Capítulo 029 - Pacto de sangue!
Capítulo 029 – Pacto de sangue!
“Deus, me proteja!”
Os passos do alvo soavam apressados, atropelavam-se em um ritmo frenético e desesperado. Ecoando no silêncio sombrio da madrugada.
Dharok movia-se pelas vielas estreitas e escuras de Bramut, olhava para trás volta e meia. Extremamente nervoso.
O senhor malfeitor sentia, intrinsecamente em sua garganta, algo que lhe segurava o ar. Um algo invisível que acelerava seu coração enquanto tirava o fôlego dos seus pulmões, por mais gélido que o vento estivesse. Seu peito arfava em agonia… Era o medo da morte.
“Oh, meu altíssimo, eu não mereço isso!”
A mente do velho não parava um segundo sequer, estava completamente arrependido, uma sensação que subiu sua espinha assim que reconheceu a presença dos assassinos na sua frente.
Não que ele visualizasse todos os seus crimes como ações errôneas, ele não se via como um demônio.
Seu arrependimento era por ser pego, não pelas atrocidades que cometeu.
Outra vez, olhara para trás, em busca dos seus agressores. Ele não conseguia escutar a dupla, mas podia ver as silhuetas dançarem no meio das sombras criadas pelas casas, vez ou outra surgiam por conta da luz das tochas que tremulavam suas imagens. O homem sabia que não iria ter vigor o suficiente para prosseguir por muito mais tempo, seu plano era despistá-los no labirinto desorganizado no qual a vila se apresentava.
Sua única chance de escapar surgira pouco após ele retornar sua visão para a pequena estrada cujo corria. À frente havia uma esquina estreita e suja.
A tática consistia em virar rapidamente para impedir que seguissem o seu rastro, ele pensaria em algum lugar para se esconder assim que fizesse essa curva.
Ele virou o mais rápido que sua idade e seu corpo permitiram que fizesse. Mas algo estava estranho, ele tinha essa sensação.
Percebia em si uma estranheza gigantesca, como se o caminho à sua frente estivesse quieto… Quieto demais.
Dharok não conseguiria nem imaginar que os algozes eram tão impiedosos e astutos a ponto de ter traçado cada atalho. Ele não sabia que Lavish e Niyati haviam decorado cada curva daquela cidade, cada beco, cada anexo.
Eles haviam inclusive, traçado possíveis trajetos que o velho mesmo poderia pensar em tomar caso acabasse tentando fugir, como fora o caso.
Guiaram-no para uma armadilha que o homem sequer pensara que poderia acontecer. Uma emboscada infalível.
O senhor acelerara suas passadas, ignorava o suor frio que escorria por suas têmporas. Seu coração batia tão acelerado que pulsava fortemente até nos seus ouvidos, o som do seu coração somado a respiração ofegante da corrida abafava o barulho dos seus próprios passos.
Outra esquina mais a frente, ele virou ainda correndo para somente se deparar com Lavish que abrira um sorriso diabólico.
Um beco. O velho tremeu mais naqueles segundos do que em toda a sua vida, tentara recuar virando-se de onde veio, mas já era tarde demais. Havia sido encurralado.
Das sombras emergiram Niyati, que estava na entrada do beco. Bloqueando a sua saída.
Já Solanki que estava do outro lado, aproximava-se.
— Até que corres bem. — admitia o algoz.
— E não é? Eu quase comecei a ficar cansada… Parabéns. — Niyati limpava a poeira das suas vestes.
As pegadas lentas dos membros Maut Ka Mandir aproximavam-se do seu contrato. O senhor sentira um medo que fugiu completamente da razão, tão genuíno e profundo que seu corpo paralisou completamente.
— Não quero atrasar isso mais do que já fizemos. — Lavish estava atrás do homem, tocou em um de seus ombros enquanto dava uma joelhada onde a perna do senhor dobrava. Forçando-o a ficar de joelhos encarando a Niyati.
— Não vai dizer nada? Um último pedido, suas últimas palavras? — Ela aproximava bastante o seu rosto ao do seu alvo, enquanto o seu companheiro de guilda colocava a katar na mão vazia.
Dharok sentia-se como se estivesse reduzido a um simples nada. Toda a sua vida dependia unicamente dessas duas pessoas que o apavorava completamente. Ele não conseguia falar nada.
— Aisa hee hoga… 1
Dissera o algoz Solanki enquanto puxava o cabelo do senhor para que não parasse de encarar a sua companheira de guilda, enquanto deslizava a sua katar pelo pescoço velho.
