Capítulo 065 - Banquete do vinhedo!
Capítulo 065 – Banquete do vinhedo!
Com a queda do sol, a lua outra vez clareou os vastos vinhedos nos campos Belomonte. A brisa gélida da escuridão festejava entre as paredes externas da mansão da família, os brasões da fachada brilhavam com a luz opaca.
Um escudo com uma vinha distorcida da cor roxa.
Essa era a residência do tronco principal da família, existiam outros Belomontes, mas menos influentes, com menos terras. Primos distantes, alguns em Sihêon, outros tentavam a sorte para o norte.
Nenhum deles havia conseguido tanto sucesso com os vinhos, tal qual o patriarca. Que bebia um pouco deste em sua taça dourada.
No grande salão, havia diversos criados servindo o banquete. A mesa estava tão farta, carnes bem temperadas, pães macios e molhos com um aroma acolhedor. O verdadeiro orgulho de uma casa tão abastada.
Entretanto, diferente da harmonia dos pratos servidos, os três sentados à mesa não replicavam o mesmo sentimento. Eric, o patriarca, passava as mãos nos seus cabelos curtos e cacheados, não deixava de observar sua filha, tampouco tentava disfarçar a sua inquietação.
Iolanda, sua esposa, fitava seu prato como se a fome sequer existisse. Ela era uma mulher pálida e magérrima, uma das nobres mais lindas de todo o reino.
Os três comiam com uma sutileza quase tímida, um ambiente onde claramente existiam conversas e risadas se deu como um local frio e distante. Física e emocionalmente.
Victoria, mantinha seu nariz empinado com suas vestes de alta alfaiataria, afastava o garfo com um gesto elegante.
— Mal tocou no seu assado. — comentou Eric, rompendo o silêncio, encarando a garota.
— Já estou satisfeita, senhor meu pai. Muito obrigada…
A filha respondera sem o encarar diretamente.
— Seu prato continua cheio.
— Estou um pouco farta de carneiro.
— Essa comida é mil vezes melhor do que aquelas coisas estranhas que a viúva te faz comer no Covil do Escorpião.
Sempre que possível, Eric gostava de atacar Belle e todas as suas meninas. Ele repreendia o fato de sua filha ter seguido caminho como uma aventureira e não assumir os vinhedos com a idade certa.
— Não é sobre isso, só não estou com tanto apetite assim. Qual o problema? — rebatera Victoria.
— Você está preocupada com a saúde do rei, não é isso?
Eric lançara a questão, fazendo com que sua filha finalmente o encarasse nos olhos. Ayel estava acamado, havia duas semanas que a caravana retornou das planícies de Katze, ainda assim, o rei bárbaro estava tão ferido que não conseguia levantar. Diferente de quando fora atingido pelos goblins e Anusha: o impacto de Bruxo Negro sobre o corpo tribal o destruiu internamente, mesmo com as mãos curativas dos clérigos. Ele obrigatoriamente precisaria descansar, sem qualquer espécie de esforço.
— Me esforcei tanto para ter uma filha… e ela se torna uma concubina qualquer. — atacou Eric.
— Pai!
Victoria ergueu-se da cadeira.
— Eric? — interveio Iolanda friamente. — Que desrespeito é esse com a nossa filha?
Assim que escutaram, os criados, percebendo o quão problemático escalaria essa discussão, esgueiraram-se para fora do salão em uma velocidade surpreendente.
— Se eu estiver errado, Iolanda, você me corrija. — retrucou o patriarca. — Nossa filha está claramente aceitando ser uma das inúmeras amantes do bárbaro. Não imagina a vergonha que isso cai sobre a nossa casa.
— Eu não estou me submetendo a nada que tire a honra dos Belomonte. Até porque quem está com Ayel sou eu, não o clã inteiro.
— Mais respeito com seu pai.
Iolanda advertira, ela tentava manter o mesmo tom quando interagia com qualquer um dos dois, era uma tensão entre pai e filha, ela não guardava essa mesma mágoa.
— Me admira muito, senhora, minha mãe. Ele quer pagar a imagem de um homem íntegro, sendo que tem uma filha bastarda em Eikõ. Trair sua esposa em sagrado matrimônio também não traz vergonha para a família, meu pai?
A mestra dos venenos parecia ter uma raiva contida, embora tenha começado a interagir com a sua meia-irmã, Emília. O fato dessa infidelidade fez seu pai perder toda a credibilidade que um dia havia erguido. Pelo menos, para ela.
Seus cabelos longos e cacheados viraram-se rapidamente, o estalo de um tapa ecoou por todo o salão que parecia vazio. Victoria estava mais surpresa do que ferida por ser atingida pelo seu pai no rosto.
Iolanda apertara os olhos, mas nada dissera, acabou ficando em silêncio, pois ela mesma também remoía essa traição quando parava para pensar.
— Isso sequer te diz respeito. — brandou Eric após acertar um tapa em sua filha.
— Tenho um bom contato com a Emília, e ela pretende me visitar um dia… Honestamente, invejo a sorte dela por não estar sob a influência de um homem escroto igual a você!
