Capítulo 0047: Sombras da guerra
As ruas do vilarejo estavam frias e desertas; cada janela fechada, cada alma encolhida ao redor de uma fogueira, confinadas em suas próprias casas pela neve que tomava conta das ruas. Nada além do vento uivante que soprava; a morte daqueles que não encontravam abrigo.
Mas o bordel não.
O bordel nunca.
Em meio ao branco e às sombras, o prostíbulo se mantinha quente como um archote, transbordando calor e vida. O coração pulsante da região.
Siegfried entrou no estabelecimento e abaixou o capuz, sacudindo a neve acumulada em seu cabelo.
O cheiro de álcool, perfume e suor impregnava o ar; além de outros odores mais fortes que o rapaz preferia Ignorar.
— Vice-capitão! — saudou um soldado bêbado, com uma mulher sentada em seu colo e uma caneca de cerveja na mão.
— Capitão! — responderam outros guardas que também se encontravam no local; em sua folga, esperava.
Um mês e meio havia se passado desde que o capitão Igmar e seus homens partiram, e exceto por um ou dois casos isolados, os guardas logo aprenderam a respeitar o seu novo vice-capitão. Já fazia mais de uma semana desde a última vez que um deles desafiou suas ordens. Não lembrava mais por qual motivo, mas não precisou de mais do que um braço quebrado para colocá-lo de volta na linha.
Duas garotas, um ou dois anos mais velhas que ele, tiraram o seu manto e uma delas segurou a sua mão contra o peito, enquanto a outra beijava o seu pescoço:
— Tadinho, ele tá tremendo.
— Está com frio, meu senhor? — perguntou a outra, sussurrando em seu ouvido, antes de mordiscar sua orelha.
— Por que não nos deixa aquecê-lo um pouco? — Ela aproximou sua boca da dele. — Pode ser o nosso primeiro dessa noite.
Siegfried a afastou, não sem gentileza. Já tinha aprendido a lidar com as garotas do bordel.
A rameira deixou escapar um suspiro e desistiu:
— A mãe Elenor tá lá em cima. Olha, eu sei que ela é boa e tudo mais, mas é sempre ela. Se me der uma chance–
O rapaz a ignorou e subiu as escadas.
O lugar era grande, com oito quartos sempre em uso. Viu uma mulher conduzindo um dos seus guardas até um deles, batendo na porta e mandando a sua colega se apressar lá dentro.
A sala de Elenor ficava no fim do corredor.
A encontrou sentada atrás da sua mesa, com alguns papéis espalhados por ela e o cheiro de incenso de rosa-branca no ar.
Brynna estava ao seu lado, como sempre. Vestia um casaco de lã por cima do seu vestido azul de algodão, e sua pele parecia mais pálida e macia do que quando foi levada. Para uma escrava, ela parecia ótima.
A garota foi a primeira a vê-lo e abriu a boca em um sorriso, mas segurou a língua e quem falou primeiro foi Elenor:
— Capitão! — A mulher sorriu. — Por favor, sente-se.
O rapaz obedeceu e trocou olhares com Brynna por um instante. O bastante para Elenor notar:
— Ela está linda, não é? E já está pronta pra sua primeira vez, se quer saber. Foi uma aluna tão dedicada, até invejo o sortudo. E não são poucos os que estão se endividando por ela. Uma garota dessas vale, no mínimo, 9 peças de prata. Talvez um cavaleiro, ou um comerciante bem-sucedido. Mas é tão inocente e apaixonada, vive sonhando com o seu primeiro amor, sabe?
Brynna corou.
— Vez ou outra um bardo aparece, tentando me conquistar com canções ‘picantes’, mas também sou uma mulher romântica, e as minhas canções favoritas sempre foram sobre amantes. O que me diz?
— Eradan. Você tem informações ou não?
Ela parou por um momento, olhando fixamente os olhos de Siegfried, antes de deixar escapar um suspiro e dizer:
— Olha, eu tenho que dar o braço a torcer paraquela Gwen, ela pôs a coleira bem apertada nesse seu pescoço, ein?!
