que sorriu mostrando o polegar erguido como aprovação, Felicity pensou um pouco para poder fazer parte do entusiasmo dos dois, Andrey sequer entendeu uma palavra dessa conversa.

    — Mas… e se entrarmos em guerra?

    O garoto indagava com o cabo da sua pequena espada na mão esquerda, olhando para o Gambiarra com uma dúvida genuína, até porque, Andrey pensava que iria precisar de mais alguns bons anos de treinamento para ser um bom combatente.

    — Para com isso, garoto! — brandiu Felicity socando o ombro do colega.

    O menino pensou seriamente em sacar a sua espada para a amiga, mas não queria levar uma puxada de orelha do professor, outra vez.

    O velho relicário abriu um largo sorriso, pois não queria assustar as crianças com isso, embora Salamanca tivesse erguido uma preocupação que ele também tinha.

    Mesmo prometendo sinceridade total aos seus filhos adotivos, havia tantas coisas que um pai não poderia dizer.

    — Não haverá uma guerra, não veem? Ayel é um bárbaro, um guerreiro poderoso e intimida muito apenas por existir, nenhum outro reino teria culhão para ir para cima de nós assim, além de que, com as outras guildas finalmente unidas… É tanto poder, meus queridos… Fiquem tranquilos.

    Por mais que fossem mais espertos que outros das suas idades, ainda eram novos demais para compreender alguns assuntos e o velho professor preferiu tirar alguns pesos de preocupação.

    Solomúrius tinha um medo enorme, a conversa de serem financiados o fez esquecer do perigo que poderia ser considerado: aliar-se a uma coroa tão volátil como a de Sihêon. Principalmente quando citada a história dos últimos reis.

    Mas o seu “sim” já havia sido desferido e sua lealdade compartilhada, o velho não era daqueles que quebravam juramentos.

    Não teria sido a primeira vez e nem será a última que um assunto errado teria sido fisgado pela curiosidade dos três e, como sempre, o velho precisa se esquivar de todas as formas possíveis para fugir de tópicos que não são necessários para os pequenos no momento.

    Mas, como um bom pai, sempre soube distraí-los.

    Decidiu então levar os órfãos para uma das cozinhas do laboratório, enquanto perguntava se todos haviam feito as lições de casa, Gambiarra prometia um pouco de bolo.

    Shiro e Felicity haviam feito com uma certa antecedência que fez o senhor se sentir deveras orgulhoso.

    Andrey não fazia ideia de qual lição seu professor cobrava, havia tantas que ele deixou de fazer.


    O grande castelo de Sihêon conseguia dar medo quando o seu dono desejava. Ayel estava sentado no trono com uma postura imponente, ao seu lado estava Yelena, que encarava tudo de cima. Pelo menos uma dúzia de guardas compartilhava esse espaço do trono até a entrada do salão, encostados com suas costas nas pilastras espalhadas pelo corredor, com o tapete vermelho no meio.

    A mulher, na frente do trono, levantara após ter se ajoelhado perante o bárbaro, ajeitava o seu longo vestido negro, esbelta e pálida, seus longos cabelos negros e lisos adornavam o rosto com expressão de júbilo.

    Belle também era conhecida como “a viúva”.

    Ela não estava nem um pouco contente em estar lá, como também odiou ter sido coagida a unir o Covil do Escorpião com a coroa, mas o medo da resposta de Ayel caso ela negasse arrepiava todos os pelos finos do seu braço com o medo.

    Atriz nata, ela parecia estar em tamanha felicidade assim que jurou sua fidelidade ao rei, que ao escutar, inclinou-se para trás e tomou um pouco de hidromel de uma caneca de madeira larga.

    Belle compreendia a importância de se manter a salvo, seu instinto gritou por socorro quando o boato percorreu o reino e acabou nos seus ouvidos: os bárbaros odeiam quem mexe com veneno.

    Uma sedutora ardilosa e extremamente fria, a viúva acatou rapidamente o único caminho que poderia fazer com que ela e sua guilda sobrevivessem mais tempo nessa nova administração.

    — Serei sua, meu rei. Eu e todas as minhas garotas do Covil seremos. — A voz de Belle havia saído em um tom tão sugestivo, enquanto refazia a sua reverência.

    Abaixou-se bem para que o decote do seu vestido mostrasse parte dos seus voluptuosos seios, brandiu uma cacofonia dando a entender o que seria entregue para o seu soberano, com muito prazer.

    A mulher abrira um sorriso, uma oferta tamanha que ninguém recusaria, seus olhos adentraram em um choque palpável quando ela ergueu sua visão e percebeu que o rosto do ruivo não havia movido um único músculo.

    Estranhou, até porque sua subalterna Victória havia dito na noite anterior o quão o rei era acessível e comunicativo.

    Quem é esse homem na frente da mestra dos venenos? Quem é esse bárbaro?

    E que olhar assassino era aquele?

    Belle não conseguia pensar em mais nada, mas se usar o seu corpo contra o rei não surtisse efeito, o que ela poderia fazer?

    — Escute bem, eu vou dizer exatamente o que desejo das mulheres do veneno, agora que são leais à coroa.

    A voz do Alvorada ecoou no corredor como se tivesse o peso de um mundo inteiro. Belle tremeu, percebendo que se tratava de um tal que ela não estava conseguindo seduzir. Temia profundamente, provavelmente ela seria utilizada apenas como uma ferramenta nas mãos do bárbaro, como ela estava acostumada a fazer com os outros.

    Mais uma vez, a viúva abaixou a cabeça, percebeu que não havia mais fuga.

    — Sou toda ouvidos para o senhor, majestade… Me ordene e eu farei.

    Ela desejava correr, mas ainda era uma ótima atriz.

    Decidiu dançar conforme a música.


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