Índice de Capítulo

    Igmar e seus homens chegaram com a alvorada, resmungando desordenadamente e enchendo o pátio de treinamento em instantes.

    Assim que os viu, Siegfried guardou a espada e deu por encerrado o treino.

    “De novo.”

    Nos últimos dias, os guardas pareciam estar se preparando para a guerra. Vinham cedo, saíam tarde e, a cada dia que passava, vinham ainda mais cedo e saíam ainda mais tarde.

    “Daqui a pouco eles vão começar a dormir aqui.”

    Era como se não o quisessem em forma.

    Se o conde estivesse lá, poderia ter ficado quanto tempo fosse necessário, mas ultimamente ele tinha andado ocupado demais com questões administrativas e mal o via, exceto nas reuniões, quando o servia como seu escudeiro.

    Em apenas cinco dias, a execução de Kellen já havia levado a uma ruptura na corte.

    Era só uma questão de tempo até que alguém fizesse algo realmente idiota, e até Siegfried sabia disso.

    Ainda podia sentir o cheiro de fumaça e carne queimada que impregnava o ar desde o funeral do patriarca Essel, dois dias atrás.

    Sua morte criou uma barreira entre as famílias Essel e Gaelor.

    Kethra havia se isolado na cabana das servas e se recusava a sair; Mirabel vivia se escondendo de todos, sem comer ou tomar banho; até mesmo Dara tinha parado de andar com Emelia e agora era como um fantasma, passeando pela fortaleza sozinha e em silêncio.

    Dorian era o mais preocupante. Parecia tentar assumir o papel de seu pai, dando ordens à sua mãe e irmãs, e exigindo fazer parte do conselho. Não que tenha sido bem-sucedido em qualquer uma dessas coisas.

    Exigir algo ao conde era como pedir para não ser ouvido, por isso não foi aceito no conselho. Mais do que isso, sua insistência fez com que o lorde passasse a desprezar a presença do barão Frost; não fazia mais questão de chamá-lo e, nas poucas vezes em que lhe dava atenção, o rebaixava.

    — Você está criando inimigos onde não devia — alertou a condessa, quando as reuniões se tornaram apenas conversas entre eles dois, com Siegfried e Sam como copeiros.

    — Meus inimigos estão onde sempre estiveram — respondeu o conde.

    — Eles são a minha família.

    — Sua família é podre!

    — …

    — Vivem conspirando contra mim. Vivendo às minhas custas.

    — Talvez eles não fizessem isso se não precisassem! Você está sempre tão cheio de si. Sempre querendo diminuir os outros pra se sentir forte. Adivinha só, nem todo mundo que discorda de você, quer o seu mal! Saberia disso se não fosse um idiota tão grande!

    Essa foi a última reunião do conselho.

    Depois disso, era apenas o conde analisando um monte de papéis e convocando uma ou outra pessoa para lhe dar informações e receber ordens.

    “Essel e Gaelor… Essa fortaleza não é grande o bastante pra uma batalha assim.”

    Siegfried sentiu o vento gelado cortando o seu rosto a cada brisa, então deixou Igmar e seus soldados para trás.

    — Até que enfim — disse Gwen, quando o viu, se aconchegando no casaco de pele de lobo que o rapaz tinha lhe dado. Apesar de ser grande o bastante para cobri-la até os tornozelos, a garota ainda tremia de frio. — Seu maldito rato do gelo. Eu tô aqui há horas!

    — Para de reclamar, eu te dei um casaco.

    — E você acha que essa merda esquenta alguma coisa? — Ela abriu a pele de lobo, revelando seu vestido de seda fina por baixo, até que uma brisa a atingiu e a garota voltou a se embrulhar, com os dentes batendo e o nariz escorrendo. — Merda! Dá pra gente entrar agora?

    Siegfried olhou ao seu redor. Além dos guardas, viu também alguns servos que acordavam para fazer as suas tarefas. Nada fora do normal. Então assentiu e os dois voltaram ao calor aconchegante do salão.

