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    Capítulo 071 – Invasão alada!

    Enquanto a tarde avançava suavemente, fazendo com que o campo de treinamento se tornasse um mar com tons dourados sobre os assentamentos e as muralhas do reino. O vento era leve e perfumado, como se pegasse o perfume das belas flores silvestres do campo e delicadamente as encaminhasse para os guerreiros que batiam nos manequins de madeira e palha incansavelmente.

    Joana achava-se sozinha no meio daquela vastidão, claro que todos os guerreiros e guardas que passavam por ela cumprimentavam-na. A garota, pouco a pouco, estava conquistando a atenção dos mais experientes que a viam como uma mascote do campo de treinamento, a menina da Yelena.

    Sim, Yelena, a temida líder da guarda real, havia a adotado há não muito tempo. Desde então, a garotinha vivera sob sua tutela, recebendo da sentinela loira não apenas sustento e cuidado, como também a rígida instrução nas artes da arquearia e da guerra. Contudo, naquela tarde, Yelena ainda não retornara das suas obrigações no castelo, deixando sua pupila a sós com seus pensamentos e alvos.

    A garotinha dos cabelos avermelhados cogitou, até, se unir com o trio do Laboratório das Maravilhas que ela havia visto correr em direção ao norte.

    Ela tinha uma pequena relação de coleguismo com aquelas crianças, mas não era tão íntima para correr e solicitar para brincar com eles, eram mais velhos, ela ficava envergonhada.

    Engraçado, pessoas bem mais velhas como Dalila e Victoria não foram obstáculos para que Joana usasse todo seu carisma e as conquistasse, porém, aparentemente outras crianças deixavam a pequena desconfortável para interagir.

    Perdendo-se nos pensamentos do que poderia fazer ou não, fora onde a Joana notou uma figura incomum treinando a uma certa distância.

    Entre os demais soldados, havia homens e mulheres em armaduras parciais que treinavam com espadas ou lanças, o que era muito comum de se ver.

    No entanto, estava este homem, silencioso, envolto em um manto escuro, tecido esse que ocultava seu rosto completamente, exceto por uma faixa onde os olhos, que pareciam atentos como uma águia, permaneciam à mostra.

    Ele era completamente esguio, com uma postura ereta e bastante fluída. Ele disparava flechas com uma elegância surreal, cada uma das flechas cravava-se no alvo com uma precisão inumana.

    Joana, fascinada.

    Aproximou-se.

    — Olá!

    Ela saudou, com a sua voz doce e corajosa.

    Definitivamente, a pequena se sentia mais à vontade com pessoas mais velhas, era como se ela não tivesse trejeito algum para interagir com as outras crianças, talvez por ser obrigada a amadurecer após ter perdido sua família.

    O homem parou lentamente assim que escutou a garota saudá-lo. Ele voltou seu rosto, ela encarou apenas os seus olhos que estavam adornados pelo manto escuro que enrolava em seu rosto.

    — Eu me chamo Joana. — disse ela, sorridente. — Treino com a própria Yelena. Acho que nunca te vi por aqui, muito prazer!

    Silêncio.

    Apenas o vento era audível, com exceção dos que treinavam um pouco mais longe.

    Joana hesitou por alguns momentos, sentia-se observada por aquele homem, ela se sentiu como uma criatura curiosa demais para a sua própria segurança, talvez tivesse sido um erro.

    As flechas retornaram a voar para o alvo, o homem estava indiferente, retornou sua atenção e disparou repetidamente suas setas de madeira.

    Estranho.

    A garota continuou parada lá, observando o homem treinar sem lhe dizer palavra alguma, ela estava tão envergonhada que sequer conseguia se retirar do recinto, até que uma voz rasgou o silêncio que o homem havia criado.

    — Ah, você conheceu o Badaboom. — dissera uma voz conhecida.

    Joana quase tropeçou com o susto, aquela presença súbita da Yelena quase a matou do coração.

    — Quem? — respondeu a menina, encarando a sentinela loira. — Que nome mais engraçado!

    Yelena sorriu, parecia até que não era aquela poderosa sentinela que causava terror em seus inimigos por um instante.

    — Badaboom é um sentinela. Um dos meus arqueiros mais confiáveis, ele faz parte da guarda real assim como o Claude e o Kord. Mas, por ser um sentinela, ele patrulha as torres e não as ruas.

    A líder da guarda real deu dois tapinhas amistosos no ombro do homem, que respondera com um leve grunhido e uma reverência seca.

    — Ele é estranho… Não falou comigo. — chorou Joana.

