Capítulo 021 - As curvas bárbaras!
Capítulo 021 – As curvas bárbaras!
Quando o tédio volta e meia atordoava este homem, o Grande Castelo de Sihêon sofria.
O bárbaro estava cansado de escutar as vozes esganiçadas e as frases repetidas que vinham incessantemente do Conselho dos Nobres.
Alas novas foram descobertas, Ayel fez questão de percorrer por corredores que não havia pisado antes, quartos foram mobiliados mesmo que ele não pisasse nos mesmos, pratos novos foram pedidos na cozinha.
Que desgosto.
Ele encarava a sua lâmina, o aspecto de velha parecia tê-la atingido. Mesmo que tenha feito poucas semanas desde a tomada de Pharid, para um bárbaro, ainda conseguia ser um espaço gigantesco de tempo sem uma peleja sequer, isso deprimiu o Alvorada em tantos níveis que o mesmo passara a ficar completamente irritadiço, com tudo.
Reuniões sobre controle de gastos, sobre a cobrança dos impostos e até mesmo reuniões para decidir as próximas reuniões. Que existência tortuosa…
Em suas andanças volta e meia para o Melusina Dançante, Ayel acabou apreciando hidromel muito mais do que quando novo, a ponto de algumas canecas não suprirem mais a sua vontade. Ele puxara para o castelo alguns bons barris que envelheciam junto do escuro de um cômodo perto da entrada e outros perto das cozinhas.
O salão do trono era onde ele repousava, segurava uma caneca larga que já estava vazia, sentado e sozinho. Atentou-se para a entrada do corredor quando uma criada surgiu anunciando uma visita.
Os ecos dos passos delicados da bela dama com seu arco resignaram o silêncio do ambiente. Ela andava com uma certa velocidade, mas ainda assim, era como se seus pés não tocassem o chão frio, pisava com leveza.
— Majestade… — A sentinela se curvava em uma reverência longa.
A vênia fora rapidamente cessada com o erguer da mão esquerda do tribal, que a olhava de cima.
— Há quanto tempo não te via. — afirmou o homem.
Yelena apertara fortemente suas mãos atrás do corpo, com nervosismo.
— Venho entregar para o senhor mais alguns dos relatórios mensais, há algumas novas aquisições da guarda real que acredito que vossa alteza precise saber… Ordenamos uma produção pesada para as forjarias próximas. São quase oitenta recrutas.
O Alvorada não reagiu, estava aplastado. Uma pequena centelha de animação parecia ter surgido em seus olhos, mas se apagaram quando percebeu que o motivo da visita da loira era mais uma vez sobre suas obrigações como monarca.
— Majestade, venho em má hora? — indagou a jovem.
A sentinela mantinha a sua cabeça baixa, seus olhos estavam fixos no chão de pedra polida, havia um bom tempo que ela não conversava diretamente com o rei. O peso daquela presença impregnava o ar com um clima tenso, ela estava desacostumada a tratar com o ruivo, não pareciam mais tão informais como fora no mês passado.
— Antes do tempo em que as guildas estavam reunidas como minhas subalternas, eu podia vê-la como além de uma general, mas também como uma amiga e eu acredito que isso possa ter mudado. Visto que suas visitas se resumem a isso, agora. — O rei estalou os dedos e um criado que estava no canto da parede andara até a sentinela, pegando os papéis.
— Digo, é isso agora? É dessa forma que devo vê-la, Yelena?
O silêncio retornou, pairava entre as colunas de pedra que mantinham o salão inteiro em pé. Ayel aguardou uma resposta, ao perceber que ela não viria, ele retomou.
— Consegue me dizer de onde vieram tantos escudeiros que agora anseiam participar das tropas reais?
— Alguns são pharidenhos, outros vêm de ainda mais ao norte, Thassar. — Yelena se ergueu, olhava para o rosto do homem.
— E quando aspira iniciar o treinamento deles?
— Majestade, no máximo em duas semanas, estou aguardando as entregas das forjas.
A voz da mulher saia suave, o rei apreciava escutar.
Havia tapeçarias nas paredes e elas balançavam tão suavemente com a corrente de ar que atravessava o local, com um sussurro solene.
— Compreendo. — O criado havia chegado até o trono com os papéis em mãos, Ayel pegou todos. — Definitivamente, são muitos nomes. A força real está ficando cada vez melhor, estruturada. Isso me agrada.