Os dois encaravam o homem, sem o soltar. Observavam friamente o sangue chorar pelo pescoço inteiro do alvo, escorrendo pelas vestes e criando um pequeno rio fúnebre após seus joelhos encostarem no chão frio de Bramut. Observavam-no se afogar com seus próprios fluidos. Fitavam seus olhos sem piscar.
Esse rito era chamado de “Julgamento do Algoz”. Um ato no qual o assassino de Maut Ka Mandir fazia questão que sua vítima o visse pela última vez. Obrigava o assassinado a compreender os motivos para sua vida ter sido ceifada, criava uma última tortura sem pedido de ajuda.
— Sério… Eu realmente cansei. — Brincava a senhorita Ma enquanto o seu parceiro limpava a katar do sangue. Lavish soltou o corpo do criminoso.
Quando o corpo caíra sem vida, um suspiro de susto fez com que a atenção dos algozes voltasse para uma parte do beco coberto pelas trevas. Conseguiram ver após terem prestado muita atenção. Do lado de um amontoado de lixo e carvão, havia uma criança, que havia observado tudo. Ela estava com uma expressão de horror pior que a do assassinado, ao redor de onde ela estava sentada. Uma poça morna indicando que havia se urinado pelo medo. Ela não devia ter mais que cinco anos.
— Talvez esse tenha sido o contrato que nós mais deslizamos. — O algoz apontou a katar para a criança, que empurrou a parede com as costas pelo susto. — O que faremos com ela?
— Lavish! — A mulher segurou a mão do seu amigo.
O homem ainda mantinha a sua expressão neutra, mesmo encarando uma garotinha na sua frente. Já a algoz da pele de caramelo começava a criar um rosto deveras empático para aquelas vestes.
— Nós não matamos inocentes! — Niyati prosseguiu.
— Mas também não deixamos testemunhas.
A garotinha parecia uma sem-teto, seus trajes eram rasgados, sujos e fedidos. Seus pequenos olhos estavam cheios d’água, mas ela não tinha coragem de chorar, com medo do que poderia acontecer se irritasse a dupla.
— É ela ou nós, o mestre Anusha vai perguntar, precisamos ser sinceros nos nossos relatórios… — O homem ergueu a voz. A criança tremia, encolhida contra a parede áspera do beco.
Seus dedos pequenos apertavam-se contra a roupa. A garota estava com o rosto pálido e os olhos arregalados, sem um pingo de coragem para respirar, até.
— Isso vai assustá-la mais do que o necessário, você sabe.
A algoz parecia estar barganhando, ela reconhecia o sentimento do seu parceiro que evitava falhar independente do que acontecesse, não que em contratos anteriores eles tivessem caído na ação de assassinar alguém que não deveria ser ceifado. Ela também sabia que Solanki não tinha a menor vontade de acabar com a vida de uma pobre criança indefesa, mas se obrigado por conta da guilda, ele talvez acabasse pendendo para esse lado mais cruel da profissão que escolheram.
— Sei que até alguém como o nosso mestre possa ser misericordioso, vamos ser cautelosos!
— Cautelosos, Niyati? Erramos duas vezes na mesma noite… Você… Você insiste em errarmos uma terceira vez? Não posso permitir!
A criança estava transtornada, as vozes dos algozes contrastavam enquanto debatiam… Ela conseguia sentir a mudança do clima, como se aquecesse enquanto a mulher falasse, mas tudo ficasse frio novamente quando o homem a ameaçava de novo. Os ecos da discussão dos algozes ressoavam como golpes de martelo dentro de sua mente, ritmados como ela sempre escutava no dia-a-dia de Bramut.
— Repense! Podemos achar outra saída! — A mulher estava pronta para ficar entre o algoz e a criança. — Ela não é uma ameaça.
— Certo, e qual a sua ideia, então?
O homem queria que sua dupla estivesse correta, ele desejava do fundo da alma que ela pudesse encontrar uma solução, apenas ele saberia que iria acabar perecendo por dentro se a sua katar fosse ao encontro do pescoço de uma garotinha tão assustada. Ele não deixava de escutar diversas vezes os alertas do mestre Anusha de que isso um dia poderia acontecer. O algoz poderia jurar que estaria pronto para uma situação como essa, no fim, não estava.
Ele agradeceu internamente aos céus que não estava sozinho nessa, que a algoz Ma estava com ele e poderia dar uma luz no meio da escuridão dos seus pensamentos.
Lavish daria uma única chance.
- Esse termo origina-se do híndi “ऐसा ही होगा।”, que pode ser considerado o equivalente a “Que assim, seja.”[↩]
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