Índice de Capítulo


    ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

    Capítulo 010 – A ira de um bárbaro! ‎ ‎ ‎

    A entrada do Covil do Escorpião era deveras discreta, vinha de uma fachada que parecia muito uma casa antiga como qualquer outra, nos emaranhados das vielas em uma parte menos abastada do reino.
    Após essa porta enegrecida pelo tempo, um extenso corredor cheio de portões e trancas ainda mantinham a distância necessária. Qualquer tentativa de entrar seria um grande erro.

    Seu interior era um labirinto de corredores estreitos e câmaras subterrâneas. Teto baixo, sustentado por pilares de pedra com detalhes raspados em uma grafia morta, isso fazia com que o lugar gerasse uma sensação de prisão e desespero.

    Assemelhava-se a uma gigantesca adega, diversas câmaras inclusive continham litros e litros intermináveis de vinho, o clima era úmido e escuro, da mesma forma que armazenavam as bebidas, o veneno também tinha o seu lugar.

    Outros lugares dessa enorme sede serviam praticamente como uma oficina. Havia diversas mesas de madeira maciça que estavam marcadas pelo tempo e uso, espalhadas pelas salas.

    Sempre abarrotadas de frascos de vidro, almofarizes, pilões e pergaminhos antigos que descreviam fórmulas e ingredientes raros.

    As moças que faziam do Covil um refúgio optavam sempre por roupas escuras.

    Geralmente vestidos longos e pretos, disfarçados na noite.

    Renegadas, na maioria das vezes, por serem expulsas de suas famílias. Encontraram no colo de Belle uma possível forma de sobreviver.

    A viúva, inclusive acabara de chegar, um tanto decepcionada com o que havia ocorrido no castelo, decidiu beber um pouco, por mais que ainda estivesse de tarde.

    Victoria escutou movimentações enquanto andava pelos corredores e descobriu a sua superior assim que adentrou no cômodo que guardava garrafas de vinho.

    — Como foi? — indagou a mais nova.

    Belle era uma atriz.

    — Foi tudo ótimo, meu bem!

    A mulher virava uma taça enquanto encarava a sua subalterna.

    — Estou bebendo para comemorar o sucesso da reunião, quer um pouco?

    — Aceito, minha senhora. — Victoria abrira um sorriso discreto.

    Belle revelou o que Ayel havia ordenado: O comércio livre de veneno havia sido abolido, as mestras estariam permitidas produzir apenas para elas mesmas ou para a coroa, se ordenado. Todas estariam proibidas de acumular muito estoque se não fosse proveniente de algum pedido vindo do rei, em troca, o financiamento para a sede seria gordo.

    Nem todas as partes deste acordo pareciam proveitosas na visão do Covil do Escorpião, mas como Belle utilizou de forma sábia suas palavras, soou como algo muito positivo para Victoria.

    — E você tinha a total razão, o rei é realmente muito simpático e acessível! — Belle virava mais uma taça.

    — Eu disse para a senhora, ele foi muito querido.

    A garota retornou às cenas da noite na taverna em sua cabeça, nos momentos de conversas distraídas, em parte alguma ela lembrava como algo engessado. Via Ayel como um aventureiro tal qual havia visto Dalila, ou como gentilmente considerou Joana. Uma noite alegre de bebedeira na Melusina.

    As luzes estonteantes das tochas dançavam nas paredes de pedra, tremulavam sob tão belos rostos. A viúva ainda dizia enquanto se aproximava em passos lentos em direção à sua aprendiz, puxava alguma das pesadas cadeiras de madeira para perto.

    — Mas sabe de algo? — Ela conduzia.

    — O que houve? — Victoria estranhava a aproximação.

    — Tenho uma enorme perícia em ler as pessoas, sabe? Quando escutei o rei falar sobre você, pude sentir que ele estava mais que apenas sendo simpático.

    O sorriso da senhora se abriu de forma que a boca soltou um leve som da saliva se afastando dos lábios.

    — O que quer dizer? — A garota acabara por servir um pouco de vinho para si em uma taça vazia.

    Com o tempo, ambas já repousavam em cadeiras, erguiam os recipientes de cristal delicadamente trabalhados.

    — Acredito que você tenha encantado os olhos dele, Vic.

    O tom de Belle descia em um grave cheio de compaixão, as palavras arrastavam-se quase como se ela cantara, ecoando pela abóbada.

    — Acha mesmo, minha senhora? — A jovem não havia notado de forma alguma.

    — Precisamente… olhe para você, é a dama mais linda de Sihêon toda! — Belle acariciava os cabelos negros e ondulados da mulher dos olhos estreitos.

    — Ah, bobagem.

    A jovem acabou corando um pouco, ela não conseguia dizer para si mesma se isso vinha do pouco vinho que já havia ingerido ou do jeito como a Belle estava tentando dizer as coisas.

