Capítulo 076 - Compreenda suas extensões!
Capítulo 076 – Compreenda suas extensões!
Ayel estava na frente da caverna, não tardou para o velho homem sair do meio do breu e surgir novamente à luz do luar.
— Há quanto tempo não viajava, velho amigo? — O imperador soltou um sorriso singelo, ergueu uma das suas sobrancelhas com uma certa curiosidade.
— Mais do que eu conseguisse lembrar… Agradeço profundamente o seu convite.
Alyssius reverenciou-se, com o seu manto escuro e sua pele enrugada dos anos.
— Deixe disso, homem.
O bárbaro mantinha aquela aura confiante e corajosa, indicou para o mago da caverna para onde andariam.
— Você é um dos meus conselheiros mais valiosos. Por não ser o líder de uma guilda, me senti na liberdade de tomar o seu tempo um pouco mais do que eu poderia fazer com os outros. Até porque, Alyssius — continuou Alvorada. — Acredito que seja bom sair dessa caverna volta e meia, não?
O velho mago da taverna observava o tribal com ternura. Ayel não fazia isso para garantir apoio do povo ou força no reino. Ele estava estabilizado, com o conselho nas suas mãos e todos os líderes ajoelhados perante a sua vontade. Ele fazia o que fazia pelo velho Alyssius por simples vontade de fazer, não buscando nada em troca.
— Admiro isso em você, majestade. — sorriu o velho. — E para onde vamos, mesmo?
— Pharid, preciso fazer uma pequena visitinha.
Assim que ambos passaram para as dependências do reinado, ao longe foi visto Nael, que alcançou com montarias preparadas.
O homem de olhos castanhos transparecia respeito e discrição, sutilmente entregara as selas para os outros dois.
— Aqui, meus senhores. Quando desejarem, podemos partir.
A noite ainda não havia esvaído completamente quando eles deixaram as últimas muralhas de Sihêon para trás.
Muitas estrelas ainda adornavam o céu escuro, embora estivessem próximas de se apagar com o surgimento dos primeiros raios alaranjados do oeste.
A bruma da madrugada envolvera sinuosamente as trilhas e estradas, caia sobre eles como um manto espesso. Embora o aroma da terra úmida fosse um afago, estava tão presente que passou a incomodar após algumas horas de jornada.
Ayel cavalgava à frente, com destreza e precisão, mesmo sob a penumbra, era um bom cavaleiro e boa parte dos ataques bárbaros aconteciam na calada da noite, então sua experiência se demonstrou completamente útil nessa ocasião.
Alyssius seguia-lhe com um ritmo um pouco menor, ele confiava no trajeto que o bárbaro fazia, mas não arriscaria apertar tanto o cavalo a ponto de terem a mesma velocidade, também preferia estar atento ao redor.
Nael seguia pela retaguarda, seu rosto pardo e barbado estava ligeiramente endurecido por conta do frio e dos ventos cortantes que a viagem arremessava. Também cavalgava com bastante destreza, embora estivesse com os olhos pesados de sono.
O trajeto persistia ao longo da noite e findou apenas após o amanhecer, quando os raios de sol romperam os ramos dos bosques e da relva que rodeavam o trio a cavalo.
Uma trilha ladeada por carvalhos levava-os até Pharid, que surgiu como um suspiro no horizonte. Conforme avançavam, observavam o orvalho que ainda reluzia na maioria dos telhados de madeira, algumas máscaras coloridas presas em cordas balançavam nos varais e cercas, dançando conforme a brisa.
O lugar sempre fora mais do que apenas uma vila, estava posicionada no cruzamento de antigas rotas mercantis. Pharid tornara-se um ponto vital para o comércio entre as cidades vizinhas. Toda semana, a praça central pulsava com um ar diferente, as barracas erguiam-se coloridas, expondo frutas frescas, tecidos de alta qualidade e até mesmo esculturas em madeira.
Mercadores de diversas regiões buscavam as graças do mercado pharidenho, isso sem contar o famoso Carnaval da Colheita, que enfeitava a cidade com cores vibrantes em todos os becos, atraindo curiosos do mundo inteiro.