— …
— Está partindo o coração de uma bela donzela, sabia? Vai mesmo deixar que a primeira vez dela seja com outro? Um cavalheiro teria lhe feito esse favor e dito algumas palavras gentis na manhã seguinte.
— Pra mim, isso parece mais um babaca.
— Que sem coração. Bom, acho que vai ficar tão decepcionado quanto eu. São poucas as notícias que têm chegado. A redução de impostos que o conde fez está atraindo um monte de refugiados e mais o dobro de ciganos, principalmente vindos da marca de Helder. Uma caminhada bem longa, se quer a minha opinião. E os camponeses não estão nada felizes com isso.
— Se tem tantos vindo, porque ainda não estão aqui?
— Como eu disse, os camponeses não estão muito felizes com isso. Soube de alguns ataques aqui e ali, mas acho que devemos agradecer ao seu velho amigo, Eradan por isso. Ele e seus homens têm saqueado qualquer um que tenta entrar no condado. Se depois ele mata ou não, depende do seu humor. E ele tem estado de mau-humor ultimamente.
— Onde!?
— Vai saber. — Ela encolheu os ombros. — Esse é o problema. Não tem muita gente pra quem perguntar. Acha que é só por causa do frio que tá todo mundo em casa? Alguns moradores estavam planejando visitar os parentes na Vila da Truta ou Cidade Pequena, mas desistiram por causa dos rumores.
— É só isso? Refugiados mortos na estrada e você nem sabe onde?
— É tudo o que eu tenho.
— …
— Essa cara emburrada faz mal pro seu rosto, querido. Se quer dizer alguma coisa, diga.
— Tem certeza que não estão te enganando?
— Cê tá falando sério? — Ela parecia irritada.
— A gente devia ter se encontrado em um local neutro, fora de vista. Uma vez ou outra pode até passar despercebido, mas não tem como ninguém notar quando eu venho aqui uma vez por semana. Se eles estiverem te passando informações falsas pra me enganar–
Elenor começou a rir… Muito.
Levou quase um minuto antes dela conseguir se sentar corretamente e, quando terminou, o seu rosto estava vermelho.
— Por Elyon. É tão fofo como você não percebe. Parece um garotinho vestindo a armadura do pai.
Siegfried sentiu suas orelhas queimarem.
— Eu te garanto que os guardas são uma das visões mais comuns no meu bordel, pode-se dizer que metade do meu lucro vem deles, especialmente no inverno, quando não tem mais nada pra fazer. E um jovem vice-capitão como você? Se quer saber, acho até que minhas meninas pensam que você é um pouco ‘casto demais’ por vir aqui só uma vez por semana.
E a conversa terminou.
Brynna o conduziu até a porta, mas quando ele estava prestes a ir embora, a garota segurou a sua mão, pronta para dizer alguma coisa, até que o olhou nos olhos e desistiu.
Lá fora, a neve tinha abrandado, mas a noite só ficava mais fria.
Siegfried caminhou até o seu cavalo, e quando pegou as rédeas, viu a lua projetar uma sombra atrás dele, voando acima da sua cabeça. O rapaz se virou e Gwen aterrissou, rolando no chão para amortecer a queda.
Quando se levantou, seu nariz estava vermelho e tremia de frio por baixo do seu casaco de pele de lobo; os dedos dos pés descalços afundando na neve, enquanto sua respiração congelava no ar. Mas ela parecia feliz.
— Cê devia começar a usar botas — ele disse, desamarrando as rédeas que prendiam o cavalo ao poste de atrelar.
— Eu gosto de sentir a terra nos meus pés… Ou a neve, nesse caso. E aí? Como foi lá?
— Um monte de nada.
A garota se aproximou e Siegfried a levantou pela cintura, ajudando-a a montar. E assim que o fez, ela esticou os pés sujos de lama e neve derretida para o seu rosto, fazendo a parte de baixo do seu casaco deslizar para o lado, revelando as coxas desnudas da garota e um pouco da seda do seu vestido.
Ela sorriu.
— Pode me ajudar?
— …
— Por favorzinho.
O rapaz segurou o tornozelo dela e pegou suas correntes em uma mochila na sela do cavalo.

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