    — E não vai falar. Ele enfrentou uma pantera há anos. Saiu vitorioso, mas acabou perdendo a língua.

    Yelena riu, enquanto Badaboom apenas encarava a pequena com os olhos intrigados.

    Joana levara as mãos à boca, completamente horrorizada.

    — Me perdoa, senhor Badaboom!

    O homem então ergueu levemente os ombros, quase como se dissesse “não tem pelo quê”.

    E após isso, o treinou seguiu.

    Yelena e Badaboom começaram a praticar em conjunto, os seus movimentos eram meticulosamente sincronizados, uma tamanha precisão que soava como se um conseguisse ler os pensamentos um do outro.

    Lembrava muito a sinergia no qual o Kord e o Claude possuíam, porém, era uma coordenação com arcos e não espadas.

    A pequenina Joana estava sentada na beira daquela área de alvos, observava tudo boquiaberta como se estivesse presenciando um espetáculo.

    A cada flecha disparada, aquele impacto surdo e o zunido do voar das flechas no alvo transmitiam uma dança sincronizada em algo tão lindo de se ver quanto letal.

    Inspirada pela cena, Joana levantou-se e tentou copiar tanto o disparo de Yelena como o jeito de mirar de Badaboom, porém, suas flechas mal acertaram o centro, boa parte das vezes sequer o alvo.

    O homem estava próximo e ecoou um balbucio ao lado da garotinha. Soou algo como uma tosse abafada ou uma risada contida, os sons que o sentinela sem língua fazia ainda eram uma névoa para a compreensão da garotinha.

    — Acho que ele gostou de você, meu bem. — dissera Yelena, guardando novamente o arco e cruzando os braços.

    — Ele é engraçado. Também gostei dele, mestra.

    Ao ter escutado aquilo da garota, Yelena arqueou as sobrancelhas. Seu coração, que por diversas batalhas permaneceu endurecido, bateu com um pouco mais de leveza ao ter recebido aquele título. Nunca ouvira da boca da Joana aquela palavra.

    Acabou sorrindo, um sorriso discreto, mas terno.

    Entretanto, aquele momento fora interrompido por um guarda real que se aproximava rapidamente em direção ao trio no campo de treinamento, estava apressado, suado sob a armadura.

    Ao chegar perto dos três, fez uma longa reverência e então cochichou algo no ouvido de Yelena.

    O semblante da mulher fechara instantaneamente.

    — Compreendo… — Ela respondeu — Pode deixar que eu me encarrego disso. Não mobilize mais ninguém nem retire os homens das rondas, pois estamos em poucos números devido aos últimos treinamentos… Vou resolver.

    O guarda se afastou com um aceno, a palavra da sentinela loira era uma lei, ninguém duvidava da sua capacidade, por isso ela estava onde estava.

    — Badaboom, venha comigo. Joana, volte para casa.

    O sentinela mudo apenas consentiu com a cabeça.

    Mas a garota não estava convencida de apenas concordar e sair.

    — O que houve? — perguntou Joana.

    — Um Roca está se aproximando da torre leste. Podemos esperar ele atingir os perímetros do reino para abatê-lo, ou podemos interceptá-lo antes que chegue a Sihêon para impedir que inocentes sejam feridos. Logo, já sabe o que eu farei.

    Ela encarou a sua pupila com seriedade, mas a criança não entendia nada da gravidade do assunto.

    — Um o quê? Interceptar? Por quê? — contestava com afobação.

    Yelena já reunia os seus equipamentos, era possível observar o seu subalterno sem língua fazer o mesmo.

    — Joana, nosso rei está acamado. Se ele souber que houve um ataque e não participou da defesa, vai se sentir um peso morto. Não posso permitir que ele passe por isso se consigo evitar.

    — Vou com vocês!

    Yelena fitou-a, com uma expressão dura quanto o aço da armadura dos guardas reais.

    — Menina, você sequer tem dez anos. Acha que vai enfrentar um Roca conosco? Sem saber o que é? Não, nem pensar! Você fica!

    — Por favor, mestra! Fico quieta, observando!

    A líder da guarda real estava pronta para confrontar a garota que estava relutante quando percebeu que Badaboom suspirou, cruzou os braços levemente inclinados, era como se ele dissesse “Vamos dar uma chance”.

    — Sério? Você também? — disse a loira, fitando o sentinela.

    Ele respondeu apenas erguendo uma das sobrancelhas.

    — Não pode garantir a segurança dela, Bada.

    Silêncio.

