Capítulo 0019: Velha amiga
A prisão ficava escondida ao lado da cabana do sacerdote. Uma estrutura feita de madeira forte, mas velha e já bem deteriorada pelas ações do vento, neve e chuva. Coberta por musgo e buracos de ratos.
Havia apenas uma porta de madeira, trancada por um enorme cadeado de ferro. Ao seu lado, a parede dianteira dava lugar a grades de ferro enferrujadas que permitiam aos guardas verem o seu interior; além de servir como um eficiente método de tortura, expondo os prisioneiros aos rigores do clima.
Estava escuro demais para ver qualquer coisa, mas Siegfried sentiu o cheiro de sangue, merda e mijo, quando os soldados o arrastaram para dentro e o acorrentaram na parede pelos pulsos.
Não tinha forças para resistir.
Após ser dominado, os guardas tiraram bastante proveito de sua vantagem. O espancaram com pontapés e socos; um deles até o esfaqueou no ombro, mas Igmar o censurou, proibindo seus homens de matá-lo.
— O traidor viverá para cumprir sua sentença — disse o capitão da guarda.
Mirabel gritou e tentou impedi-los, mas Dorian a obrigou a assistir e não permitiu que corresse até o conde ou qualquer um que pudesse ajudar.
Todos pareciam ter esquecido de Sam, caído no chão, inconsciente e com um corte em sua cabeça. Tentou avisá-los, mas sua mente estava meio nublada e, se chegou a dizer algo, ninguém lhe deu atenção.
— Foi mal a bagunça — disse uma voz feminina, assim que os guardas se foram. — Se soubesse que ia ter visitas, tinha arrumado o lugar. Da próxima vez manda uma carta. Ninguém gosta de quem aparece assim do nada.
— … Quê? — A voz do escudeiro saiu fraca e rouca. Mesmo ele mal conseguia se ouvir.
Este conteúdo está disponível no Illusia. Se estiver lendo em outro lugar, acesse https://illusia.com.br/ para uma melhor qualidade e maior velocidade.
A primeira coisa que viu foram duas luzes azuis no meio da escuridão, brilhando timidamente. Então forçou os olhos e se acostumou ao breu da prisão.
— Só pode tá de sacanagem.
— Oiii — disse a garota de olhos azuis, com seu sorriso atrevido no rosto.
Estava magra como um galho e suja de poeira, lama, sangue e outras coisas. Tinham lhe dado um vestido de pano esfarrapado sem mangas e que mal passava dos joelhos; fora isso, não usava mais nada.
Os soldados pareciam ter decidido que ela era uma ameaça formidável, já que a acorrentaram de todas as formas possíveis. Suas mãos foram atadas às costas, tinha uma corrente prendendo seu pescoço à parede, como uma coleira, além de outra presa aos tornozelos, tão grossas que seriam capazes de conter um cavalo.
A garota o observou, curiosa por um momento. Então pareceu se lembrar:
— Você! — gritou, como se não acreditasse em seus próprios olhos.
— Eu que devia dizer isso! — retrucou Siegfried, tão espantado quanto ela. — Que merda você tá fazendo aqui?
— Me perdi no caminho pra estalagem. O que você acha, mané!? Eu tô presa! O que você tá fazendo aqui? O conde cansou do cachorrinho dele?
— Peraí, como você sabe–?
Este conteúdo está disponível no Illusia. Se estiver lendo em outro lugar, acesse https://illusia.com.br/ para uma melhor qualidade e maior velocidade.
— Que você é o fiel escudeiro do conde? Deixa eu pensar, talvez porque ele me contou? E a sua esposa. E aquela metida de voz esganiçada. É só disso que eles sabem falar. Ah, e por falar nisso, PARA DE DIZER PRA TODO MUNDO QUE EU SOU SUA NAMORADA!
— … Quê?
— É sério, garota nenhuma gosta de um cara tão desesperado. Tipo, eu sei que sou linda e tal, mas eu mal te conheço. E eles não param de me perguntar isso e aquilo sobre você. De onde cê veio, qual sua relação com os rebeldes, que tipo de sobremesa você gosta. Eu sei lá!
— Que merda você tá–?
— Cala boca, que eu tô falando. Já tava ficando maluca por sua causa, acho que mereço pôr pra fora um pouco dessa raiva. Onde eu tava? Ah, é. Aquela loirinha metida. Ain, eu sou linda, rica e maravilhosa. Agora me conta qual cor de vestido ele gosta, esse ou esse, porque eu não consigo pensar por mim mesma e vai ser o fim do mundo se eu não seduzir aquele mercenário. Hihihi — disse com uma voz esganiçada, então fingiu que queria vomitar, respirou fundo e se acalmou. — Ufa. Cara, me sinto até mais leve.
