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    Capítulo 044 – ‎Sangue no beco!

    Entre ruínas e corpos, a praça lentamente renascia. Agora sem mais inimigos, os clérigos podiam trafegar e trabalhavam sem descanso, relicários vieram dos abrigos ao norte para ajudar.

    Os mortos estavam sendo recolhidos.

    A praça ainda carregava aquele odor ferrugento do sangue derramado.

    Os escombros eram removidos, as bandeiras, mesmo que rasgadas ou queimadas, eram erguidas mais uma vez.

    A vida voltava, ainda que tombando e tropeçando.

    A praça estava completamente devastada, por mais que todos estivessem finalmente contemplando a sensação de alívio. Belle não sentira isso.

    O rei e o algoz partiram para o sudoeste. Em meio à comemoração.

    Seu olhar na realidade seguia Anusha, analisava cada detalhe dele, enquanto ele conversava com o ruivo. Cada gesto.

    Algo naquilo não estava correto, e a viúva nunca ignorou suas intuições.

    A mulher do covil do escorpião encarou rapidamente Yelena, que parecia distraída, pois ela acabou encontrando Kord e Claude um pouco mais distantes. Ela verificava se ambos estavam bem.

    A mestra dos venenos voltou então para a sua subalterna. Apontou para os dois, se afastando.

    — Siga-os. — ordenou a viúva.

    — O quê? — A Vic não compreendia, estava permitindo que o clérigo finalizasse suas ataduras.

    — Anusha é um senhor de guilda, preferiu se retirar a ter que falar algo aqui onde todos possam ouvir… Deve ser uma fofoca muito forte, não acha?

    Belle semicerrava os olhos enquanto observava o algoz se afastar ao lado de Ayel. Ela sempre duvidou da corja de Maut Ka Mandir.

    — Senhora Belle?

    — Dê a eles uma certa distância e depois siga-os para mim… Faça por mim, meu amor!

    A mulher não poderia explicar para a sua aprendiz o motivo de odiar tanto os membros algozes, soaria preconceito todo esse repúdio vindo do nada. Não que fosse mentira, Belle gerava um asco gigantesco por todos que carregassem katares nas cintas.

    Mas, como sempre, a voz da experiência vencia a mentalidade da jovem Belomonte, que tinha um desejo latente de agradar e ser útil.

    — Sim… Sim, senhora. — reverenciou Victória.

    A garota dos cabelos ondulados e negros esperou a atadura ser fixada corretamente, enquanto a Belle encarava o clérigo que fazia o serviço, sinalizando silêncio com o indicador nos lábios do mesmo.

    Ela ergueu-se e começara a caminhar em direção à dupla que seguia para um distrito ao lado da praça, não muito longe dos altos muros.

    — Vic. — Belle chamou a atenção da subalterna antes que ela não conseguisse mais escutar.

    — Sim, minha senhora?

    — A princípio, apenas siga, mas não se aproxime a ponto de repararem a sua presença. Claro que você precisa entender que somos lindas mulheres espalhafatosas e chamamos a atenção, mas vou pedir para que tente ser o mais furtiva que conseguir. Certo?

    — Claro, senhora Belle.

    — Tente escutar tudo que dê para escutar sem interferir nessa pequena reunião desses dois… E não esqueça de me contar tudinho!

    A viúva precisava disfarçar, transformara seu ódio por algozes como se fosse apenas uma pequena curiosidade de uma mulher intrometida. Talvez esse discurso fosse mais efetivo para a pequena Belomonte do que os arrepios que a mestra dos venenos sentia naquele momento. Que não cessou mesmo quando ambos já haviam sumido no horizonte.

    Belle partiu.


    Os passos do mascarado ecoavam suavemente contra as pedras irregulares da rua, o seu ritmo era cadenciado como de um predador. Nada que Alvorada pudesse notar, ainda estava com a respiração forte devido ao cansaço. Ayel não conseguia nem pensar quantos dias passaram enquanto batalhava, também não tirava que: se Anusha o convocava. Mais um problema viria, e o bárbaro apenas queria descansar.

    O caminho escolhido fora um que serpenteava para longe da praça, afastava ambos gradativamente da visão de qualquer curioso. Anusha sabia o que fazer, optou por uma direção que poderia fazer com que o rei acreditasse que acabariam indo para Maut Ka Mandir, mas não chegariam nem perto.

    Essas ruas eram de moradias desocupadas e silenciosas, provavelmente de aldeões levados pelos membros do laboratório das maravilhas para o norte por segurança. Era a situação perfeita, Anusha não desejaria manter mais nenhuma testemunha do que seria feito.

    — Então, qual o motivo da conversa? Preferiria que me adiantasse o assunto, senhor Anusha. — indagou Ayel, sua voz carregava uma exaustão.

    No entanto, nada. O mascarado não respondeu, perseguia firmemente no trajeto que induzia ao engano. Permanecia no convite à falsa segurança do tribal ruivo.

    — Anusha?

    Um brilho brilhara no meio do ar, entre o beco que começara a ficar escuro com o cair da noite.

    O aço curvo e conhecidíssimo da katar do algoz atravessou elegantemente a escuridão em um arco de traição. Tão rápida quando um monstro faminto atrás da sua presa.

