Capítulo 017 - O vinho das colinas!
Capítulo 017 – O vinho das colinas!
Com os rumores da unificação das guildas, de que todas estavam cada vez mais inclinadas a agirem perante a vontade da coroa, a moral da população explodiu em uma ascensão que nenhum estudioso poderia imaginar. Surtos populacionais atingiram o reino, que cresceu e prosperou em um semestre, mais do que poderia ter sido cogitado em uma década.
Um crescimento digno que caiu sob os ombros de Ayel Alvorada. Mesmo que guiado pelo conselho dos nobres, ainda se fazia muito acessível para os aldeões e isso era completamente inusitado. Tanto Aiden quanto Mahfus III eram homens que se isolavam completamente, quietos e distantes em seus tronos, aprisionados no castelo.
Já o bárbaro ruivo era visto quase todo dia na praça, comprando algo para comer, ou na taverna gritando com um bardo irritante. Ele se tornou comum a ponto de os transeuntes pararem de rodear sua majestade como se fosse uma celebridade para apenas aceitá-lo como um membro comum, sem perder o total respeito pela entidade que o tribal se tornou.
Caravanas chegavam nos portões aos montes, aventureiros vinham buscando oportunidades melhores de trabalho com sede em aventuras, agricultores buscavam o terreno de fácil plantio que todos juravam existir, famílias mudavam-se querendo um ambiente quieto e pacífico.
Paz, isso definitivamente. Quando Aiden ainda governava, a tribo bárbara continuava no reino, realizavam saques nas cidades e vilas próximas, destruíam o que estava fora para preservar o que existia dentro. Quando Ayel assumiu, os homens debandaram junto de Alicia, sua irmã mais nova.
Ele era o único forasteiro e parecia estar se adequando cada vez mais aos costumes burocráticos, embora ele negasse isso veementemente.
A extensão de Sihêon era absurda, precisam de algumas horas para cruzar todas as dependências do reino e isso foi fundamental para comportar tantas pessoas que desejavam morar nesse território. Era comum encontrar casas um pouco mais afastadas do centro, com suas áreas de cultivo. Pátios externos enormes de clãs mais abastados, árvores espalhadas quanto mais ao sul.
Em um desses pontos, um pouco mais distante, quase perto dos altos muros oeste, erguia-se uma casa imponente rodeada de alguns vinhedos. A fachada era de pedra clara, adornada delicadamente por grandes janelas arqueadas.
Dalila passou pelo grande portão de ferro forjado, havia um brasão decorado nessa entrada.
O brasão dos Belomontes consistia em uma colina com um escudo, uma mistura de verde com vermelho, harmônico.
O pequeno caminho da entrada era pavimentado com pedras claras, delicadamente polidas, entregando a visitante até um jardim. A algoz apressou um pouco do seu passo, assim que passou pela enorme porta refinada de madeira. Um dos criados a guiou até o quarto de Victoria.
— Pensei que vivesse no covil junto da Belle, até estranhei seu convite. — Dalila quebrara o silêncio assim que adentrou ao quarto.
O quarto da jovem Belomonte situava-se no andar superior da mansão, e exibia uma delicadeza que contrastava com o luxo austero do restante da casa.
As paredes estavam pintadas em um tom de lavanda bastante suave. Um grande dossel branco envolvia a cama que estava próxima ao centro da acomodação. Em um dos cantos, em uma mesa pequena com escrivaninha, estava a Victoria.
Ela estava escrevendo uma carta, aparentemente. Sorriu quando viu sua amiga da pele caramelo se aproximar, acenou com a cabeça.
— Passo lá boa parte do tempo, sim, mas aos fins de semana, retorno ao lar.
— Então é como se você tirasse alguma folga. Engraçado, não temos isso em Maut. — A visitante sorriu.
A pesada porta de carvalho rangia levemente quando foi fechada por Dalila, isolando-as do restante da mansão.
— Só mais um pouco e eu termino, então poderemos descer até a nossa adega, o que acha? — Dissera Victoria, com sua voz delicada, bem baixa.
O vento gélido invadia a acomodação pela janela escancarada, era uma tarde muito fria. Mas ainda assim, Victoria desejava a luz do sol para auxiliar sua escrita no papel envelhecido.
— Claro. Seria rude demais perguntar para quem você escreve? — indagou a algoz.
— Minha irmã, Emília.
— Não sabia que tinha uma irmã. — Dalila sentou-se na cama, o dossel estava aberto.
— Até um certo tempo atrás, eu também não. Em uma das viagens diplomáticas do meu pai até Eikõ, pouco após eu ter nascido, ele acabou se encontrando com outra mulher. Anos depois, descobrimos que ele acabou tendo uma filha com essa mesma. — Victoria falava com naturalidade.
— Pelos Deuses, e a sua mãe com essa história?
