Capítulo 0013: Siegfried, o Jovem Carniceiro
A multidão olhou boquiaberta para Siegfried, quando o rapaz saiu da estalagem.
Tinham ouvido a batalha, os gritos e então o silêncio. Claro que ficariam curiosos, mas para muitos, ia mais além. A violência podia ser algo fascinante, especialmente para os plebeus. Era algo quase mítico para alguém que nunca pisou em um campo de batalha.
Os nobres têm banquetes, danças, torneios e as intrigas palacianas para se preocupar. Para eles, a guerra não passava de uma ferramenta política, mas para os camponeses, contos e lendas eram tudo o que lhes restava depois de um longo dia de trabalho.
E poucas histórias eram mais emocionantes do que aquelas que diziam respeito aos feitos de grandes guerreiros.
Não foi uma batalha muito justa. Siegfried tinha mais experiência do que a maioria dos homens que matou, exceto por Kris; e mesmo este já estava para lá de velho e desleixado. Sua vitória foi muito mais graças ao pânico dos mercenários do que a qualquer feito militar real…
Mas quem se importa?
Ninguém prestou atenção aos soldados esqueletos que eram em números muito superiores aos rebeldes e já tinham feito um ótimo trabalho encurralando os sobreviventes quando entrou na estalagem.
A visão de um rapaz de dezesseis anos saindo como o único sobrevivente de um massacre era como torta de mel para os famintos. Certamente exagerariam um pouco e, quem sabe, em pouco tempo a história de Siegfried, o Jovem Carniceiro que lavou com sangue a fortaleza dos cem mercenários, viesse a se tornar bastante popular entre os mais jovens.
Ele, no entanto, não via muita glória no que fez.
Seu cabelo negro coçava com o sangue seco e o suor em sua cabeça. Suas mãos também tinham sido tingidas de vermelho até os cotovelos e suas pernas começavam a tremer por causa de todo o esforço.
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Correr de um lado para o outro, pulando em cima das pessoas e trocando golpes de espada, pode parecer a melhor coisa do mundo quando o seu sangue está fervendo com o calor da batalha. Mas o cansaço que ficava depois era uma droga.
Tudo o que o rapaz queria agora, era um barril de cerveja, cem quilos de carne e uma cama forrada com penas de ganso. Desconfiava que não teria nenhuma dessas coisas.
Seus olhos encontraram os prisioneiros por dois segundos, e isso foi o bastante para que virassem os rostos e abaixassem as cabeças. Haviam sido reunidos no centro do povoado, postos sentados e amontoados, para evitar que tentassem escapar. Quanto mais no centro, mais difícil seria de se levantar; aqueles que tentassem, cairiam uns por cima dos outros e não sairiam do lugar.
— Ah, aí está você — disse o conde, trotando até ele em seu andaluz branco, que contrastava com a sua armadura negra opaca. O lorde olhou para o escudeiro, então para a estalagem e de volta ao rapaz. — Eradan?
— Fugiu.
— Humpf. Esperava um pouco mais de alguém que quer me matar. Vim até aqui e ele nem se deu ao trabalho de fazer a droga de uma armadilha… Pelo menos matou alguém importante?
— O vice-comandante. Ele ficou pra trás.
— Ganhando tempo pro seu capitão, ein? Bom, acho que serve. Pelo menos agora ele está sem o seu braço direito, agora só falta a cabeça.
O conde virou seu cavalo e Siegfried o seguiu.
Não tinha perdido tempo. Enquanto o rapaz lutava contra os rebeldes remanescentes, havia começado com as execuções; um homem gordo, de rosto liso e roupas finas, estava estirado no chão, em frente aos cativos, com cinco flechas espetadas em seu peito.
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— O chefe do povoado — explicou o lorde, com a mesma empolgação de um anão bebendo suco de frutas. — Sabe por que o matei?
— Ele roubou a sua torta?
— Engraçado, mas não. Que tal tentar de novo?
— … Ele não entregou os rebeldes.
— Exatamente. — Era impossível ver a expressão do conde por baixo do elmo, mas seu tom de voz demonstrava uma certa satisfação, como se o escudeiro tivesse feito alguma coisa boa. — Ciganos e refugiados. A maioria deles veio de cidades em ruínas e campos incendiados por esse ou aquele bandido. Não são bem quistos em… Bem, em nenhum lugar. Mas permiti que se instalassem nas minhas terras, e tudo o que pedi em troca foram alguns impostos e lealdade. O primeiro eles me deram, mas o segundo não. Era responsabilidade dele me informar de qualquer criminoso que passasse por aqui. Ao invés disso, os acolheu. O que faz dele um traidor.
— …
— Sabe quem mais tem que morrer?
Siegfried o olhou por um momento.
“Isso é um teste?”
Então se virou para a multidão e o silêncio reinou. Ninguém se atreveu a levantar a cabeça; alguns mal se atreviam a respirar, pois temiam desagradá-los se o fizessem alto demais.
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Ouviu alguns deles rezando entre sussurros, de olhos fechados e tremendo. Bem, as suas preces seriam atendidas, pois o rapaz sabia exatamente de quem o lorde estava falando.
Reconheceu a calvície de longe. Um homem de meia-idade, magricela e tremendo, sem se atrever a olhar para o rapaz a quem ofereceu sua cama, comida e hospitalidade… Quando a sua espada ainda estava a serviço de Eradan.
— O estalajadeiro — disse por fim, sentindo um gosto ruim na boca ao fazê-lo.
Os esqueletos abriram caminho pela multidão e pegaram o homem pelos braços, enquanto os plebeus faziam o melhor que podiam para manter distância deles. Um garotinho se assustou e tentou correr, mas a sua mãe o pegou pelo braço e o obrigou a se sentar; isso salvou a sua vida.
