Índice de Capítulo

    O conde recebeu o prisioneiro no salão.

    Quando Siegfried lhe trouxe a notícia, o lorde não teve dúvidas em fazer daquilo um espetáculo.

    — Rebelde ou não, um mensageiro ainda é um mensageiro — tinha dito. — O que ele vir aqui, será o que dirá aos seus colegas. E o que ele deve ver é força!

    E viu.

    O conde e sua esposa estavam sentados em seus respectivos tronos; ele com uma bela túnica e um manto de pele de urso sobre os ombros, com o cabelo penteado e amarrado em um coque, a barba limpa e com as pontas amarradas em pequenas tranças, adornado com um colar de ouro e anéis de prata.

    A condessa tinha os cabelos loiros soltos, com uma coroa de tranças; usava um belo vestido de algodão vermelho e um colar de esmeraldas que combinava com os seus olhos; verde e vermelho, as cores da casa Gaelor.

    Siegfried tinha ordenado aos seus homens que mantivessem a compostura e eles assim fizeram.

    Quando dois guardas trouxeram o mensageiro, os homens que o esperavam estavam eretos e silenciosos, como bons soldados. Não foi preciso dizer o mesmo às servas; quando elas perceberam que todos pareciam mais régios que o normal, se comportaram de acordo.

    — Vossa graça — saudou um dos guardas, assim que pararam em frente ao trono, com a fogueira de pedra entre eles. — Como ordenado, aqui está o mensageiro.

    O conde fez um gesto com a mão e os soldados se afastaram dois passos, deixando o prisioneiro livre; por decisão do lorde, não o tinham preso em correntes. Isso deixou a todos inquietos. Todos, menos o conde:

    — Confesso que não esperava ter notícias de Eradan. Bem, não dessa forma, pelo menos. Espero que tenha aproveitado bem as nossas acomodações. Então, o que lhe traz aqui?

    — Sua rendição! — declarou o jovem, sem rodeios.

    Os murmúrios começaram e o lorde sorriu:

    — Palavras ousadas. O direito da guerra tende a proteger os mensageiros e suas bocas grandes, mas devo sugerir que tenha tento na língua. Diga o que veio tratar e–

    — Nós tomamos a Torre da Justiça!

    — …

    — Uma quinzena atrás, o capitão Eradan invadiu pessoalmente a torre com seis de seus melhores homens e matou os soldados que a guardavam! O seu neto e a mãe dele estão agora sob nosso poder!

    Ninguém se atreveu a falar.

    O clima esfriou e as vozes morreram, enquanto todos esperavam atentamente pelas palavras do conde, que demoraram um pouco a sair:

    — Uma ótima história, mas que provas tem disso?

    — Pergunte aos seus espiões, se quiser. Ou aos vadios com que tem enchido nossos vilarejos. A Torre da Justiça é nossa, como devia ter sido desde o início. Acredite ou não.

    — Pois bem! Não acredito!

    — …

    — Um cavaleiro-rapaz e meia dúzia de rebeldes tomarem uma torre, protegida por dezenas de soldados de verdade? Já vi como lutam, e não fiquei impressionado. Está mentindo. Não sei o porquê, mas não me importo.

    — Dezessete!

    — O quê?

    — Dezessete soldados. Dezoito se você contar o senescal, embora chamar aquilo de soldado seja forçar bastante a barra. Éramos sete contra dezessete. De qualquer forma, esquece de um pequeno detalhe: aquela torre pertence à Eradan! O capitão cresceu lá. Acha mesmo que ele não saberia como entrar?

    O jovem se virou para todos os presentes.

    — Nós já controlamos o condado! Não somos um exército como vocês estão acostumados. Somos assassinos e caçadores. Mataremos vocês nas estradas! Em suas casas! Dentro destes muros! Não importa. Servem a um tirano e, garanto-lhes, não estão seguros!

    Voltou a olhar para o conde.

    — Você pode continuar enviando mais batedores atrás de nós, se quiser, mas ninguém andará livre por essas terras sem a nossa permissão! Mataremos seus homens, tomaremos suas riquezas e cuidaremos muito bem de seus espiões. Não fomos treinados, é verdade. Não como os seus guardas. Mas uma lâmina afiada no estômago mata da mesma forma, esteja ela nas mãos de um cavaleiro ou de um camponês. Podemos fazer essa terra sangrar… Ou podemos pôr um fim nisso. A Torre da Justiça é nossa por direito, e já a temos em nosso poder. Tudo o que queremos é uma declaração de não-agressão, assinada por você e seus vassalos.