— … Terminou?
— É, acho que sim. — Ouviu-se um som abafado de metal caindo no chão de madeira, então as mãos dela estavam soltas. — Bom, hora de ir. O Cara de Pança já deve estar na metade do seu turno agora, e quero passar antes que alguém acorde ele.
— Quê? Como você–?
— Por que acha que eles colocaram todas essas correntes? — Ela cantarolou, enquanto levava as mãos à coleira em seu pescoço e usava alguma coisa na fechadura.
— Peraí, cê já escapou antes?
Este conteúdo está disponível no Illusia. Se estiver lendo em outro lugar, acesse https://illusia.com.br/ para uma melhor qualidade e maior velocidade.
A coleira se soltou e ela massageou a nuca. A pele estava vermelha e em carne viva. Então suspirou aliviada e disse:
— Claro que não, se não eu nem tava aqui, né?! A menos que por ‘escapar’, você queira dizer que eu já me soltei dessas correntes e cheguei até os muros. Nesse caso, já, várias vezes. — Ela então começou a mexer nas correntes em seu tornozelo. — Não é a primeira vez que alguém tenta me prender, e garanto que não vai ser a última.
As correntes se soltaram e ela esticou as pernas, mexendo os dedos dos pés e se recostando na parede:
— Ah, isso é bom. Que foi? Não é educado ficar encarando uma dama, sabia?
— Isso não faz sentido.
— Claro que faz. Tipo, é estranho ver um cara te olhando por vinte minutos sem nem piscar. Pessoas normais não fazem isso.
— Eu não tô falando disso. Por que o conde te manteve aqui?
— Sei lá. — Ela se levantou e começou a se alongar. — Pergunta pra ele quando se encontrarem. A gente se vê por aí… Ou não.
Ela já estava caminhando até a porta, quando esta se abriu com um estrondo e a garota deu de cara com uma enorme figura parada bem na sua frente; tão grande que precisou se encolher para passar pela entrada.
Um relâmpago iluminou a noite, mas Siegfried já sabia quem era, muito antes disso.
Este conteúdo está disponível no Illusia. Se estiver lendo em outro lugar, acesse https://illusia.com.br/ para uma melhor qualidade e maior velocidade.
O conde ainda vestia seus trajes de dormir; uma calça de algodão simples e o peito cabeludo desnudo por baixo de um casaco de pele de urso. Seu cabelo pingava por causa da chuva que caía lá fora e estava encharcado. Provavelmente veio assim que ouviu as notícias.
Ele se aproximou e a garota recuou. Bastou um olhar carrancudo para que ela voltasse ao seu lugar e prendesse as correntes em seu tornozelo novamente; um gesto mais simbólico do que realmente necessário.
O rapaz trocou olhares com ela, que sussurrou irritada:
— Cala boca.
Siegfried sorriu, até que a sombra do lorde o cobriu e sentiu seu coração disparar. Se atreveu a olhá-lo nos olhos e não recuou, mas era impossível saber o que pensava.
— Guardas! — chamou o conde, e dois soldados vieram correndo para soltar as suas correntes. O escudeiro se levantou com dificuldade e ficaram frente-a-frente. — Você irritou muita gente hoje.
O lorde se virou e já estava na porta, quando parou e olhou para a garota de olhos azuis, que estremeceu em seu canto. Então falou algo a um dos soldados mais próximos dele, mas o trovão abafou o som.
— S-será feito, vossa graça — declarou o guarda, confuso e um pouco hesitante.
O conde se dirigiu ao Salão dos Poucos e Siegfried o seguiu, sentindo suas costelas fraturadas doendo a cada passo.
— Imagino que não tenha sido você — disse o lorde, sem olhar sequer de relance ou diminuir a velocidade.
Este conteúdo está disponível no Illusia. Se estiver lendo em outro lugar, acesse https://illusia.com.br/ para uma melhor qualidade e maior velocidade.
— Não.
— Hum. Então eles estão mais atrevidos do que eu pensei.
— … A garota. Por que–?
— Ela está bem. Preocupe-se consigo mesmo agora.
Quando olhou para trás, Siegfried viu o soldado de antes dando ordens para seus companheiros fazerem alguma coisa com a garota de olhos azuis.
Então a porta da prisão se fechou.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.