— Mérito seu, vossa alteza. — A sentinela reverenciou de novo. — Seus feitos chamam a atenção e tem criado uma legião de seguidores, não me surpreende que tenham vindo se alistar.
Ayel ajeitara no seu trono, aquela postura imponente refletia um poder que propagava pelo ambiente em cada pequeno gesto do bárbaro, era formidável. Yelena o observava ler aqueles papéis com uma certa admiração que não era possível disfarçar, estupefata em como um tribal conseguia ser tão majestoso.
A sentinela havia recordado: não estava interagindo tanto com o rei desde aquela vez na taverna onde no fim da noite acabou sendo beijada por Gwendolyn, aquilo fez a dama se afastar e não parar de pensar no assunto, enquanto fitava calmamente os riscos que os músculos relaxados do rei salientaram naquele trono.
Ela o desejava, ardentemente.
— Mais alguma coisa, além disso, ou sua visita encerra aqui? — indagou o bárbaro, tirando os papéis da frente do seu rosto para acertar seus olhos na visitante.
O olhar daquele homem desceu lentamente sobre Yelena, ele avaliava cada centímetro. Ela nunca havia se sentido tão intimidada quanto hoje, ao ponto de ter ficado imóvel. Como se permitisse que o tribal pudesse analisar da forma que preferisse.
— Também gostaria de pedir perdão. — Mais uma vez, a jovem caia em uma vênia.
— Desculpar-se pelo… O quê?
— Sinto que não estive tão presente para o senhor, majestade, e assumo completamente a culpa… Eu… — Yelena estava acuada, era uma pressão gigantesca, sua voz não tinha a menor intenção de sair.
— Não se preocupe com isso.
O bárbaro não pensava verdadeiramente que a comandante tivesse participação efetiva em todo o seu tédio interminável, ele dispensou os criados mais próximos para poder interagir com mais intimidade com a mulher na sua frente.
— Acontece que não fazer nada me cansa. — declarou o tribal, suspirando em decepção.
— Entendo perfeitamente como possa estar a sua rotina, não é de seu feitio um ambiente tão quieto, tão calmo. — A mulher buscava olhar os traços do rosto do homem, com empatia.
— Exatamente, Yelena… Eu não consigo me acostumar.
— Escutei os boatos rastejados pelos corredores que o senhor, majestade, estava perambulando por todos os lugares possíveis e conhecendo finalmente diversas alas desse enorme castelo. — Ela riu.
— Fiz exatamente isso, como soube?
— Conheço alguns dos criados, não brigue com eles, tudo bem? — A dama ergueu-se e ajeitou as vestes assim que esteve ereta. — E já visitou o jardim?
— Você diz… o campo que fica nos fundos do castelo, abandonado? — indagou o tribal.
— O jardim! O senhor Aiden iria fazer um jardim. Quer que eu mostre para o senhor?
O rei repousara uma das mãos no braço entalhado do trono, seus dedos rapidamente tamborilavam. Ele raciocinava, em silêncio, como responderia.
— Faça.
Ele se levantou, permitiu que a mulher o guiasse em seu próprio castelo, rumando à parte dos fundos do mesmo.
Quando passaram pelos enormes portões e pequenos muros de proteção extra, ambos caíram de encontro a um vasto campo, marcado pelo abandono do tempo.
Yelena apareceu na frente, animada. Quando retornou seu rosto para o caminho que vinha do castelo, percebeu uma expressão desapontada do rei.
O terreno parecia se perder no horizonte, com árvores espaçadas e imponentes, não havia mais nada construído em um raio extenso do próprio castelo, ele ressonava solitário no meio do reino.
— O que achou? — A sentinela sorria.
— Lembro que eu havia visto aqui pelas janelas algumas vezes, quando eu passava nos corredores leste do segundo andar… Quando te escutei dizer sobre, imaginei que seria outra coisa. — O bárbaro chutara uma pedra que voou significativamente.
O vento soprava lentamente pelo campo, criando pequenos redemoinhos de poeiras e folhas mortas que dançavam enquanto a dupla conversava.
— Ingrato.
— O que disse? — Ayel fitou diretamente a boca da mulher, querendo comprovar petulância, ainda assim, com um sorriso por uma interação claramente informal.