— Foi um choque, claro. Mas ela o perdoou, me pergunto se foi pelo medo de não ter mais acesso ao tesouro do clã. De qualquer forma, meu pai garantiu uma boa vida para a mulher de quem ele se deitou e minha irmã Emília, então elas estão bem. Acontece que eu e ela acabamos nos tornando muito amigas, então…
Victoria finalizara a carta, dobrando bem o papel enquanto a cera esquentava em uma chama mínima de uma vela em cima da madeira da mesa, pegou delicadamente o sinete para selá-la.
— É sobre sempre ver o lado bom da coisa, não é?
— Acredito que seja uma forma de se dizer. — Victoria levantara, começou a andar até a porta do seu aposento.
— E ela se parece com você? Quero dizer, vocês já se viram? — Dalila era por demais curiosa.
— Ah, até que ela se parece, sabe? Devem ser os traços fortes que todo Belomonte tem, mas ela também é bem próxima do padrão eikiano, os olhinhos puxados, a calma e serenidade. Um bom contraste, devo dizer.
— Adoraria conhecê-la algum dia.
— Nessa carta que irei mandar, eu faço um convite para que ela venha mais uma vez, podemos fazer algo nós três.
Ambas saíram do quarto de Victoria, a dama entregou a carta para um dos criados do seu pai para o mesmo enviar rapidamente para Eikõ. Após isso, desceram alguns lances de escada até chegarem na grande adega, o triunfo do clã.
Era um espaço fresco e úmido, havia barris espalhados pelo local, todos com o brasão, igual ao portão de ferro. Existiam garrafas, que foram empilhadas em nichos de pedra ou em algumas prateleiras de madeira, etiquetadas, catalogadas e protegidas como se fosse ouro.
Um aroma abundante de vinho envelhecido impregnava o ar, subia-nos pelas suas narinas a ponto de distraí-las. O aroma ainda misturava com o perfume de rosas que vinha dos jardins um pouco acima.
As duas se mantiveram ali por uma hora ou duas, conversavam coisas supérfluas e tricotavam a vida alheia. Dalila não tinha muitas amigas, nem mesmo dentro de Maut Ka Mandir. O encontro com Victoria na taverna a fez ter mais alguém para conversar e assim ela seguia. Já a mestra dos venenos tinha diversos conhecidos. Mas na grande nata dos clãs abastados não dava para saber quem realmente era verdadeiro ou quem apenas atuava, como os grandes nobres volta e meia faziam. Ela via sinceridade em Dalila, algo que faltava da classe mais rica.
— Tem visto a pequena? — A algoz mencionava a Joana dessa forma: A Pequena.
— Eu a vi algumas vezes perto dos campos de treinamento dos guerreiros, creio que Yelena esteja treinando a garotinha com seu manejo do arco. — Victoria tomava um gole generoso de vinho enquanto dizia.
— Yelena, nunca conversei com ela, mas ela me passa uma energia estranha. Não sei dizer, o que você acha?
Dalila estava encostada em um dos cantos da adega, com um dos pés servindo de apoio na parede. A taça de vinho dela já havia terminado e estava descansando delicadamente em cima de um dos barris ainda selados.
— Ela é jovem, líder de toda a guarda real, eu a respeito bastante.
A mestra dos venenos falava com um sorriso no rosto, continuava a dizer mesmo com a expressão de desaprovação que Dalila fizera:
— Gosto do fato dela ser uma mulher forte em um cargo de respeito, também não cheguei a conversar com ela, mas espero fazer amizade.
— Ah, não sei não, Vic. — discordava a algoz.
— Não era sobre isso que conversávamos noutra noite? No Melusina? Ela pode ser uma grande companheira, eventualmente, consegue imaginar nós três fazendo algo muito importante ainda, sendo lembradas neste reino por um feito da nossa força?
A Belomonte era uma romântica sonhadora, e as suas palavras agraciaram os ouvidos da amiga que estava encostada, tanto que ela acabou cedendo ao discurso e abrindo um sorriso em conjunto.
— Gostaria de ver algo assim, vou precisar confessar. — afirmou Dalila.
— Assim que eu a avistar mais uma vez, tentarei puxar algum assunto.
A garrafa de vidro estava cada vez com menos vinho, as bochechas da moça nobre dos cabelos cacheados coravam em um tom quase tão forte quanto uma rosácea, era bem fraca para bebida, mas sentia que estava ficando mais resistente. Coincidentemente, Belle bebia vinho tanto quanto os Belomontes.
Dalila olhou para as escadas e reparou que o sol não batia tão forte nos degraus de madeira igual outrora, preocupada por estar tarde demais. Achou prudente se despedir da sua amiga e rumar de volta para o santuário dos assassinos, principalmente hoje, onde o Anusha havia dito que tinha uma notícia de suma importância para informar a todos e a algoz falecia em curiosidade.
As portas de Maut Ka Mandir abriam apenas para aqueles que portavam katares.
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