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    Siegfried sentiu o primeiro floco de neve da noite derreter em seu cabelo, enquanto cavalgava em silêncio atrás do conde, flanqueado por outros cinco soldados montados que faziam a proteção do lorde.

    O vilarejo tinha despertado para a confusão e já se podia ver janelas abertas e órfãos curiosos espreitando em becos escuros.

    Algumas casas tinham as portas abertas, e os guardas que as arrombaram começaram a sair conforme a notícia de que haviam capturado a fugitiva se espalhava.

    — Atenção, homens! — gritava um dos guardas montados ao lado do rapaz. — Reagrupar! As buscas terminaram!

    Brynna vinha montada na mesma sela que o escudeiro; seu corpo magro molhado de suor, enquanto ela se aninhava no peito do rapaz, assustada demais para abrir os olhos.

    Aos poucos, todos os soldados que tinham deixado a fortaleza, formaram uma comitiva que acompanhava o conde em seu retorno triunfante, embora os homens lhe parecessem cansados e rabugentos; como não estariam? A maioria deles ainda estava tão sonolenta que, provavelmente, nem sabiam o que estavam fazendo em primeiro lugar.

    Quando chegaram ao Salão dos Poucos, a neve já caía com vigor, mas isso não impediu as servas de aguardarem atentamente o retorno deles; enquanto os soldados lutavam para voltar ao calor aconchegante do salão, as criadas corriam às pressas, se amontoando para ver a espiã.

    — Quem é? — perguntou uma para a amiga. — Você consegue ver?

    — Tô tentando, não empurra! Por Elyon!

    — O que foi? Fala!

    — É a Brynna!

    — Ha! Eu já sabia! — se gabou uma outra serva qualquer. — Nunca gostei dela. Sabia o que era desde que a vi pela primeira vez.

    — Ela sempre foi uma metida — concordou outra —, se achando toda importante só porque a lady Emelia era um pouco gentil com ela. Humpf. Bem feito!

    Então os comentários maldosos se espalharam como uma praga e, de repente, Brynna se tornou a própria encarnação de Maldrek.

    Os cavalos pararam e Siegfried ajudou a garota a desmontar, mas assim que os pés dela tocaram o chão, o conde a agarrou pelo braço e a arrastou para longe sem dizer nada.

    “Só depois de alguns dias de tortura”, as palavras de Gwen vieram do nada e o fizeram se sentir pior do que da primeira vez que as ouviu.

    Então pegou as rédeas de ambos os cavalos, seu e do conde, e os conduziu de volta aos estábulos, onde um velho palafreneiro o ajudou a tirar os arreios dos animais.

    Já estava quase terminando quando ouviu o grito.

    Então os cães enlouqueceram, latindo com raiva e lutando para escapar dos soldados que tinham as coleiras, agitando os cavalos, que começaram a relinchar; todos, menos aqueles que pertenciam ao conde; seu garanhão negro fungou como se estivesse incomodado com o barulho, enquanto o andaluz branco balançou a cabeça, relinchou e então se aquietou.

    Siegfried parou um momento e escutou.

    “Isso é justiça”, disse a si mesmo. “Os traidores sabem o destino que lhes aguarda.”

    Mas então vieram as risadas.

    Não apenas os soldados, mas também as servas; garotas que até algumas horas atrás se diziam ‘amigas’ dela, mas que agora sorriam enquanto contavam mentiras a seu respeito.

    Siegfried não sabia para onde o conde a tinha levado, mas não foi difícil encontrá-los, apenas correu para onde a multidão se reunia e abriu caminho por entre eles, até chegar do outro lado.

    Encontrou os dois no pátio de treinamento e viu o momento exato em que o conde quebrou o braço de Brynna; um soco tão forte que a lançou no ar como se fosse uma boneca de pano, e quando atingiu o chão, houve um estalo e um grito de dor que fez o coração do escudeiro pulsar.

    O conde caminhou em direção a garota e ela tentou se arrastar para longe, soluçando de tanto chorar, enquanto os outros riam.

    — Continua — brincou um dos guardas. — Cê tá quase fugindo, garota! Hahaha.

    — Que maldade — acrescentou uma serva, mas não era pena que tinha em seus olhos, e aquilo definitivamente não era um sorriso de tristeza.

    Brynna já tinha chegado no pell, quando o lorde a alcançou e esmagou seu tornozelo com um pisão. Outro estalo; outro grito. Era difícil imaginar como ela ainda se mantinha consciente, quando o rapaz já tinha visto homens maiores desmaiarem de dor por muito menos.

    — Eu te criei! — disse o conde. — Acolhi você quando não era mais que uma pirralha melequenta! Minha filha via você como uma amiga!

    Ela chorou e tentou se mover, mas por mais que lutasse, seu braço não conseguia mais arrastar o resto do corpo. Ainda assim ela tentou, arranhando a terra até os seus dedos sangrarem, mas de nada adiantou e ela não se moveu.

    Então sua mão o encontrou.

    — Não me lembro de ter te chamado — disse o conde.

    — Não chamou — respondeu Siegfried.

    — S-Sieg…? — A garota agarrou a perna do rapaz, se encolheu e soluçou de tanto chorar. — Por favor… P-por favor… P-p-por favor…

    O conde não se comoveu.

    — Por Elyon, garoto. Não me diga que veio aqui por ‘pena’.

    — …

    — Tsc! Você continua mole.

    — Ela é uma garota!

    — Um traidor é um traidor, não importa o que tem ou deixa de ter no meio das pernas! Agora, se não vai me ajudar, dá o fora daqui!

    O lorde não esperou por uma resposta. Assim que terminou de falar, deu um passo em direção à Brynna, até que Siegfried avançou e pôs a mão em seu peito, o impedindo de alcançá-la.

    Então a fortaleza prendeu a respiração.

    — Eu te dei uma ordem! — disse o conde; a voz carregada de raiva e as sobrancelhas franzidas, lutando para não perder o controle. — Sai da–

    — Foi a Eme!

    — … Do que você tá falando!?

    — Foi ela quem deu a ordem! É por isso que a Brynna estava te espionando.

    — Está dizendo que minha filha é uma traidora!?

    — Você mesmo disse, elas são melhores amigas. E a Eme é leal aos Graylock, sabe disso. Foi você quem me disse, lembra?

    O conde hesitou. Olhou para Brynna, então de volta para Siegfried e disse:

    — Ela é sua responsabilidade! Eu quero saber tudo! — Então se virou e foi embora. — Alguém me traga cerveja! Agora!

    Algumas servas correram para obedecer ao lorde, mas a maioria permaneceu onde estava, olhando incrédulas para o rapaz, enquanto os guardas discutiam entre si, preocupados.

    — E-ele desafiou o conde.

    — Sua graça recuou? Como isso é possível?

    — Ele não era só um mercenário?

    — O que isso significa?

    Siegfried ignorou todos e foi até Brynna.

    A garota já não tinha forças para chorar, mas se encolheu de medo quando ele a tocou.

    — Sou eu.

    — S-Sieg…?

    — Tá tudo bem, eu vou te pegar agora. Vai doer um pouco.

    Ela assentiu com a cabeça, então ele a levantou no colo. Leve.

    — Sieg…

    — Fala.

    — O-obrigada… Obrigada…

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