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    Capítulo 024 – ‎Caçada verde!

    Os homens batiam com os seus machados incansavelmente, os seus rostos suavam de forma considerável enquanto abriam caminho no enorme emaranhado de árvores que eram robustas e recusavam-se a ceder, pareciam estar lutando de volta contra todos os trabalhadores. Ayel usufruiu de parte do tesouro da coroa para contratar quase todos os lenhadores do reino. Ele não desejava destruir completamente o Bosque das Folhas Densas, apenas criar um caminho para as primeiras clareiras sem que existisse aquela antiga dificuldade já reconhecida.

    A cada árvore derrubada, mais raízes ficavam à mostra, haviam se passado dias desde a primeira ordem do tribal. Boa parte do trajeto parecia estar desmatado, criou-se um corredor de quase cinco metros de largura, mantendo ainda o grande bosque ao redor disso. O bárbaro criava uma extensa trilha, uma abertura.

    O cheiro de madeira recém-abatida impregnou o ambiente. Avançava o rei em direção onde os seus contratados estavam, passou pela borda do bosque junto de Amelie, Claude, Kord, Yelena e Kassandra. Todos foram recrutados para dar um fim na comunidade goblin instalada no interior dessa vegetação que ainda parecia tão impenetrável.

    — Esse foi o seu plano, majestade? — Yelena dissera com uma dúvida genuína.

    Ela andava cuidadosamente, seu arco balançava em suas costas conforme seu corpo se movia em direção ao seu rei que parou para observar os lenhadores.

    — Um dos.

    Alvorada estava sério, quando voltou seu rosto para trás e observou o grupo que havia trazido consigo. Ele cogitou se teria sido necessário convocar mais alguns, mas seus pensamentos foram interrompidos pela sentinela que continuou:

    — E o que o Conselho dos Nobres disse sobre isso?

    — A princípio, eles não gostaram muito da ideia, disseram que a população iria desaprovar quando soubesse do desmatamento, mas… Quando se deram conta da quantia de carga em madeira que poderia ser comercializada para reinos vizinhos… — assentiu o bárbaro.

    — Agora tudo faz sentido.

    A loira fitava os olhos do enorme homem na sua frente como se estivesse buscando uma comunicação não verbal. Yelena e Ayel não conversaram mais desde a noite que dormiram juntos.

    Ela sentia um certo medo de perguntar o que eles haviam se tornado e ser posta como uma reles meretriz. A sensação de ter agido como uma não parava de passar na sua cabeça, de qualquer forma, ela compreendia que o bárbaro estava passando por um momento em que precisava focar em outras coisas, escolheu respeitar isso e perguntaria em outro momento.

    O barulho dos machados atingindo os troncos ressoavam em quase todas as árvores que estavam mais próximas, as vibrações no chão podiam ser sentidas refletindo tamanha força sendo desferida nestes golpes, Kassandra observava os lenhadores avançando lentamente, ela estava um pouco afastada, pensativa.

    Kord e Claude estavam imediatamente logo atrás de Yelena, conversavam futilidades entre si enquanto ela papeava com o ruivo. Escoltavam principalmente a sua senhorita.

    Pequenos raios de luz passavam entre as copas, o denso do bosque engolia rapidamente qualquer feixe que tentava se aprofundar, isso criava um contraste gigantesco com a trilha que estava sendo aberta pelos trabalhadores da coroa, com o sol entrando em seu ponto mais alto.

    — Então o seu plano vai consistir em abrir caminho, creio que isso vá fazer com que facilite também uma possível fuga. — Yelena decidiu distrair sua mente, focando no bosque tal qual o homem que ela conversava.

    — Cheguei a cogitar sobre isso, de fato é algo que podemos usar a nosso favor. Mas também desejo compreender um pouco melhor esse bosque. Bruxo Negro me assegurou que aqui é um lugar importantíssimo. Então, confio nele.

    Alvorada estava com uma expressão fria. Por ele, tudo poderia ter sido ateado fogo e os goblins perecessem no meio sem ter como fugir. Mas ele deu sua palavra ao arcano. Respirava fundo, observando a labuta que o aguardava, até reparar Amelie surgir pelo seu lado esquerdo, tímida e quieta. Ela praticamente não falara até o momento.

    — Meu mestre já me contou isso algumas vezes, sobre o Bosque das Folhas Densas ser um ambiente que exala naturalmente mana, uma zona ermida. — Dissera ela.

    Ayel olhara para o lado, Yelena fez uma expressão de quem havia entendido o que Amelie disse, ele mesmo não fazia ideia que espécie de zona era essa, mas decidiu não mostrar essa ignorância agora. Ele iria perguntar ao Bruxo Negro mais tarde.

    — Ah… Sim. — Dissera Ayel enquanto fingia naturalidade em relação ao tópico.

    — Nox Arcana tem um interesse forte no bosque, garota? — Yelena fitava bem a bruxa dos pés à cabeça.

    — Acredito que apenas para estudo, senhora Yelena.

    Amelie reconhecia a sentinela, muitos boatos e lendas já percorreram todo o reino e serviam apenas para aumentar a moral que a loira tinha para com os moradores, uma arqueira inabalável, uma líder respeitável.

    — Eu entendo, e não precisa me chamar de senhora… Tudo bem?

    A arqueira sorriu e a arcana se sentiu acolhida. Ambas iniciaram uma pequena discussão sobre a importância do bosque não apenas para a academia arcana, mas também para o reino. Alvorada, sem entender como ele agregaria nisso, apenas se afastou, deixando ambas conversarem em paz.