    — Certo… — cedeu ela. — Joana então ficará sob sua tutela, pois não posso me distrair… Corra até o estábulo e pegue dois cavalos.

    O homem desapareceu como se fosse sombra na luz do dia. Então, a mulher encarou Joana por um instante.

    — Você vai ficar quieta. Atrás e apenas observando. Entendeu?

    Joana nada disse. Assentiu apenas.

    A terra era ritmicamente batida pelos cascos que golpeavam o solo enquanto o sentinela se aproximava do campo, estava montado em um garanhão de pelagem acinzentada, ao lado trotava uma égua de crina clara.

    As rédeas estendidas foram entregues a Yelena.

    — Venha. — disse a mulher.

    Ela segurara a Joana pela cintura e a colocara com uma certa agilidade na frente da cela, montou logo atrás.

    Com um gesto breve e delicado com a sua mão esquerda, a líder sinalizou a Badaboom, que virara o cavalo rumo ao portão leste.

    No estalo que se seguira, ambos os cavalos encontravam-se em disparada, relinchando conforme a pressão em suas rédeas de couro. A ventania que se erguera junto do galope fez com que as vestes do trio tremulassem. Diversos transeuntes encararam curiosos em relação à pressa da comitiva.

    Que não era comum. Logo, o burburinho iniciou-se.


    Os cavalos cortaram as ruas estreitas do reino com uma destreza conhecida, passaram por entre carroças, desviaram das barracas dos mercadores da praça e pela lateral de alguns aventureiros que saltaram com o ímpeto do impacto.

    Guardas entreolhavam-se confusos, porém sempre mantendo suas lanças e espadas para o alto em saudação à figura de Yelena.

    A pequena Joana apertava a sela com força, mesmo que esticada pelo segurar da líder da guarda. Ela estava completamente nervosa, seria sua primeira missão em campo, sem sequer ter se tornado uma aventureira propriamente dita.

    Uma mistura de excitação e medo.

    Os cavalos já haviam galopado por umas boas quadras, até que a criança, entre um trotar e outro, ergueu sua voz, olhando levemente para trás.

    — Mestra! O que é um… Roca?

    Yelena não respondeu de imediato, talvez pela sua concentração pelas ruas estreitas ou mesmo por conta da força do vento contra o seu rosto. De qualquer forma, ela encarou de volta a pequena assim que tanto ela quanto Badaboom haviam passado o portão leste.

    — Uma espécie de ave, tamanho descomunal, Joana. São criaturas antigas que voam sozinhas quase toda a vida até encontrar um par onde constroem seu ninho e chocam poucos ovos… e depois voltam para vida de solidão nos céus.

    — E por que um desses estaria vindo para cá?

    A pequenina engolira seco. Suas mãos estavam suando.

    — É difícil dizer. Talvez tenha sentido alguma coisa no nosso território… Escutei uma vez alguns estudiosos que acreditam que esse tipo de besta pode ser atraída por grandes desequilíbrios.

    A sentinela estava com seus olhos presos na estrada que estava descendo. Adentraram nas primeiras campinas leste que adornavam os muros externos do reino. Diversas árvores, tanto ali quanto no horizonte. Os cavalos precisavam trafegar com parcimônia.

    Yelena continuara.

    — Pode ser algum desequilíbrio de vida, poder ou mana.

    A descrição fora aterradora para uma criança pequena naquele ponto, a menina cogitou se era realmente uma boa ideia ter solicitado tantas vezes para acompanhar os mais velhos.

    — Você já viu um? — indagou Joana.

    — Duas vezes. Uma vez, eu ainda era tão jovem, quando visualizei, de longe, sobrevoando a costa norte. Da outra vez, eu vi apenas o que poderia ser a sua sombra nas muralhas da Fortaleza das Esferas, quando visitei a trabalho… Não são feras comuns, Joana. Só concordei em levar você, pois acredito que eu e Badaboom consigamos neutralizar o monstro.

    — Neutralizar?

    — Afugentá-lo, repulsá-lo. Se não conseguirmos matar a criatura, feri-la o suficiente para que ela fuja.

    O trio ainda contornava, conscientemente, os muros pela parte de fora de Sihêon, o galopar dos cavalos fez com que os três passassem pela torre leste, uma atalaia gigantesca, uma das quatro mais altas de todo o reino, em cada uma das pontas das extremidades.

    Dali em diante seria campo aberto que estendia para todos, em algum momento eles conseguiriam ver a criatura no alto do horizonte, os sentinelas estavam prontos, a criança estava com medo.

    Os cavalos partiram rumo ao objetivo.


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