    Mesmo que assustado, Ayel instintivamente arrancou sua espada bastada da bainha, desesperado. Chocando um tanto torto, os dois metais ressoaram no silêncio das casas vazias.

    As faíscas iluminaram a máscara de raposa inexpressiva. Como também o rosto assustado de um bárbaro confuso.

    — Que merda é essa, Anusha!? — bradou o tribal, com os músculos retesados pela investida súbita.

    — Sem tempo para explicações, altíssimo.

    Sem hesitação alguma, o algoz continuara com seus golpes. Seguidos e precisos, a expressão oculta sob sua máscara era um mistério, mas ele não carregava uma centelha sequer de arrependimento.

    A segunda investida chegou antes mesmo que Ayel pudesse formular alguma outra frase. A katar deslizara com uma precisão mortal, buscando o pescoço do ruivo. Alvorada mais uma vez bloqueou por instinto, seus olhos ferviam incrédulos.

    Cada golpe era certeiro e impiedoso, letal, se atingisse.

    — Eeeei! — vociferou Ayel, recuando dois passos.

    “O que caralhos significa isso?”

    O coração do rei acelerou, batia forte quanto um tambor goblin da guerra. Existia uma fúria crescente pelo completo desrespeito, mas ainda assim estava uma pequena fagulha de confusão que permanecia presente. Ayel estava preso em seus pensamentos, como estava preso com um lunático cheio de lâminas.

    “Isso é uma traição solitária? Os outros algozes estão com esse cara? É fruto de algo maior? Isso é uma rebelião? Aproveitaram a guerra para atacar?”

    Anusha corria em direção ao jovem, que precisou criar mais uma distância para escapar de mais um corte.

    “Eu fiz algo de errado?”

    De qualquer forma, Ayel precisava sobreviver. Então, decidiu ignorar todos os seus pensamentos e deixar de ver Anusha como um igual, como um súdito.

    O homem de Maut Ka Mandir se tornou um bandido qualquer que precisava ser finalizado, e matar nunca foi um problema para um bárbaro. Que sorriu.

    Os olhos assassinos cruzaram o algoz que hesitou pela primeira vez.

    — Não ache que eu não vá derrubar você — rosnou o rei. — Cometeu a burrice de vir para cima de mim!

    O mascarado sentiu o terror, é claro. Mas muitos pharidenhos se aproveitam do uso das máscaras para manter suas poses corajosas, então Anusha apenas riu.

    Uma risada aguda desprovida de qualquer emoção além do eterno desprezo.

    — Um macaco que só balbucia — murmurou o algoz.

    E o senhor de Maut correra mais uma vez, para mais uma investida.

    — Está na hora de exterminar as ervas daninhas do reino!

    Houve um choque e foi avassalador, após cada golpe. Ayel se viu forçado a ceder terreno, mesmo que naquele momento já estivesse visualizando Anusha como um inimigo qualquer. Não seria nada fácil sobreviver um embate como esse. Cada movimento criava uma linha tênue entre a sobrevivência e a morte.

    O algoz dançava, assim como a maioria dos seus aprendizes. Golpes diagonais, certeiros, cortes ritmados e espaçosos.

    A precisão era assustadora.

    Ayel defendia, contra-atacava, tentava dobrar o adversário com a sua força bruta, mas Anusha estava longe de ser um inimigo comum.

    Aquele era o representante de Mudamir, senhor dos algozes. Um homem que fez a morte ser sua arte e seu sustento. Um caçador que não perseguia cervos, sim, homens.

    Ayel era um colosso, mas até titãs sangram.

    E o vermelho real chorou sob o beco escuro. O bárbaro sentira o frio do aço perfurando a sua carne.

    Um choque.

    A dor se espalhou como se fosse fogo, o ardor da carne rasgando perante a presença da arma inimiga.

    Golpes de katar doem com veemência.

    O tribal grunhiu, como uma besta que acabara de ser ferida, recuou um passo, sentindo o calor escorrer pelo corte que havia sido feito no seu abdome.

    — Como é o gosto do seu sangue? — sussurrou Anusha.

    O algoz inclinava a sua cabeça, ele observava sua obra, orgulhoso por ferir alguém tão importante.

    Antes que o Alvorada pudesse se recompor, outro golpe abateu fortemente contra ele. Sua defesa estava completamente comprometida, a ferida nova ardeu. Mexer-se muito era tortuoso, ele estava sem fôlego.

    Um corte no abdome, uma perfuração na costela.

    Em vinte minutos contra o algoz, Ayel sangrara mais que contra os goblins todos.

    Maldita pressão, o bárbaro era sim um jovem forte, mas carregava o peso de dias e dias de uma guerra sem descanso. Enquanto Anusha movia-se com uma precisão estúpida, um algoz ardiloso e ágil. Com anos de experiência e um longo descanso estampado.

    O rei rangia os dentes, orgulhoso demais para apenas ceder, ou correr em busca de auxílio.

    Teria que resolver tudo ali, naquele momento.

    Ele precisava responder à altura ou existiria outro regicida além de Aiden.


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