    Muito se passou pela cabeça da jovem. Ela tentava encontrar algum sinal que o bárbaro pudesse ter entregue tão descaradamente a ponto que a viúva pudesse identificar como cortejo ou interesse romântico…

    Nada.

    — Digo sério. E que oportunidade de ouro, o senhor, seu pai, vive dizendo que você precisa se casar, imagina a expressão dele se você surgir justamente com o rei! — A senhora acabara animada, conforme dizia.

    — Não é um pouco precipitado?

    Victoria, em um certo ponto, conseguiu entender a preocupação da sua superior. Seu pai era um dos membros do conselho dos nobres. A influência dos Belomonte no reino existe há algumas gerações.

    A garota decidiu adentrar no Covil ao invés de ceder à corte e se casar.

    Muitas das vezes esses casamentos entre os mais nobres eram arranjados e eles faziam tudo em busca de crescer politicamente. De tal maneira que Victoria não parava de pensar que Belle talvez estivesse errada em sugerir que ela fosse esposa do rei.

    A garota imaginou como o patriarca reagiria sabendo disso. Volta e meia, quando ela visitava seus familiares, acabava escutando uma lista de insultos que os nobres tinham para com o bárbaro. Que fazia de tudo para não cooperar com a existência elegante do reinado a que todos estão acostumados.

    A líder da guilda levantara e abraçou a senhorita Belomonte com o braço esquerdo, enlaçando-o devagar.

    — Sei… Você acabou de começar a conversar com esse homem, mas vou te fazer uma proposta: permita-se conhecê-lo melhor, podemos fazer assim?

    — Eu não sei… — Victoria ruborescia muito mais.

    — Ora, e o que tem de mais? Se ele aparecer mais vezes na taverna, puxe mais conversas, tente entendê-lo, vai me dizer que não o acha atraente?

    De fato.

    Os traços tribais do Alvorada haviam sido um grande ponto para chamar a atenção da garota desde que ela o viu na taverna.

    Ela chegou a cogitar se isso não seria pela estranheza de ver algo estrangeiro. Como também a fez pensar como o selvagem agiria mediante alguns momentos…

    E criar esse cenário agressivo em sua mente a fez balançar excessivamente sua cabeça em negação, levantou e desvencilhou dos braços da sua senhora.

    — Isso não se diz!

    — Vejo a chama latente que brilha no peito dos jovens, entregue-se um pouco e verá que ele fará o mesmo, me escute! Sou a voz da experiência e se o assunto é homem: eu entendo.

    Belle conseguiu distrair a sua pequena frustração utilizando a Victoria.

    Parte do que ela dizia, ela realmente acreditava.

    A senhora dos venenos estipulava como acabaria por proceder sabendo que poderia empurrar a sua aprendiz direto para o trono, sonhava em como iria usufruir disso tudo, claro, se a pequena Belomonte tivesse sucesso nessa empreitada.


    No resto daquela tarde, Yelena havia se retirado, ela pelo fim das tardes treinava a pequena Joana.

    A sentinela dourada via um futuro extremamente promissor na garota dos cabelos de cobre e, desde que a viu na taverna, acreditou que seria interessante transformá-la em uma boa combatente. O rei se encontrava sozinho.

    Como sempre, sentado em seu trono, com uma larga caneca de madeira lotada de hidromel, lia os relatórios daquela semana, contente com a conversa que teve com a mestra dos venenos, umas horas antes.

    Diversas caravanas haviam chegado a Sihêon, delas, muitos jovens com potencial se filiaram em diversas das guildas, a grande maioria obviamente na jurisdição do reino.

    Ainda faltava visitar Maut Ka Mandir e Nox Arcana, embora Alyssius tenha dito com muita clareza que os arcanos já haviam declarado sua fidelidade à coroa, mesmo que fosse. Ayel gostaria de oficializar tudo que pudesse.

    O silêncio da leitura do bárbaro foi quebrado com o tilintar das armaduras que se aproximavam do corredor à frente, pareciam duas delas, prontas para adentrar e vislumbrar o monarca. Um guarda havia aparecido na presença do bárbaro e anunciou.

    — Majestade, os senhores Kord Lâmina-Fria e Claude Hob desejam conversar.

    O ruivo levantou, encarara bem ambos, que fizeram uma longa reverência assim que pararam na frente imediata do trono.

    — Peço perdão pela intromissão, majestade. — balbuciou Claude, se erguendo.

    — Não há com o que se preocupar. Porém, como devem saber, seus relatórios necessitavam ser passados para Yelena, a responsável pela guarda. Não é isso?