— Nada! — A arqueira correu mais adiante, se afastando do homem que precisou apressar o passo para alcançá-la.
A grama, que outrora era verde e viçosa, havia metamorfoseado em um âmbito de ervas secas e arbustos dispersos que estalavam e quebravam, criando um som alto enquanto eram pisados, a vegetação crescia rodeada de desordem. Conforme eles avançavam, o chão irregular fazia com que os dois encarassem afoitos onde precisavam pisar.
— Eu não vou te dizer com certeza quais eram os planos do seu irmão Aiden com um lugar assim.
Os dois haviam chegado próximo a uma das árvores. Yelena passara a mão sob o tronco, tentando sentir o que uma figura tão antiga podia te dizer de volta, ela continuou:
— Mas ele sempre chamou de “jardim”. Me atentei muito nesse detalhe.
Esse campo entregava uma sensação de angústia, tristeza. Ayel passeava com os olhos em um local em que seu irmão pensara em fazer algo, mas não conseguiu completar. Ele poderia assumir essa responsabilidade.
“O jardim do castelo… Posso terminá-lo, irmão… É o que deseja?”
A conversa, por mais que supérflua entre os dois, saciou levemente a agonia que repousava no peito do tribal, tanto que ele sequer conseguiu perceber o entardecer.
Yelena foi convidada para experimentar os pratos novos que o rei havia pedido. Muitos itens desse novo cardápio remetiam à época do homem, quando vivia em tribo.
Regados a javali e sopas com ossos.
Por mais que parecesse ter gostos requintados, a sentinela aprovou tudo.
Passara as horas, sem mais luz de sol alguma em cima do castelo, Ayel andava ao lado de Yelena nos corredores do terceiro andar, onde repousava a maioria dos cômodos que não eram utilizados.
Despretensiosamente, os dois estavam descobrindo o que estava depois das portas, às vezes era apenas uma sala comum com alguns baús, outros, adegas inativas.
Em alguns momentos, eles tentavam prever o que poderia estar aguardando eles do outro lado.
A sentinela limpava os olhos que enchiam d’água por conta das risadas, quando ela encarava o homem ao lado dela, ela não sentia aquela vontade de esconder qualquer vulnerabilidade, coisa que já havia acostumado a fazer com qualquer outro homem que interagisse com ela naquele reino.
Os obstáculos que haviam sido erguidos entre os dois por conta desse pouco tempo que ficaram sem interagir já haviam desabado, ela estava contente e o rei tanto quanto.
A dupla pairou sobre a última porta desse extenso corredor, o bárbaro colocou a mão sob as largas maçanetas ornamentais, coçava a garganta antes de proferir:
— Certo, e nesta daqui?
— Hum… — A sentinela se tornou um poço de seriedade. — Um armazém!
— Certeza? — indagou o ruivo.
— E o que você acredita que seja? — retrucou Yelena
— Acho que um espaço com algumas armaduras e armas, não vimos isso nesse andar ainda.
A expectativa aumentava conforme os dois passavam a criar teorias do que poderia estar adiante. Quando Alvorada abriu a porta e se lançou para dentro do cômodo, perceberam ser um quarto, um aposento luxuoso. De bate pronto, o homem riu, pois não cogitara isso. Já Yelena estava começando a se avermelhar nas maçãs do rosto.
Ayel prosseguiu adentrando ao local enquanto a loira se mantinha na entrada. No centro daquele quarto havia uma cama imensa, tão larga que acomodaria facilmente três pessoas deitadas. Todo o mobiliário era de madeira escura, com detalhes minuciosos.
O bárbaro ficara embasbacado com o que ele visualizava nas paredes, fora o que fez Yelena adentrar e explicar para o ruivo. Pregados perto da cama, próximos às janelas, diversos emblemas antigos que representavam os brasões de algumas famílias que, em algum momento, reivindicaram a posse daquele castelo. Os escudos eram esculpidos em relevo.
A arqueira observava o tribal de cima a baixo, conforme ele encarava com admiração e passava a mão sobre os escudos de famílias antigas, ela apenas ficava cada vez mais ofegante. Sentia seu corpo esquentar, sentia que poderia atacar o rei a qualquer momento.
Ela o desejava, ardentemente.
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