Índice de Capítulo

    Um tremor atravessou seu braço e Siegfried sentiu os dedos queimarem quando cruzou espadas com Eradan em um clangor metálico. Aço contra aço.

    Então puxou a lâmina e voltaram a entrelaçar as espadas. De novo e outra vez.

    Podia sentir a chuva gelada em suas costas e o vento soprando violentamente atrás dele, quase como se o empurrasse para cima do seu inimigo. Incentivando. Mandando que lutasse. Seu corpo tremendo de frio.

    “Mate!”, sussurrou uma voz dentro dele.

    Siegfried sorriu.

    “Pode deixar”, respondeu a ela.

    Mas abriu demais o golpe quando avançou e tudo que Eradan teve de fazer foi dar um pequeno passo para a direita, saindo do seu caminho; Siegfried cortou o ar e o peso do aço anão o puxou para baixo, fazendo seus pés deslizarem na lama escorregadia e tirando-lhe o equilíbrio.

    Tinha perdido Eradan de vista, mas a experiência mandou-o seguir em frente. Se tentasse parar ou caísse, estaria morto, por isso avançou, usando a queda para tomar impulso e fazer uma corrida. O plano funcionou e, cinco passos à frente, tinha de novo recuperado o equilíbrio…

    Bem a tempo de ver a ponta de aço fumegante passar a não mais que um centímetro do seu pescoço, tentando beber o sangue da sua garganta.

    O rapaz deu um passo apressado para trás e foi por muito pouco que escapou, mas a lama ficava cada vez mais escorregadia e precisou recuar muito para não perder o equilíbrio novamente.

    Agora estava de novo a três metros de Eradan, que mal havia se movido desde que a luta começou. O lorde rebelde apontou a espada para ele e disse:

    — Ainda há tempo de reparar sua traição, garoto. Saia do meu caminho e permita que eu conclua a minha vingança!

    — Isso não vai rolar!

    — Olhe para si mesmo. Se minha lâmina fosse dois centímetros mais longa, você estaria agora no chão, se afogando no próprio sangue.

    — E se um raio caísse na sua cabeça agora, eu estaria na minha tenda, comendo pão de alho e bebendo uma caneca de cerveja. Então onde você quer chegar?

    — Não pode me derrotar e sabe disso! Pretende morrer por esse tirano? Ou é prata o que quer? Não receberá nenhuma de mim, mas posso devolver-lhe a honra. Saia e todos saberão que se arrependeu de me trair!

    — Não me arrependo. Tive muito tempo pra pensar nisso. Por que eu deveria morrer pra você conseguir uma torre vazia?

    — Essa ‘torre vazia’ é a casa dos meus ancestrais. Meu direito de nascença! E você foi pago.

    — Com promessas! De você, nunca vi sequer uma moeda de cobre. Seja como for, meu contrato terminou quando me deixou pra morrer. Minha dívida agora é com o conde.

    Não precisava ver o rosto de Eradan para saber a expressão que estava fazendo quando gritou:

    — Então morra com ele!

    Siegfried ergueu o escudo e esperou. Lascas de madeira voaram quando Eradan o atingiu com a força de um búfalo e o impacto fez os seus pés deslizarem dois centímetros para trás, mas não caiu. E o lorde rebelde voltou a descer ataques contra o escudo. De novo e de novo. Sem parar.

    Não era apenas a sua força, mas também a sua técnica; Eradan tinha os pés firmes e girava bem o quadril com cada ataque, aproveitando o peso do próprio corpo ao desferir seus golpes.

    Se o conde era como um cavalo de guerra, forte e vigoroso, atropelando tudo em seu caminho, o lorde rebelde era um javali selvagem, violento e temperamental; forte para um homem normal, mas o rapaz já tinha visto melhores.

    — Seu verme ingrato! — gritou Eradan. — Eu devia ter cortado a sua cabeça quando veio rastejando me implorar um lugar entre os meus! O que entende um mercenário sobre a honra!?

    Siegfried podia sentir o seu braço esquerdo arder, como se o tivessem posto em brasas. Mas o pior eram as fendas; a prata nobre era mortalmente afiada e atravessava o seu escudo sem qualquer dificuldade, arrancando pedaços cada vez maiores.

    — Da próxima vez que vir um de vocês, vou cortar sua maldita língua e enviá-lo de volta por onde veio!

    Mas seu último golpe foi um pouco forte demais e a espada atravessou metade do carvalho, ficando presa. Tudo o que Siegfried precisou fazer foi afastar um pouco o escudo para o lado e lá estava ele. Exposto como uma donzela no lago.

