Capítulo 0024: Garota levada
Quando Siegfried chegou ao salão, o almoço já estava sendo servido, mas não foram poucos os curiosos que deixaram de lado o pão e a cerveja para observar o escudeiro do conde entrar.
Embora fosse difícil dizer se o faziam pelo papel que desempenhou na execução de Kellen e no açoitamento de Dorian, ou pela pequena escrava que vinha agarrada ao seu braço.
— Por que eu tenho que te carregar?
— Como você espera que eu ande com essa merda no meu tornozelo?
As correntes realmente a deixavam lenta e um pouco desajeitada. Mais de uma vez o rapaz pensou em simplesmente dizer a ela para tirá-las; sabia que a garota podia fazer isso a qualquer momento. Mas a decisão não lhe cabia.
Levou uma eternidade para chegarem aos seus assentos, com a Gwen andando a passos tímidos, enquanto os convidados criavam os seus próprios rumores sobre ela. Uma paixão de infância, uma antiga colega mercenária, uma princesa dos reinos de Dirin.
Ajudou ela a se sentar e as servas vieram correndo para lhes trazer as bandejas de comida; pão, queijo e mingau de aveia, com canecas de cerveja para acompanhar.
Só então notou que Emelia e Brynna encaravam os dois de boca aberta, do outro lado da mesa.
— Que foi? — perguntou Siegfried, virando o rosto para Gwen, ao seu lado. A garota comia um pedaço de pão com queijo e não parecia se importar com elas.
As duas trocaram olhares entre si, tentando decidir quem falaria, mas foi Gwen quem respondeu:
— Elas não gostaram que você trouxe uma escrava pra mesa dos livres. — Então o abraçou e sorriu com desdém para Emelia e Brynna. — Acho que estão com ciúmes.
— N-não — disse Brynna. — Claro que não. S-só estamos um pouco… Surpresas. Quero dizer. A Dara… Eu pensei que vocês dois estivessem… Você sabe.
— Aquela loirinha metida? — perguntou Gwen.
— E-eu acho que é. Mas você não devia–
— Hum… — Gwen a ignorou e então encarou Siegfried.
— Quê que foi?
— Cê é mais popular do que eu pensei, ein? Não que seja um grande desafio. Quase não têm homens da nossa idade por aqui, e até que o seu rosto é bonitinho. — Ela virou para Emelia e Brynna. — Não é à toa que todas as garotas tão a fim de você.
— E-eu já disse que não é isso! — O rosto da Brynna ficou vermelho como um tomate. — V-você entendeu errado!
— I-isso é muito inapropriado — disse Emelia.
Gwen ignorou elas e voltou a observar o rapaz por um momento, como se esperasse que ele fizesse alguma coisa. Quando nada aconteceu, ela suspirou desapontada:
— Bonito ou inteligente, né? Parece que não tem como um garoto ser os dois. Que desperdício.
— Você não devia dizer isso — advertiu Brynna, com a voz quase um sussurro para não chamar a atenção de Siegfried. Não que tenha funcionado.
— Mas é verdade… — Ela parou de falar assim que notou a filha do conde a observando fixamente, então procurou ao seu redor, como que para ter certeza de que era para ela que a garota olhava. — Que foi?
— Seus olhos… — respondeu Emelia, como se não pudesse acreditar no que via. — Você é uma nobre?
— …
— Eme? — Brynna parecia tão confusa quanto Siegfried, então sussurrou ao ouvido da amiga: — Do que você tá falando? Ela é uma escrava.
— Mas esse azul… Só a família real tem olhos assim. São os olhos da nobreza mais pura. Dos descendentes da família Graylock. Então… Isso não significa que ela também tem sangue real correndo nas veias?
Siegfried e Brynna observaram a garota de olhos azuis.
O rapaz sabia pouco sobre a família Graylock; eram a casa real de Thedrit e governaram por mais de oitocentos anos, até que o Rei Negro matou o antigo monarca e tomou o trono. Desde então, o país enfrentava uma guerra civil entre a facção do Rei Negro e a do príncipe Helmut Graylock.
Ninguém nunca falou nada em olhos azuis.
A menos que digam respeito à beleza de jovens donzelas, as notícias raramente se importam com as aparências.
— Eu não faço ideia do que cê tá falando — respondeu Gwen, após um breve silêncio. — É só uma cor. Todo mundo tem olhos assim de onde eu venho. Só porque é raro aqui, não quer dizer que seja no resto do mundo.
— Mas…
— Ah, peraí. — Ela sorriu. — Já saquei. É aquela coisa, né? Eu ouvi que o Rei Negro tá oferecendo terras e um título de grandeza pelas cabeças de qualquer um com sangue Graylock. Então cê tava pensando em me entregar pra ganhar a recompensa, né? Cara, que pena, mas eu não–
— Nunca! — gritou Emelia, batendo na mesa e se levantando de forma tão abrupta que todos no salão pararam um instante para prestar atenção nela. Quando percebeu isso, ajeitou o vestido e sentou novamente, se acalmando. — Eu nunca pensei nisso.
— Huh?
Gwen subiu na mesa como uma gata e começou a andar de quatro até Emelia, do outro lado, parando com o seu rosto a poucos centímetros do dela:
— Parece que temos uma garota levada aqui. Não gosta do Rei Negro, mocinha?
— E-eu não disse–
— Hahaha. Relaxa, eu tô só brincando. — Em um instante, Gwen já estava sentada ao lado da filha do conde, rindo e abraçando. — Cá entre nós, eu também não vou muito com a cara dele. O babaca meio que matou meus pais, sabia? Isso não deixa uma boa primeira impressão.
— A-a casa Gaelor é leal ao Rei Negro — disse Emelia, tremendo e olhando ao redor com o rosto pálido, como se temesse que alguém fosse cortar a sua cabeça a qualquer momento.
— Claro que é. E você é uma boa filha. Do tipo que nunca faria algo pra prejudicar sua família, não é?
— E-eu… Anham. Quero dizer, sim. Não, espera, não. Eu quis dizer não… Não é? Eu não faria nada pra prejudicar minha família.
— …
— Eu juro!
— Nesse caso, acho que eu posso te contar. — Gwen sorriu e se inclinou para mais perto, até o ouvido de Emelia, então sussurrou alguma coisa que fez a filha do conde ficar pálida como um fantasma.
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