Diferente da última vez que visitou o local, Ayel percebeu finalmente a essência da cidade que havia conquistado, era uma mistura de fervor em uma atmosfera praticamente ritualística. Era calmo e solene ao mesmo tempo que mesclava um ambiente agitado e acelerado.
Quase todos os aldeões que cruzaram o caminho da caravana trajavam máscaras, algumas eram simples, feitas da mais crua madeira. Outras, por outro lado, eram adornadas luxuosamente com penas, tintas brilhantes e diversos penduricalhos.
Nael torcera o nariz e seus olhos beiravam a perplexidade, tentara disfarçar o incômodo diante de tantos rostos mascarados.
Alyssius percebera, aproximou seu cavalo da montaria do mercenário e explicou como um tutor:
— Não fique tão surpreso, homem… O uso das máscaras aqui transcende as festividades. Tornou-se cultural com o tempo, mostrar o rosto aqui é tão íntimo quanto se despir completamente. Entre eles, você só retira a sua máscara aos seus entes mais próximos e queridos.
Nael assentiu em silêncio com a aula, ainda lançava olhares curiosos, mas de forma muito mais cuidadosa para não soar desrespeito.
— Ora… Com exceção dessas cores todas, quase não mudou desde a última vez que vim aqui no passado… Quando acabei com Bran.
Ayel observava o vilarejo como se estivesse reencontrando um amigo de longa data. Alyssius sorriu, ajeitando o capuz ainda em cima do cavalo.
— Pharid está maior, imperador. Observe quantas casas mais existem? É impressionante, de fato.
— Não havia reparado nisso…
— Desde que Sihêon a anexou, agora consigo até dizer… Está quase virando uma cidade. — concluiu o mago.
— Você tem razão… — murmurou Alvorada — Essa é uma visão bem mais atrativa que da última vez, quando eles foram raptados pelo açougueiro.
A nostalgia atingiu o bárbaro, ele estava genuinamente feliz, mas logo voltou a si, seu objetivo não era apenas uma visita.
— Venham, vamos procurar por Hayit.
Ao chegarem na famosa praça central, Nael desmontara com agilidade, virou-se com respeito e dirigiu aos outros dois:
— Com a permissão…
Assim que Ayel acenara com a cabeça, o mercenário recolhera as rédeas dos três cavalos, conduzindo os animais para o estábulo mais próximo.
O ar cheirava a pão fresco, especiarias e algumas ervas, os dois escutavam sons de risadas distantes e sinos de bronze no fundo. Uma manhã vívida.
Enquanto andavam em direção ao centro da vila, Alyssius quebrara o silêncio com sutileza:
— Você vai informá-lo diretamente ou vai ser mais polido?
A amizade entre o Alyssius e o Ayel não nascera apenas do tempo, mas da convivência deles, até porque o mago fora o primeiro a ser contatado pelo bárbaro. O velho, embora envolto em respeito e títulos, havia se tornado uma espécie de contato próximo, um amigo informal.
— Não sei dizer… — Respondera o tribal com um suspiro. — Se ele tiver uma opinião próxima com a do conselho dos nobres… vou ficar bastante desgostoso. Nossas tropas vão precisar usar Pharid para alcançar Thassar.
— Vai reagir com ele igual reagiu com Drake? — Alyssius arqueara a sobrancelha, soltou uma risada baixa.
Apenas Alyssius e talvez o Bruxo Negro conheciam a verdade. O que foi contado ao povo era que Drake Less, o orgulhoso lorde da cimitarra, havia sido derrotado como um herói ao proteger os mares que banhavam Sihêon contra um grupo de invasores piratas.
— Não farei isso, Alyssius. Hayit era um membro da guarda real. Um subalterno direto de Yelena, isso já diz muito sobre o seu valor.
— De fato, majestade.