    Tão perto que até podia ver seus olhos escuros por entre a fenda em seu elmo. Havia ódio neles… E também medo. Notar isso fez seu coração bater mais rápido e seu sorriso se abrir.

    “Mate!”, ouviu a voz dizer. “Agora!”

    Então foi atrás dos olhos de Eradan com uma estocada. Devia ser o fim, mas no último segundo o lorde rebelde girou nos calcanhares e a espada não fez mais do que raspar inofensivamente a lateral do seu elmo, enquanto ele se afastava, libertando a prata com um puxão tão violento que levou mais do que pretendia.

    O escudo meio destruído caiu no chão entre os dois, enquanto Eradan lhe apontava a espada, como que para mantê-lo afastado. Mas o elmo lhe tirou a visão periférica. Nem viu quando um soldado criou coragem e espetou a parte de trás do seu joelho com a ponta da lança, onde havia uma brecha na armadura para permitir o movimento.

    O lorde rebelde se inclinou para o lado, cedendo diante do ferimento, enquanto balançava a sua espada no ar, afastando os soldados como quem usa uma tocha para afastar os animais, mas isso de nada serviu contra Siegfried, que empunhou o aço com duas mãos e encurtou a distância.

    Eradan viu isso e tentou cortar sua cabeça, mas tudo o que precisou fazer foi abaixar um pouco e deslizar para a esquerda; a lâmina passou cinco bons centímetros acima dele e Siegfried enfiou a ponta da sua espada por baixo do ombro direito do lorde rebelde. Não havia revestimento de metal ali, apenas a cota de malha, que não resistiu mais do que alguns instantes, antes de permitir que o aço anão lhe rompesse a carne e raspasse os ossos.

    O sangue escorreu negro pela lâmina, deixando suas mãos pegajosas, então girou o cabo para abrir ainda mais o ferimento e se afastou dando um empurrão em Eradan, antes que ele tivesse a chance de contra-atacar.

    Quando estava de novo a uma distância segura, o rapaz se limitou a observar enquanto seu inimigo cambaleava para trás, lutando para se manter de pé na lama escorregadia.

    Tinha o joelho direito ferido, por isso precisava pôr todo o peso na perna esquerda e tinha de se inclinar para esse lado, curvado como um velho com dor nas costas. A água da chuva escorria pela sua armadura e estava escuro, então era difícil de ver, mas o seu lado direito estava negro com o sangue que escorria pelo buraco que abriu em sua axila.

    — Acabou! — disse Siegfried. — Renda-se e podemos lhe arranjar um médico!

    Eradan caiu em um joelho, usando a espada de bengala, quase como uma reverência. Mas não respondeu; talvez fosse o cansaço e a perda de sangue, mas o mais provável era que apenas o tivesse ignorado.

    Siegfried fez um aceno para os recrutas e eles se aproximaram cautelosamente do inimigo caído, como se ele pudesse se levantar de repente e parti-los ao meio com sua espada. Mas quando um deles cutucou Eradan com a ponta da lança e ele não se moveu, todos ficaram mais relaxados.

    — Amarrem-no! — ordenou Siegfried. — Vamos levá-lo até sua cela.

    Mas foi só um deles tentar arrancar a espada do lorde rebelde que Eradan se moveu, como se de repente tivesse acordado de um sono profundo; ele segurou a garganta do soldado usando a mão esquerda e empurrou a sua cabeça no chão, se levantando mais rápido do que um homem ferido seria capaz e arrancando a cabeça de um dos homens mais próximos com sua espada.

    Um segundo soldado tentou atravessá-lo com a lança, mas a ponta raspou na armadura sem causar qualquer dano e, quando Eradan se virou, abriu ele do ombro até o umbigo em um único golpe.

    Ainda haviam dois recrutas de pé e ambos recuaram sem hesitar, só parando quando já estavam a mais de três metros de distância, com as mãos trêmulas apontando longas hastes para ele.

    Eradan deu uma boa olhada ao seu redor. Ainda se movia meio curvado dos ferimentos, mas isso era tudo. Estava de pé e brandia sua espada bem o bastante, embora não devesse ser capaz sequer de erguê-la; não com aquele buraco por baixo do ombro.

    — Só está atrasando o inevitável — disse Siegfried. — Vai morrer se não tratar esse ferimento logo.

    — Eu já disse… — grunhiu o lorde rebelde, indo em direção ao primeiro soldado que derrubou e que agora se arrastava na lama tentando escapar, mas nem Siegfried, nem os outros recrutas fizeram menção de ajudá-lo, e Eradan atravessou suas costas com a espada, matando-o ali mesmo. — Você não pode me derrotar!

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