    Então apontou para Emelia, que observava tudo junto de Siegfried.

    — E ela!

    A garota congelou; seu rosto empalideceu e ela suou frio, como se tivesse acabado de receber a sentença de morte. Quando conseguiu virar os olhos para seus pais, estava tremendo tanto que parecia a ponto de desabar.

    Sua mãe estava tão assustada quanto ela, com uma expressão de terror nos olhos, mas o conde deu apenas um breve olhar desinteressado para a filha, antes de se levantar irritado:

    — Guardas!

    Dois soldados derrubaram o mensageiro no chão de imediato e não eram poucos os que queriam ver sangue. Mas o conde lhes negou esse prazer.

    — Levem-no de volta à sua cela! Tratarei dele mais tarde.

    Os homens obedeceram e o lorde voltou aos seus aposentos, com a condessa logo atrás e Emelia correndo para alcançá-los. Siegfried foi o último a segui-los.

    Quando entrou no quarto, eles já estavam discutindo.

    — O-o senhor não pode! — implorou Emelia. — P-por favor, pai.

    — É claro que ele não vai, querida — afirmou a condessa, abraçando a filha, que desatou a chorar. — Não há força no mundo que possa nos forçar a vendê-la a um rebelde. — Ela olhou para o marido. — Não é?

    — É claro que não! Mas se for verdade…

    — Não é! — afirmou a condessa. — Você mesmo disse! E precisou do quê quando a tomou? Uma centena? Duas? Não tem como meia dúzia ter rendido a Torre da Justiça!

    — Não. Não tem. Não em plena capacidade, mas o garoto não mentiu. Pelo menos, não quanto ao número de defensores. Quando Theron partiu pra guerra, levou muitos homens, não apenas entre a plebe, mas da sua guarda também. Deixou duas dezenas de seus homens. E por que haveria de deixar mais? Duas dezenas são o bastante pra segurar a Torre por um mês inteiro, pelo menos, e eu só preciso de duas semanas pra marchar até lá e expulsar qualquer tropa inimiga… Se a notícia chegar até nós.

    O conde pegou uma garrafa de vinho na estante ao lado da cama e esvaziou metade dela em um gole.

    — Meia dúzia… Não devia ser possível, mas se usaram uma passagem secreta… E muitos dos servos vieram da Vila do Lago, se me lembro bem. A sua família governou aquelas terras por centenas de anos. Podem ainda ser leais ao filho do barão Lancaster. Merda! Eu devia ter visto isso.

    — E-então… É possível? Nosso neto…

    — Só tem um jeito de descobrir. Siegfried!

    — Vossa graça.

    — Partirei ao amanhecer, deixo as coisas aqui em suas mãos.

    — Não! — gritou a condessa de imediato. — Você!? Está louco? Mande-o! De que serve, se não pra isso?

    — Já mandei muitos batedores. Nenhum voltou. E se for verdade, alguém terá de negociar com Eradan. Espera que ele faça isso?

    — Então envie uma ave. Se for mentira, Will vai nos dizer.

    — No inverno? Mesmo que ela não seja pega em uma tempestade, o que eu duvido, Eradan pode ter arqueiros esperando para abatê-las assim que se aproximarem da torre. É o que eu faria. É o que qualquer comandante com meio cérebro faria. Não. Irei eu mesmo, e se tiver de ser, darei batalha à Eradan.

    A condessa olhou para Siegfried com desprezo e lutou com as próprias palavras antes de dizer:

    — E se ele for um traidor?

    — …

    — A armadilha perfeita, se quer minha opinião. Era um dos homens de Eradan até o quê? Três meses atrás? E agora é vice-capitão da guarda. Vi como ele fez pra ganhar a confiança de seus homens… Se você partir e for uma armadilha, quando retornar, Eradan estará sentado em seu trono, com nossa filha em seus braços e aquele ali ao seu lado. É isso o que quer?

    — Ele tem me servido lealmente até agora.

    — E tem sido bem recompensado por isso, se quer saber. Fala de lealdade, mas ele é ainda um mercenário, e tudo que importa aos mercenários é a recompensa. Que recompensas Eradan terá lhe prometido antes de estar sob o nosso teto? Você mesmo me disse certa vez: ‘homens desesperados são os mais generosos em suas promessas’.

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