— Eu o escolhi quando tomei a cidade, o conselho dos nobres queria que eu escolhesse um pharidenho para assumir a cidade como um vassalo e o nome de Hayit veio até mim. Acredito que ele seja mais sensato do que Less foi.
A manhã brilhava forte nos telhados de Pharid, tingia-os com as cores fortes do sol, naquele momento havia um assombro ocultado na face das máscaras rústicas da vila, burburinhos evoluíram para cochichos que se tornaram cânticos suspirados de que: Ayel Alvorada, o recém-coroado imperador de Sihêon, pisava mais uma vez em solo pharidenho.
O povo, humilde, que outrora estava recebendo a comitiva com um silêncio sagrado, passou a uma atitude reverente e calorosa, onde rodeavam o bárbaro para saudá-lo.
Alyssius estava completamente desconcertado, não interagia muito, e observar um mar de pessoas ao seu redor foi desesperador.
Já o imperador bárbaro agiu como sempre fez quando saía e o povo o encontrava, estava direcionando sua atenção para todos, escutava seus lamentos e suas congratulações, um sorriso diplomático o preencheu no rosto. Para eles, o Alvorada não era apenas o imperador: era um herói. O bárbaro tribal, agora coroado, havia se tornado lenda viva.
Os aldeões deram espaço assim que surgiu um homem trajado com o manto avermelhado que a guarda real de Sihêon sempre usou, ele marchava como um soldado e havia outros homens acompanhando ele, era uma presença imponente.
Era Hayit.
Jamais fora visto em Pharid um guerreiro de tal porte, e por mais que fosse um pharidenho nato, ele não usava mais máscaras. Seu semblante era de um homem forjado em batalhas, trazia consigo uma pele marcada pelo sol, parda como a terra. Seus cabelos curtos e grisalhos denunciavam em silêncio suas décadas vividas.
— Meu rei, digo… Meu imperador, é uma honra vê-lo. — proferiu ele, curvando-se profundamente.
Duas espadas cruzavam-lhe as costas. Seus gestos carregavam uma formalidade de um servo leal, proveniente do peso da responsabilidade que Ayel o entregou. A sua reverência não fora mero protocolo, mas a expressão ardente da fidelidade.
Hayit havia sido escolhido por Ayel entre muitos, desde aquele dia, jurara pelas próprias espadas que Pharid jamais cairia enquanto respirasse.
— Bom de ver, guerreiro. Como estão as coisas por aqui? — Respondeu o imperador, abrindo um sorriso.
— Pharid finalmente está começando a crescer depois de tudo. — O homem respondeu — O famoso carnaval chama muitas pessoas, o último aconteceu há pelo menos dois meses… vieram povos de quase todos os reinos à volta. Todos adoram as festividades e isso enche nossos bolsos com ouro.
— Isso é ótimo. — Ayel estava contente com tudo que via. — Gosto de saber que, por mais que os nobres tivessem virado os rostos para a minha decisão, Pharid tem crescido e se tornado um lugar tão próspero.
Ayel então se virou para o velho que estava ao seu lado, ainda conversava com seu subalterno guerreiro:
— Acredito que conheça o mago da caverna, ele veio comigo. Junto do mercenário Nael que está procurando um local para os nossos cavalos no momento.
Alyssius virou levemente a cabeça com uma reverência calma, seu semblante sereno perpetuou. — É um prazer. — dissera o mago.
— É uma honra conhecê-lo finalmente, mestre Alyssius. Perdi as contas de quantas vezes minha mãe contou histórias sobre você para que eu dormisse.
Hayit apertara o punho sobre o peito, como um gesto de respeito. Ayel, entretanto, lançara um olhar rapidamente para o guerreiro, calculando mentalmente a sua idade.
Em seguida, o imperador voltou os olhos para o Alyssius, ponderando em sua mente a longevidade quase mitológica dos arcanos. No fim, deu de ombros.
— Modéstia — respondeu o mago, com um semblante amigável.
Ayel então dirigiu-se ao grupo, sua voz firme, mas amistosa.
— Pois bem, vamos para seu posto de comando para conversarmos melhor?

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