    O desjejum foi servido meia-hora depois de chegarem e Gwen acabou queimando a língua quando tentou tomar o mingau de aveia rápido demais.

    O rapaz olhou ao seu redor, mas todas as mesas estavam vazias. E o salão também estaria, se não fossem pelas servas que iam e vinham arrumando as coisas.

    — A gente ainda tá do lado do conde? — perguntou Gwen, enquanto partia um pedaço de pão. Tão casualmente como se estivesse perguntando o que ele preferia: queijo ou ovos.

    — Sim, ainda! Já disse. Eradan não merece a minha lealdade.

    — Mas um assassino de parentes, sim?

    — Ele era um traidor.

    — E Dorian um babaca. O barão um conspirador idiota. Aposto que até a condessa tinha algum defeito, né?

    — …

    — Ponha dois fidalgos em uma sala, jogue um osso no chão e veja-os começar uma guerra pra saber quem tem mais direito a ele. Nobres são todos egoístas e burros, se o conde espera que concordem com ele o tempo todo, talvez tenha passado tempo demais no campo de batalha e muito pouco sentado naquela cadeira bonita. Não acho que as coisas vão acabar bem pra ele.

    — A família Essel…

    — Na boa, a essa altura, acho que a gente já pode começar a chamar eles de facção Essel. Facção Essel-Frost pra ser mais precisa. Essel-Frost-Gaelor, se a condessa decidir que o seu sangue é mais importante do que o seu casamento… Parando pra pensar, acho que a facção do conde só tem ele. Bem, ele, você e, infelizmente, eu.

    — …

    — Que foi?

    — Eu devia matá-los.

    — …

    — O conde não pode fazer isso, mas eu posso. Toda essa merda é culpa do Dorian e do avô dele. Se eu matar eles–

    — A sua cabeça vai rolar… Mas, é. Talvez. Pra ser sincera, a culpa de tudo isso é meio que sua também. Aposto que não estariam tão agitados se não tivessem que ver um mercenário olhando eles de cima. Vai saber? Talvez tudo o que você precise fazer é pedir desculpas e beijar os pés deles pra toda essa merda acabar. 

    — Seu cérebro deve ter congelado por causa do frio, se acha que eu vou lamber o chão daquele merdinha, só pra manter a ‘paz’.

    — Parece que o orgulho dos mercenários é tão frágil quanto o dos nobres. Bom, de qualquer forma, foi só uma ideia. Não faz diferença. Daqui a pouco um deles faz alguma merda e aí o conde te manda cortar a cabeça de todo mundo. Fácil fácil.

    Assim que ela disse isso, um barulho metálico e alguns gritos chamaram a atenção deles para o lado de fora.

    — Caramba! — disse Gwen, sorrindo. — Essa foi rápida.

    Quando saíram, encontraram o motivo.

    Emelia estava tentando acalmar Sam, que havia roubado uma espada, um escudo e um elmo do arsenal, enquanto dois guardas assistiam, sem saber o que fazer.

    — Sai da frente — disse o garotinho —, ou eu te corto!

    — Seu pivete malcriado — disse a irmã. — Eu vou contar pra mamãe!

    — E-eu não ligo. — A voz dele saiu trêmula e meio hesitante, de repente ciente da gravidade de suas ações. Mas não recuou. — P-pode contar…

    Emelia estava abrindo a boca para dizer algo mais, quando os viu:

    — G-Gwen. Sieg.

    — Sieg! — gritou Sam, correndo em direção ao rapaz. — Ela sumiu! Eu tava indo atrás dela. A gente não tem tempo. Eu–

    — Tá legal, devagar — disse Siegfried, fazendo o garotinho respirar fundo algumas vezes e se acalmar. — Agora, o que aconteceu?

    — A Mira. Ela sumiu!

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