— Não. Não. Não. Socorro. Alguém. — O velho estalajadeiro tinha o rosto vermelho e os olhos inchados de tanto chorar quando o jogaram aos pés de Siegfried.
Exceto pelos soluços do homem, o povoado estava em silêncio. Então olhou para o conde em busca de ordens, mas este se limitou a encará-lo por detrás do elmo. Foi quando entendeu.
“Só pode tá de sacanagem.”
Seus olhos encontraram os do velho, e o rapaz viu o brilho dele vacilar. O rosto de um homem encarando a própria morte. Gostava disso. Era o que o fazia se sentir vivo. Mas só quando estava no campo de batalha, não executando quem lhe deu abrigo.
— Algum problema? — A voz do conde era carregada e cheia de julgamentos.
— Não gosto de executar prisioneiros.
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— Matou os rebeldes na estalagem. Qual a diferença?
— Fiz isso em batalha. Dei a eles a chance de me matarem. Foi justo… Honrado. — A última palavra saiu quase como um sussurro.
— Mas isso é justiça. Ele se aproveitou da minha benevolência, viveu da minha terra e usufruiu da proteção que ofereço. Ainda assim, me traiu. Ele sabia qual era o preço.
— Eu não sou o seu carrasco.
— Não, você é meu escudeiro! — A voz do lorde saiu como um rugido, fazendo os plebeus se encolherem e o coração de Siegfried palpitar. — Matará homens em batalha, isso eu te garanto, mas também fará valer a minha justiça. E se isso significa matar traidores que já foram capturados e rendidos, então é o que fará. Do contrário, não me tem mais utilidade do que esses esqueletos. Agora, faça como foi ordenado!
E ele fez.
Mas não mancharia a sua espada com sangue inocente. Ao invés disso, tirou a faca que usava para esfolar os animais.
Puxou a cabeça do velho para trás, e abriu sua garganta até o osso, fazendo o sangue jorrar e escorrer pelo seu corpo. Ele tentou se soltar e escapar, mas Siegfried não permitiu; seria mais rápido, e piedoso, desse modo.
Não demorou muito. Logo seus olhos perderam o brilho, as lágrimas secaram em seu rosto e suas forças o abandonaram.
Ainda assim, esperou até que os espasmos terminassem, antes de soltá-lo.
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Estava feito.
E ele se sentiu mais sujo do que nunca.
Mas o conde ainda não tinha terminado e houveram mais punições depois disso.
Deixaram o povoado com cinco carroças cheias de trigo e grãos que os camponeses plantaram durante o verão. Mas também queimaram metade dos mantimentos, pois permaneceram em silêncio quanto à presença de rebeldes em seu povoado e eram igualmente culpados de traição.
Com o outono chegando ao fim, isso significava a morte para muitos deles.
— Apenas para os mais fracos — corrigiu o conde.
— E se eles se revoltarem?
— Com o quê? Forcados e enxadas? Eu ia gostar de ver. Mas duvido que isso aconteça. Vou te contar um segredo, garoto, plebeus são covardes. O mais provável é que comecem a culpar uns aos outros e encontrem esse ou aquele motivo para saquear os próprios vizinhos quando a fome apertar. — O lorde olhou para seu escudeiro. — Não é qualquer um que tem coragem de atacar um nobre.
— Mas agora eles te odeiam.
— Não. Agora eles me temem. Faz bem lhes dar uma boa razão pra isso, de vez em quando.
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— E se eles resolverem ajudar o Eradan?
O conde gargalhou ruidosamente:
— E por que acha que queimei o trigo? O inverno está chegando e a época da colheita já passou. O que foi deixado para trás é tudo o que têm. E tudo o que terão até a primavera. Fora a comida, o que mais têm a oferecer? Abrigo? Mais provável é que expulsem os velhos, crianças e aleijados do que aceitem abrigar qualquer estranho em sua casa quando o inverno chegar. Armas? Algumas rameiras? Apoio moral? Não. Eles não têm nada a oferecer. Além do mais, desconfio que odeiem Eradan tanto quanto eu, agora. Afinal, é culpa dele termos vindo aqui, e as pessoas são muito boas em responsabilizar umas às outras.
♦
A viagem de retorno ao Salão dos Poucos foi mais demorada que a partida.
Além dos mantimentos, o conde também trouxe quatro carroças com cadáveres para serem transformados em soldados mortos-vivos, o que criou uma longa fileira que precisava ser movida; como não tinham asnos ou cavalos o suficiente, coube aos desmortos puxá-las.
A estrada tinha sido transformada em um lamaçal por causa da chuva ininterrupta, o que os atrasou ainda mais. De dia, apenas uma garoa, à noite, chuvas fortes com ventos ainda piores.
No terceiro dia de viagem, enfrentaram a pior das tempestades e Siegfried acordou em sua tenda com o som de árvores caindo. Pegou sua lâmina, por instinto, e então saiu para ver os estragos.
O vento cortou sua pele e gelou seus ossos. Antes mesmo que tivesse tempo de pôr os pés do lado de fora, sua roupa já estava encharcada e pesada pela água da chuva.
Uma árvore tinha sido arrancada até às raízes e caiu em cima de uma das carroças de cadáveres, transformando a madeira e os corpos em ruínas, fazendo os cavalos se agitarem; mas nada mais foi perdido.
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Já estava voltando para a sua tenda, quando um relâmpago iluminou a noite e viu a sombra de alguém se projetar por detrás dele, então virou já com a mão no cabo da espada.
— Merda.
Dorian finalmente estava de pé.
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