    O chão ao redor deles estava repleto de serragem e folhas mortas. O tribal percebeu que a necromante estava um pouco afastada dos outros e decidiu se aproximar, andando devagar, fazendo um gigantesco barulho que as pegadas naquele chão proporcionavam no momento.

    Kassandra parecia observar um dos lenhadores que estava mais próximo dela, mas era apenas uma impressão, seu olhar, mesmo que encontrasse aquele homem, ainda o transpassava, viajava adiante. Ela encarava o vazio, como se dissociasse da realidade.

    — Quando eu a encontrei no Mausoléu uns dias atrás, eu te disse que ele seria vingado, e ele vai ser. — Ele a alcançou.

    A ruiva retornou para si, olhara para o lado percebendo o rei. Ela curvou lentamente como uma saudação.

    — Eu sei, majestade, mas não estava pensando nisso… Acredito que, na verdade, eu tenha negligenciado a morte de Phellege.

    O semblante da necromante ruiva era de completa exaustão, como se ela já tivesse perdido todas as esperanças. O monarca inclusive se surpreendeu, ele podia jurar que a morte era algo natural para os necromantes, ele se perguntava o porquê dela estar se lamentando tanto.

    — Negligenciado? Você estava longe. — Ayel prosseguiu.

    — Mas eu sabia. — A líder dos necromantes sempre fora direta.

    — Sabia? Como? — Alvorada olhou para trás, percebendo que mais ninguém escutava a conversa que ele mantinha com a Morta-viva, a olhou novamente com um rosto que transparecia uma enorme dúvida.

    A necromante encarou o ruivo, apontou para um dos olhos, chegou a levar o indicador perto da pele inferior e esticou para que ele pudesse ver ainda mais.

    — Os olhos do exício1.

    Ela proferiu durante o momento que soltava o seu olho, aquelas duas escleras brancas quase acinzentadas que ela carregava no rosto era um chamariz.

    — Eu sempre reparei nisso, em quão diferente seus olhos eram… Não sabia que tinha um nome.

    — Recebi isso de herança da minha mãe, se concretizou depois que ela fez um ritual onde meu pai acabou sendo sacrificado, ele era um agressivo beberrão, então eu sequer fiquei triste sobre isso.

    Ayel não sentia empatia por desconhecidos, ignorou completamente o comentário sobre o pai morto, estava interessado nos olhos da necromante.

    — O que isso faz?

    — Quando encaro uma pessoa por muito tempo, completamente focada, é como se eu pudesse visualizar uma aura ao redor dela, que vaporiza como uma energia… É a força vital, quando essa aura que visualizo soa estar fraca, então sei que essa pessoa está para perecer, eu vi isso no Phellege, eu só pensei… Pensei que seria algo natural que o tiraria de mim. Não isto.

    A voz da Morta-viva enfraquecia enquanto sua frase progredia em sair pelos seus lábios de cor pálida. O tribal cruzou os braços sem desviar a atenção que tinha para com a Kassandra ao mesmo tempo em que a escutava. Inseridos no meio daquela muralha natural onde as copas se entrelaçavam.

    A necromante perdera-se nos seus devaneios, focando os olhos do exício e enxergando gradativamente as auras ao redor de todos, dos trabalhadores que golpeavam compassadamente. Até os outros aventureiros, assim como ela, apoiados nas árvores que já haviam sido cortadas, que formavam pilhas irregulares de troncos que ainda não foram completamente removidos.

    A distração dela cessou quando escutou o alto estalar do dedo do seu rei, ela voltou a si e defrontou o monarca.

    — Estava fazendo isso, estava usando os seus olhos? — O rei suspirou.

    — Sim, majestade. Perdão. — Kassandra balançava o rosto rapidamente para voltar a focar a sua visão como sempre fazia.

    — Quero que me prometa algo. — A voz do Alvorada era profunda, não passava unicamente pelos ouvidos, mas atingia perfeitamente a alma, suave e forte. — Não diga sobre a morte de alguma pessoa, morte essa estando próxima ou distante. Exceto caso essa pessoa queira saber.

    — Claro, eu entendo, farei isso. — Ela fizera uma curta reverência.

    Ayel descruzara-lhe os braços, andou mais próximo da mulher e colocou uma das mãos em seu ombro esquerdo. Kassandra seguiu com os olhos o caminho da mão até tocar nela, então voltou a olhar os olhos do seu rei.

    — Lembre-se de que este foi um fardo que você está escolhendo carregar, não despeje ele em cima de quem não precisa saber disso.

    — Como quiser, alteza.

    Ela estava com o interior da mão coçando por conta da ansiedade, queria muito dizer para o Alvorada que ela não conseguia ver a aura de vitalidade dele e isso nunca havia acontecido antes. Porém, como ele não perguntou mais nada, ela foi obrigada a viver com essa informação para si.

    Então, a mulher se recordou do seu maior objetivo.

    — Phellege, o corpo dele, eu quero. — A senhora do Mausoléu do Sofrimento soltou a frase quase que em um ímpeto.

    — O quê? — O bárbaro ainda tocava no ombro de Kassandra, soltou e afastou um pouco. — Deseja o corpo dele, para quê?

    — Sou uma necromante, meu rei. Darei um uso.

    Ela sorriu maliciosamente.

    — O seu aluno faleceu há pelo menos duas semanas, sabe que o corpo dele vai estar completamente pútrido, não sabe? — O tribal ainda prezava pela racionalidade.

    — Tenho poder suficiente para deixá-lo útil de novo, aquele corpo será meu.


    1. Exício: sinônimo para estrago, perdição, ruina. É comumente associado como morte humana.[]
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