Capítulo 0009: Lealdades
Siegfried se moveu desconfortavelmente na sela, sentindo os olhos do barão Frost em sua nuca, observando cada pequeno movimento seu como um velho predador orgulhoso; ávido por matar sua presa, mas certo de que não era capaz.
“Que merda. Já faz meio dia. Quando esse velho vai parar de me encarar?”
Dizer que a pequena corte do conde não recebeu a sua nomeação como novo escudeiro com muito entusiasmo era como chamar mijo de vinho.
A própria fortaleza já estava inquieta por conta dos rumores, muito antes do anúncio.
Não foram poucas as pessoas que o viram andando por aí de armadura, bem-arrumado… E livre. Supunha também que Brynna tivesse dito a alguém que estas foram todas ordens do seu senhor e os boatos logo se espalharam.
Então quando o mercenário entrou no salão ao lado do lorde, para participar do jantar, não foram poucas as espadas sacadas e as bestas que apontavam em sua direção.
Mas ninguém ousava fazer qualquer coisa sem a permissão do conde.
— Baixem as armas — disse o lorde, sentando-se em seu trono e pegando uma taça de vinho com a serva que aguardava ao seu lado. — Estão apontando elas para o meu novo escudeiro.
— Escudeiro!? — O barão Frost foi o primeiro a se manifestar, dando um passo à frente com o rosto enrugado tremendo e suado. Mancava da perna esquerda e tinha dificuldades em manter sua espada erguida, mas seus olhos eram puro ódio. — Você me prometeu sua cabeça!
— Eu não lhe prometi nada.
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— Ele matou meu filho! Meu herdeiro! Meu único herdeiro! Eu exijo justiça!
— Você me exige?
— … E-eu… — O barão recuou, percebendo de súbito a ofensa e a posição em que estava, enquanto os demais convidados tomavam distância dele, como se fosse um leproso.
— Caso tenha esquecido, foi você quem me pediu para tomar seu filho como escudeiro. Queria que ele fosse um cavaleiro. Pois, aí está. Cavaleiros são soldados. E soldados morrem! Talvez tenha se esquecido disso agora que passa os dias bebendo do meu vinho, comendo da minha comida e dormindo sob meu teto.
— V-vossa graça… S-sabe que é temporário. Apenas até que eu possa recuperar minhas terras–
— Não. Até que eu me dê ao trabalho de recuperar suas terras, é o que quer dizer. Mas já cansei desse assunto. Terá sua justiça, mas serei eu, e não você, quem dirá o que ela será. E eu digo que o responsável pela morte de seu filho é Eradan, o homem que enviou a espada que tirou sua vida. Não o meu novo escudeiro. — O conde olhou para Siegfried e sorriu. — Pois ele pagará sua dívida me ajudando a trazer seus antigos companheiros à justiça.
Depois da confusão, os ânimos se acalmaram e os servos trouxeram a comida.
Como escudeiro do lorde, lhe foi dado um lugar de honra, entre os filhos do conde e os guardas. Apesar de andar em gelo fino, foi uma bela noite; Brynna lhe apresentou as donzelas e ele comeu com fartura, ouvindo a história da casa Gaelor e aprendendo sobre seus vassalos.
Quando a manhã chegou, já estavam de partida para capturar as forças rebeldes de Eradan.
Os guardas prepararam uma carroça com 150 quilos de mantimentos para a viagem, o bastante para alimentar quatro homens adultos por quinze dias, pois os únicos que iriam nesta jornada eram o próprio conde, Siegfried, o barão Frost e seu neto, Dorian, de quatorze anos; os dois últimos tendo sido voluntários não requisitados.
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O resto da tropa era composta por soldados esqueletos. Quarenta ao todo. O rapaz lançou um olhar cauteloso a eles.
“Pelo menos estes não me guardam rancor.”
♦
A viagem foi rápida a princípio, mas conforme se afastavam do vilarejo, a velocidade com que avançavam diminuía.
A estrada de terra tinha tornado-se um lamaçal graças a chuva dos dias anteriores, por isso tinham de parar com frequência para desatolar a carroça; não que tivesse sido Siegfried ou qualquer um dos fidalgos a fazer isso, afinal, era para isso que serviam os soldados mortos-vivos.
Naquela mesma tarde, quando pararam para dar água aos cavalos, perdeu o barão de vista por um instante e podia jurar ter ouvido o som de aço sendo desembainhado por entre as árvores, quando se afastou um pouco demais do acampamento.
Mas nada aconteceu.
Quando voltaram à estrada, esporeou o seu cavalo para perto do conde e distante dos ouvidos do barão Frost e seu neto.
— Acho que o seu sogro quer me matar.
A risada do lorde foi tão alta que assustou alguns pássaros que estavam por perto e eles levantaram voo:
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— Só percebeu isso agora?
— Isso não tem graça. O que espera que eu faça se ele tentar me matar qualquer hora dessas?
— Ora, o mesmo que faria a qualquer homem.
— Quer que eu o mate?
— E por que não? — Ele sorriu.
— É um dos seus homens. E o pai da sua esposa.
— É também um velho patético que vive às minhas custas a mais tempo do que seria tolerável. Não faz nada além de esvaziar meu estoque de vinho e encher a minha paciência com uma ou outra desculpa sobre como seria uma grande demonstração de força se eu reconquistasse suas terras. Pro Inferno com ele e suas terras! Já tenho os meus próprios problemas pra lidar.
— …
— Vai ficar calado o dia todo? Foi você que veio aqui, lembra? Então fale.
— O capitão Eradan me contou histórias a seu respeito…
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— Ah, ele contou, é?