— Você que não se meta com os lados de Eikõ!
O homem rosnou, erguera a mão com muito mais raiva para acertar pela segunda vez a garota, porém, dessa vez, uma mão pálida segurou seu pulso. Iolanda havia se levantado e o repreendeu:
— Ela não está errada, Eric. O bárbaro não a tomou como esposa, mas também não a desrespeitou. Ele a tem como uma pessoa querida e próxima. Você… — Ela mantinha os olhos fixos no marido. — Você não tem moral alguma para ditar com quem nossa filha se relaciona ou deixa de se relacionar.
Aquela frase soou como um soco no estômago do patriarca, ele estava certo de que teria o apoio da sua mulher para repreender a sua filha. Mas, analisando friamente, ele percebeu que ambas estavam contra ele. Isso o deixava irado, mas ele não transpareceu mais do que já estava fazendo.
O casamento entre os nobres raramente chegava ao ponto de envolver verdadeiro afeto. Mas sim, eram pactos ou tratados em busca de alianças. Era a forma nobre de deixar o seu poder sempre elevado. Quando Iolanda havia sido prometida a Eric, ela não era nada além de uma jovem inocente.
Por mais que arranjado, o casamento dos dois fora muito feliz, embora ela tenha ficado bem mais cautelosa quando soube da filha bastarda.
— Imagina como fico sendo membro do Conselho dos Nobres? Como me encaram nos salões, cochicham que nem a minha própria filha consigo manter nas rédeas. E agora todos sabem… Que ela foi deflorada por um bárbaro que sequer cogita casar com ela.
Eric prosseguia, tentando desviar o assunto da traição que havia partido dele, falava pausadamente com a raiva. Como se esmagasse cada sílaba.
— Em momento algum eu disse desejar casar com o rei. — replicou a garota, sem tirar os olhos dele, voltando a sentar. — Vocês criam essas histórias dentro das suas próprias cabeças.
A chama de todas as velas estava trêmulas, talvez por conta da brisa noturna que passava pelas frestas das janelas, ou por conta desse conflito que abalava as estruturas do clã.
— Minha filha. Quando quiser constituir uma família… Me diz que homem iria desejar se casar com alguém que… Foi deflorada pelo rei?
Iolanda escolhia sabiamente o tom que queria utilizar, não queria ofender a sua filha tal qual o seu marido fazia, mas isso não isentava sua preocupação genuína com a mestra dos venenos.
— Mãe… Isso é realmente conversa para se ter em um jantar?
A garota estava incrédula, era um fato. Ela sentia uma raiva crescente, seu pai a encarava de forma diferente há muitos meses.
“Então era por isso?”
Ele nunca havia confrontado ela pelo seu relacionamento com o Ayel, ela pensava há quanto tempo ele estaria engasgado com essa história.
— Você foi criada para ser uma dama de respeito. Para selar acordos, não para se deitar como uma qualquer. — dissera Eric, em um timbre frio.
— E eu achei que não haveria nada mais ofensivo que o tapa que o senhor me deu.
— Os nobres não esquecem, garota. Eles cochicham, fofocam, anotam. Te reduzem a nada além de pó.
— Nunca me importei com o valor dado por todos esses parasitas nobres que vivem cobrando impostos abusivos aos camponeses que só passam fome. Barrando o rei quando ele quer fazer algo de justo. Eu não me importo com o conselho.
Se o tribal estivesse escutando essa conversa, teria rido muito provavelmente.
Entretanto, quem estava lá era o Eric, que se enfureceu batendo na mesa.
— Eu te ensinei a comandar nossos vinhedos, a apreciar do bom e do melhor! Fiz tudo que pude para, no final, você ser chamada de amante de um bárbaro? Acha mesmo que ele te ama? Não! Não é um amor! É a porra de um escândalo!
— Então me diz! — respondera Victoria, gritando tal qual seu pai. — O que exatamente ter algo com Ayel me faz? Menos mulher? Menos nobre? Ou menos, merecedora do respeito da minha própria família?
— Um homem pode manchar a honra e ainda assim se erguer diante da nobreza… Mas uma mulher que se deita antes do matrimônio… Essa, sim, carrega essa vergonha até o túmulo.
— Sente vergonha da Yelena também? Ela não é casada, tal como eu.
— Não fale isso como se fosse uma virtude, minha filha! — Iolanda ergueu o tom, intervendo mais uma vez.
— Deixa estar… Iolanda. — interrompera o patriarca.
Ele voltou a encarar a filha, com uma expressão que beirava o nojo.
— Nossa filha ainda acredita que será vista como uma possível esposa… Mas todos os homens do reino somente a enxergarão como o bárbaro também a vê: uma companhia temporária. Uma amante… Uma mulher barata.
O som seco estalou no ar com o tapa que veio rapidamente. Victoria ainda estava com a mão trêmula após revidar o tapa que levou. Um fino fio de sangue começara a escorrer do canto da boca de Eric, na mão da garota havia um anel que o cortou.
— Eu ainda sou sua filha! Eu ainda sou uma Belomonte e exijo respeito!
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