Índice de Capítulo

    O leite quente que serviram no desjejum tinha um gosto doce; Siegfried bebeu três canecas cheias, saboreando o leve toque de mel usado para dar sabor à bebida.

    Hidromel teria sido melhor, mas não importava. A vitória deixava tudo com um gosto melhor.

    Quando fechava os olhos, ainda podia ver Igmar caído de joelhos à sua frente, segurando o toco sangrento em que sua mão decepada terminava.

    — Desgraçado! — gritou o capitão da guarda, lutando para se levantar, enquanto escorregava no próprio sangue e espumava pela boca feito um animal selvagem. — Matem-no! Matem-no agora mesmo! Eu ordeno!

    Os guardas hesitaram por um momento, até que meia dúzia dos mais leais tomou a dianteira e os demais seguiram seu exemplo. Teria sido uma boa luta, provavelmente sua última, se o conde não tivesse aparecido:

    — Ninguém fará nada!

    — V-vossa graça? — A voz de Igmar saiu fraca e assustada. Não esperava encontrar seu lorde ali, não naquelas condições. — E-ele…

    — Eu vi o que aconteceu. Não há vergonha em perder um duelo, mas há desonra em se recusar a aceitar sua derrota. Não esperava isso de você.

    Com sua licença, os guardas levaram seu capitão até o sacerdote, para tratar do ferimento, e o conde se dirigiu ao salão.

    Não levou mais do que alguns instantes para as fofocas se espalharem, mas da forma que os guardas a contavam, parecia até que Siegfried havia arrancado o braço inteiro de Igmar em um ataque de fúria.

    A versão das servas era mais… Cavalheiresca:

    — Estou dizendo, foi um duelo pela honra daquela garota lá, aquela que tá sempre com ele.

    — Ela é uma escrava.

    — Bem, isso não o impediu. Ah, você devia ter visto. Ele dominou a luta desde o começo, dando golpes e estocadas por todos os lados. Já havia conquistado a vitória quando a inveja enlouqueceu Igmar e ele se lançou sobre a garota. Foi então que a sua mão foi arrancada. ‘Faça o que quiser comigo’, ele disse ‘, mas não ouse tocar um dedo sequer nela’. Kyaaaa! Você tinha que ter visto. Foi como nas canções.

    Gwen achou a versão das garotas mais divertida. Quando uma serva que trazia a bandeja com pão perguntou se era verdade que Siegfried tinha lutado por ela, a garota sorriu e respondeu:

    — Espera-se que o homem defenda a honra de sua mulher, não concorda?

    A serva quase deixou a bandeja cair no chão ao ouvir isso, e então havia outro rumor circulando.

    — Cê tá piorando as coisas — ele disse.

    — Não, eu tô marcando território. E cê devia me agradecer.

    — Quê?

    — Cê fez um voto de castidade, né? Então, eu tô te ajudando a mantê-lo.

    — Como–?

    — Metade dessas garotas quer casar com você, e a outra metade já ficaria mais que feliz em tê-lo só por uma noite. Mesmo assim, você ainda não pôs um filho na barriga de nenhuma delas. Ou é isso, ou cê é gay. E, na boa, eu já te peguei olhando pra minha bunda mais vezes do que posso contar.

    — …

    — Relaxa, eu não mordo. Meu irmão mais velho também tinha um voto parecido. Alguma coisa sobre esperar pela garota certa ou sei lá. Mas essas aí? Bem, um garoto com esse rostinho e que nunca esteve com uma mulher? Algumas podem achar ‘divertido’ brincar com você.

    Siegfried olhou ao redor. Ela tinha razão.

    O Salão dos Poucos incluía servas dos quatorze aos trinta anos, e todas pareciam observá-lo atentamente. Tinha sido assim desde que ajudou a libertar os escravos, mas agora que os rumores do seu duelo com Igmar haviam se espalhado, as garotas pareciam mais ousadas.

    As mais corajosas se aproximavam carregando uma bandeja e, quando se inclinavam para servir, cochichavam em seu ouvido. Isso era o mais longe que se atreviam a ir, quando o rapaz estava perto de Gwen.

    Até que uma sentou ao seu lado e abraçou o seu braço, sorrindo um pouco nervosamente.

    — Brynna!?

    — A-ah, e-e-eu tô t-tão cansada. — Sua voz saiu trêmula, quando ela apoiou a cabeça no ombro dele. — T-tudo bem se eu descansar um pouco aqui, né…?

    — Viu? — Gwen sorriu. — As garotas daqui são como abutres. Sempre espreitando atrás de um pouco de carne fácil.

    — O-o quê!? — Brynna se ajeitou no assento, irritada. — Eu não sou–

    — Então cê não ouviu os rumores?

    — Sobre você?! Humpf. Só os piores, ladra!

    — Então devia ser menos atrevida quando está segurando o que é meu.

    — Ou o quê!?

    — ‘Ou’ podemos falar sobre as suas escapadas noturnas.

    — Do que você tá falando?! Eu não–

    — Francamente! O que a sua irmãzinha pensaria disso? Ninguém gosta de uma garota ‘infiel’.

    Brynna soltou o braço de Siegfried e se levantou em um salto, com o rosto pálido e a boca aberta, mas nada disse.

    Gwen sorriu e observou a garota fugir às pressas:

    — Até que foi divertido.

    Depois disso, as servas passaram a manter uma distância segura de Siegfried e um olho atento em Gwen.

    — Nada mal — disse Elenor, sentando-se em um assento na frente do casal. — Você tem o espírito de uma rameira, querida.

    — E isso devia ser um elogio — disse Gwen —, me chamar de ‘prostituta’?

    — Mas é claro. Você não acha?

    — Não! O que você quer!?

    Elenor sorriu e então se virou para Siegfried:

    — Quanto quer pela garota?

    — Eu não tô à venda!

    — Escravas estão sempre à venda! De qualquer forma, não foi com você que eu falei.

    Siegfried se sobressaltou ao sentir o pé descalço da mulher tocando a sua perna por debaixo da mesa.

    — E então? — Ela sorriu, como se nada tivesse acontecido. — O que me diz?

    — Ela não tá à venda!

    — Hum. Então, parece que os rumores eram verdade. O favorito do conde já tem dona. — Ela observou Gwen. — Quem diria… Você tem mesmo o dom, querida. Sei que não acha isso uma coisa boa. A maioria das garotas prefere ouvir como são ‘belas’ e ‘educadas’. Quem quer ser uma puta, quando pode ser uma dama? Mas aqui vai um conselho, de alguém que já foi as duas. A única diferença entre uma e outra, é que a esposa está limitada à sombra do seu marido, enquanto a prostituta pode ir tão longe quanto seu talento permitir.

    — Até ficar velha! — retrucou Gwen.

    Elenor não conseguiu segurar a risada, e depois de se acalmar, continuou sorrindo gentilmente:

    — Por isso é melhor se decidir rápido, enquanto ainda é jovem. — Ela levantou. — Uma pena, de verdade. Se as crianças escutassem os adultos um pouco mais, então não teriam tantas decepções na vida.

    E foi embora.

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