— Ele diz que você é um homem vil, que gosta de sentenciar homens à morte para que o seu bruxo possa trazê-los de volta como soldados mortos-vivos. Que planeja criar um exército usando os corpos de todos em suas terras e então usá-lo para conquistar outras… Quando o encontrei naquelas ruínas, tive certeza de que as histórias eram verdade, mas…
— Mas?
— Então por que você poupou minha vida? Fez de mim seu escudeiro. Devolveu minha espada… Sabe que eu poderia matá-lo aqui e agora, né?
— Hahaha. Você pode tentar. Mas é melhor que tenha êxito, ou verá o porquê do seu ex-capitão ter lhe contado estas histórias.
— Então por que você não me matou?
— Não tá na cara? É porque eu confio em você.
Foi impossível conter a surpresa, e quando viu a expressão em seu rosto, o conde voltou a rir ruidosamente:
— A sua cara. Por Elyon, garoto. Hahaha. É por isso que gosto de você. — Ele respirou fundo e voltou a falar com calma, embora o sorriso nunca tenha deixado o seu rosto. — Mas fui sincero em minhas palavras. É um guerreiro de verdade. Vi isso quando lutamos e de novo quando jurou sua espada a mim.
— …
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— Você tem talento marcial, e isso é mais do que posso dizer dos soldados sob meu comando. Mas até aí, não é nada de tão especial. Posso achar bons guerreiros em qualquer campo de batalha. Não. O que realmente me convenceu foi a sua honra, garoto. Você é um estrangeiro, está aqui a quanto tempo? Um ano? Dois?
— … Alguns meses.
— Sério? Caramba! Acho que faz sentido. Bom, enfim. Honra e lealdade estão se tornando tão escassas quanto a paz ultimamente. Meu salão está cheio de cobras traiçoeiras, só esperando para dar o bote. Vê o velho Frost, ali? Aquilo parece ser um homem leal pra você?
Siegfried olhou para trás. O barão estava cochichando algo com seu neto, mas parou assim que o notou e, pela primeira vez desde que deixaram o Salão dos Poucos, evitou contato visual com o escudeiro de seu senhor.
— Não — admitiu. — Não parece.
— E ele é só o menos discreto. Por isso não me incomodo muito com suas conspirações. Mas há outros. Estes são mais sutis. E esse moleque, Eradan Lancaster. Sabe por que ele ataca minhas terras?
— Você matou o pai dele e roubou sua torre.
— Uma punição legítima. O pai dele era leal a Helmut, e eu ao Rei Negro. Isso faz de nossas famílias inimigas. Era também um vassalo meu. O que fazia de sua aliança um ato de traição e, portanto, uma afronta contra a minha autoridade. Estava em meu direito tomar suas terras. Mas o moleque escapou. Isso já faz três anos, ou tão perto disso que não faz diferença. De qualquer forma, ele não tinha homens, nem terras e a sua irmã implorou por sua vida. Pois bem! Achei que devia ao menos isso à minha nova nora. E o garoto não era uma grande ameaça. Compaixão. Humpf. Devia estar louco. Ou bêbado. Agora esse mesmo rapaz volta sedento por vingança, atiça os plebeus, saqueia meus campos, mata meus soldados e envia assassinos atrás de mim.
— …
— Ele me faz parecer fraco. Acha que os nobres na minha corte não pensam o mesmo?
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— Eles são seu sangue.
— São o sangue da minha esposa. E estariam mais que felizes em derramar o meu para tomar minhas terras. Ou acha que viveriam sob meu teto se tivessem alguma?
— Se não confia neles, então como pode deixá-los a sós com sua esposa e filhos?
— Ha! E o que deveria fazer? Jogar as irmãs, pais e sobrinhos de minha mulher ao relento? Cortar suas cabeças na frente dos meus filhos? Parece um tanto vil, não acha? — O conde sorriu. — De qualquer forma, minha doce esposa e meus queridos filhos podem não ser tão inocentes quanto pensa.
— Acha que eles querem te matar? — Não havia como esconder a surpresa em sua voz. O quão baixo alguém tinha de ser para tramar a morte da própria família? Do seu próprio sangue?
— Vai saber. A Cassie é leal, inteligente. Sei que minha casa estará em boas mãos se for ela a governar. Mas não confio nela. Sua lealdade é para com a nossa família, e não comigo. Não tenho dúvidas de que ela me mataria sem hesitar se achasse que isso protegeria nosso nome. E minha filha… Ela ainda é leal aos Graylock. Acha que o Rei Negro é um usurpador e que somos todos traidores por ir contra o seu precioso rei Helmut. Não fará nada, é claro. Não sozinha. Ela não é do tipo que se arrisca. Não sei a quem puxou.
— … Sua família é uma merda.
O lorde sorriu:
— Eu concordo. Mas agora acho que entende o motivo de eu tê-lo poupado, não é? Todas essas pessoas. Aquelas que têm o meu sangue e o sangue da minha esposa. Todas elas me juraram lealdade. E todas elas tramam a minha morte… De um jeito ou de outro. Juramentos e votos não passam de palavras vazias para eles. Mas não pra mim. E nem pra você, não é?
— …
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— Não é engraçado? O mercenário enviado para me matar é a pessoa mais confiável debaixo do meu teto. — A risada do conde foi um estrondo. — E o melhor. Mesmo se tentar me trair, você ainda é a menor das minhas ameaças. Ninguém te apoiaria. Eu sou tudo o que tem. Enquanto for meu aliado, receberá tudo o que lhe foi prometido e muito mais. Mas se me trair, não faltarão voluntários para me trazerem sua cabeça.
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