    O rei, mais uma vez, havia se sentado e estalou os dedos para um dos criados preencher sua caneca com mais hidromel, ordenou que os visitantes fossem servidos, mas os dois negaram educadamente. Claude prosseguiu quando houve brecha:

    — Sim, senhor, sabíamos dessa informação. Mas vimos a senhora Yelena entretida com a criança andarilha e decidimos não a incomodar. Por favor, nos perdoe.

    Ayel sempre se considerou um grande observador, e ele associa pessoas extremamente poderosas com certos comportamentos que os visitantes não apresentavam, pelo contrário, estavam acanhados.

    Era atípico.

    — Escutei pelos corredores desse castelo e pelas vielas da cidade que vocês são os dois melhores guerreiros do reino, se vieram até mim com essa postura, acredito que seja um empecilho muito grave. — vociferou o bárbaro.

    Kord encarou seu companheiro de batalha por alguns momentos, quando retornou sua atenção para o monarca, aproximou-se com alguns passos ímpares e caiu sob o seu joelho, explicou o que desejava.

    — Alguns batedores faziam rotas mais distantes do nosso território e notaram algo que precisava ser repassado, viemos aqui justamente para decidir qual seria o próximo passo em relação a tamanho caso.

    — Estou interessado, por gentileza, prossiga sem rodeios.

    Alvorada bebia lentamente, sentia o fermentado preencher seu interior e borbulhar conforme sua curiosidade aumentava.

    — Foi encontrada ao norte uma caravana que foi atacada. Levaram tudo, todo o ouro e suprimentos que iriam daqui para as vilas próximas.

    — E essa caravana por acaso é nossa? — indagou Ayel, encarava profundamente Kord que ainda tinha a palavra.

    — Sim, majestade.

    — E o que sobrou?

    — Na verdade… Nada. O cocheiro foi esfaqueado, os guardas reais que o acompanhavam foram depenados e desmembrados, e também… — O lâmina-Fria sentia um nó em sua garganta, como se quisesse engolir algo e seu corpo se recusasse.

    — Não enrole, guerreiro. — Ayel estava para perder a sua paciência, era possível ver o quão inquieto ele permanecia em seu trono.

    — Também encontramos uma garota, e ao escutar a descrição da mesma… Tanto eu quanto Claude sabíamos muito bem que se tratava de Danielle, a filha da parteira.

    As armaduras dos dois homens reluziam tão opacas, sem vida, seu brilho diminuiu. Refletindo o olhar sem alma que eles portavam no momento.

    O silêncio mais uma vez voltou a reinar no meio daquele salão, alguns guardas abaixaram as suas cabeças. Alguns criados murmuraram um sofrimento que poderia ter sido reprimido, mas falharam.

    Ayel olhou para todos ali no recinto, tanto a Onore quanto sua filha eram pessoas extremamente amadas naquele lugar, um fato que muito provavelmente teria a sua origem desde bem antes da ascensão de Aiden.

    — Que tragédia. E como ela foi encontrada? — questionou o ruivo.

    — Marcas roxas no pescoço indicando que a sufocaram, vestes todas rasgadas, suas entranhas para fora do corpo… Estuprada como se fosse uma cabra…

    A voz do Kord falhara antes de finalizar a sua frase, fechou sua mão com ódio e ergueu-se, sem ter tirado os olhos do rei.

    Claude estava logo atrás, virou o seu rosto para esquerda como uma tentativa falha de parar de prestar atenção no que estava sendo dito.

    — Você, criado. — Ayel aponta para um homem que estava ao lado, quieto, apenas esperando ordens.

    — Encontre Onore no castelo, passe essa informação para ela, mas seja gentil com as palavras. Não faça aquela mãe sofrer mais do que já irá.

    E o criado agiu imediatamente, saindo em silêncio e com a cabeça baixa.

    — Como procederemos, majestade? — Claude precisava escutar.

    — Conseguiram pegar o rastro do grupo desses bandidos que possam ter feito isso? — perguntou Ayel.

    — Ao que tudo indica, fizeram o restante do caminho da estrada e devem estar em Pharid nesse momento, enviamos alguns batedores que devem dizer melhor a localização. — Concluiu Kord, enquanto olhava para trás buscando alguma informação adicional que poderia vir de Claude. Mas nada.

    — Certo.

    Ayel se levantou mais uma vez, seu olhar chamava a atenção não apenas dos guerreiros, mas dos guardas e criados também. Como se o lugar todo estivesse congelado e a tarde se tornasse mais escura.

    — Peguem os três cavalos mais rápidos dos estábulos, nós iremos averiguar isso. — rosnou o rei.

    — Apenas nós três, meu rei? Sem mais nenhum reforço? — Kord estava surpreso.

    — Não precisaremos de reforço algum.


    Participe do meu servidor do Discord dedicado para a minha obra!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota