Índice de Capítulo

    As dobradiças enferrujadas rangeram e a madeira estalou quando os guardas abriram os portões com dificuldade; a neve acumulada tornando-os tão pesados como se fossem feitos de pedra.

    Mas quando Siegfried conduziu o seu cavalo a passo lento pelo arco da entrada, as sentinelas estavam de volta em posição. Firmes e alerta; como deviam. O rapaz acenou para eles com a cabeça e seguiu em frente até os estábulos.

    — Uma garota pode se acostumar com isso — brincou Gwen, que dividia a sela com ele.

    Quando chegaram ao local, o vice-capitão ajudou a garota a desmontar e entregou as rédeas do seu cavalo para um velho palafreneiro.

    — Capitão! — chamou Elly, correndo até o casal, mas perdeu o fôlego ao alcançá-los e se curvou com as mãos nos joelhos; a respiração pesada.

    — Qual o problema?

    O rapaz estendeu uma mão para ajudar a garota a se endireitar, e ela falou com dificuldade:

    — Ah! A… T-tem… Um… Tem um… N-na pri–

    — Sieg! — gritaram Sam e Mirabel, correndo na direção deles aos sorrisos e solavancos, lutando para descobrir quem chegaria primeiro; Sam foi o vencedor.

    Ao ver as crianças mais de perto, pôde notar que estavam com alguns machucados recentes e as roupas sujas. Ambos usavam o uniforme de treino: um casaco acolchoado de couro e calças grossas de lã negra.

    Sam tinha as mãos vermelhas, sujas de sangue e lama, com uma ferida na testa e andava um pouco inclinado para a direita, como se estivesse com dor no quadril; Mirabel tinha os cotovelos e os joelhos ralados, suas mãos trêmulas e o cabelo loiro, amarrado em um rabo de cavalo, mais se parecia com um ninho de pássaros em sua cabeça.

    — Eu venci — declarou Sam, orgulhoso.

    — Só a corrida! — retrucou Mirabel, então virou para Siegfried e sorriu. — Eu derrubei ele com o golpe que você me mostrou naquele dia. Girei pra direita e acertei, ‘pa!’, bem na cabeça dele. Tinha que ter visto, ele caiu que nem um saco de batatas. Hahaha.

    Elly tentou dizer alguma coisa, mas assim que abriu a boca, as crianças a empurraram para trás, lutando para chegar mais perto do rapaz.

    — Grande coisa. — Sam fungou. — E eu te derrubei da última vez, esqueceu?

    — A última vez é passado. Hoje, eu ganhei!

    — Só por causa daquele golpe. E ele não vai funcionar de novo!

    — Tá legal — disse Siegfried. — Bom trabalho, vocês dois.

    Então afagou a cabeça das crianças, sorrindo, e pôs um fim à discussão.

    Gwen segurou o seu braço em busca de apoio para andar com os tornozelos acorrentados e os quatro seguiram até o salão, conversando sobre novos movimentos de esgrima que as crianças queriam aprender.

    — Eu tô tentando falar! — gritou Elly e o grupo parou.

    De repente, um silêncio desconfortável tomou conta do pátio, enquanto olhavam para a garota, que corou e começou a gaguejar:

    — A-ah! S-sinto muito. Eu não… Não quis gritar. É só que… Hum. E-eu preciso falar com o senhor… Senhor. U-um mensageiro chegou.

    — Um mensageiro? De quem?

    — Do Eradan, senhor.

    Aquilo o pegou de surpresa.

    Siegfried mandou as crianças se limparem e irem para o salão, mas Gwen insistiu em ir com ele quando Elly o conduziu até a prisão.

    Um guarda os esperava em frente a porta, com a lança em posição. Não era um posto de serviço habitual; a prisão raramente precisava de guarda. Se estava ali, era por ordem de Elly e isso deixou o rapaz satisfeito. A garota era competente e sabia tomar boas decisões sozinha, qualidades difíceis de se achar em guardas domésticos.

    Lá dentro encontraram o prisioneiro: um jovem de dezoito anos, vestindo roupa de linho desgastada e com o cabelo bagunçado, mas estranhamento limpo e bem alimentado. Não parecia o tipo de homem que teve de se esconder em buracos e florestas úmidas por metade do inverno e boa parte do outono.

    — Ele não estava armado — explicou Elly. — E também trouxe isso.

    Ela lhe entregou uma carta e Siegfried deu uma olhada, mas não se esforçou para ler. Estava na língua comum de Thedrit, e não quis se dar ao trabalho.

    — Sinto muito, mas eu abri — ela confessou, envergonhada.

    — O que diz?

    — A mesma coisa que ele. Que veio com uma proposta de paz.

    — …

    O prisioneiro estava sentado do outro lado, os observando em silêncio com as mãos e os pés acorrentados. Tão calmo como se estivesse em casa. Nem se ouvia as correntes tilintando.

    O vice-capitão se aproximou.

    Estava escuro, mas isso não era desculpa. Siegfried não o reconhecia.

    — Qual o seu nome?

    — E faz diferença? — zombou o mensageiro. — Cê não me conhece, mas eu sei muito bem quem é você.

    — …

    — Matou muitos dos seus irmãos, mas acho que valeu a pena, né, ‘vice-capitão’?

    — Saiam! — ordenou, tentando conter a raiva.

    Elly e Gwen trocaram olhares por um momento, mas obedeceram sem questionar. O prisioneiro sorriu e prosseguiu:

    — É, acho que valeu mesmo a pena. Aquelas duas ali–

    — Está errado!

    — …

    — Eu não tenho irmãos rebeldes! Os homens que matei eram mercenários e criminosos.

    — É isso que diz a si mesmo? Te ajuda a dormir melhor à noite, vira-casaca?

    — Eradan não merecia minha lealdade! E a sua? Vai morrer pra ele recuperar uma torre vazia?

    — Acha que é por isso que estamos lutando? Por uma torre!?

    — Não. Vocês estão lutando por dinheiro. Ele está lutando por uma torre. E, se me lembro bem, não tá pagando muito por isso.

    — Lutamos pra depor um tirano! — gritou o prisioneiro, fazendo as correntes tilintarem com o movimento brusco.

    — Foi isso que ele disse? Os fidalgos acham que os plebeus são todos burros. Como alguém que cresceu entre a plebe, sei que estão errados, mas pessoas como você, não ajudam. Eradan é um homem desesperado. Ele vai dizer qualquer coisa pra manter vocês na linha.

    — É claro que você não entende! Um mercenário e um estrangeiro. Cê não dá a mínima pro que acontece aqui. Não faz ideia da merda em que a gente tá desde que o Rei Negro apareceu. Aqui já foi um lugar seguro, sabia? O sul de Thedrit. Onde nada nunca acontece. Agora as pessoas têm medo de sair na rua.

    — Por causa de vocês!

    — Por causa dele! É tão cego que não vê toda a merda que o seu precioso lorde tá fazendo!? Nós somos caçados feito cães! Executados sem julgamento! Forçados a assistir os corpos de nossos amigos e parentes apodrecendo em uma corda!

    — Já pensaram em, seil lá, não se rebelar? Porque o resto das pessoas parece estar indo muito bem, se quer a minha opinião.

    — Não quero! Espera que abaixemos a cabeça enquanto vocês levam nossos vizinhos!? Nossos amigos!? Tenho certeza de que gostariam disso, né?! Mas não somos gado! Não seremos abatidos, não sem lutar! Vamos proteger nossas casas!

    — Engraçado você falar isso. Soube que estão matando um monte de refugiados na estrada ultimamente. É assim que ‘protegem’ os seus?

    — São ciganos! Vadios! Ninguém quer eles aqui! Mas não espero que você entenda. — Ele sorriu. — Cê se acha intocável, né? ‘O mercenário que subiu até o topo com as próprias mãos.’ Tá tudo bem, pode aproveitar suas prostitutas e o título, por enquanto. Quando nós o derrubarmos, você vai cair junto!

    — Cê faz ameaças fortes, pra um homem acorrentado. Então me diz, como tá indo o seu grande plano pra nos derrubar? Por que cê tá tão confiante?

    — Porque nós já vencemos. Eu só vim trazer os termos da sua rendição.

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