Capítulo 0086: Acordo secreto
A mesa era de carvalho sólido, mas estalou como se estivesse a ponto de quebrar quando o barão Kessel afundou parte dela com um soco:
— Aquele desgraçado! Quando foi que isso aconteceu!?
— T-tem que ser uma mentira — disse o barão Dalton. — Só pode ser isso. Ele está tentando nos confundir.
Siegfried os ignorou enquanto discutiam; ambos pesando as consequências e implicações sutis das palavras do barão Whitefield.
O conde estava deitado em sua cama, dormindo pacificamente. Seu coração ainda batia e o peito subia e descia lentamente quando respirava, por isso ninguém duvidava de que estivesse vivo, mas fora isso, bem podia estar morto; não se movia, nem falava ou abria os olhos. Suas veias tinham se tornado negras como carvão; seu rosto, pálido como o de um cadáver; e quando trouxeram um médico para sangrá-lo, as sanguessugas morreram e então viram que seu sangue era espesso e fétido, não muito diferente daquele piche podre que enchia os zumbis.
“Devia tê-lo deixado morrer”, disse uma voz em sua cabeça. Não que fizesse diferença, todos já o consideravam morto e esse era o problema.
Com o conde ‘morto’, a posição passava para o seu filho mais velho, Theron. O único problema é que ele se encontrava muito ao norte, no ducado de Castillon, enfrentando as tropas do rei Helmut. Se caísse em batalha, o condado passaria para o seu primogênito: a criança que estava agora nas mãos do barão Whitefield.
Como neto do conde, o garoto tinha pouco valor; como herdeiro, as coisas mudavam de figura. Se o barão Whitefield descobrisse o que aconteceu com o conde Gaelor, aquela criança poderia ser a chave para conquistar o condado.
— Já chega! — disse o barão Kessel, derrubando a mesa no chão e saindo da tenda a passos largos. — Eu vou descobrir a verdade agora mesmo!
O barão Dalton o seguiu apressadamente, com Adrien logo atrás. Siegfried olhou uma última vez para o conde.
“Tomamos a torre, mas perdemos todo o resto”, a ironia fez o rapaz sorrir, mas não de alegria.
Então os seguiu.
♦
Eradan estava onde o deixaram, ao ar livre, com cinco soldados esqueletos fazendo sua proteção; tanto para impedir que fugisse, como para impedir que os recrutas e seguidores de acampamento o matassem.
Uma tábua retangular se encaixava ao redor do seu pescoço e ombros, como uma gola rufo feita de madeira. Pesada demais para que ficasse de pé e larga demais para que pudesse se deitar. Além disso, foi construída de forma que suas mãos não pudessem alcançar o rosto sujo de bosta, sangue e frutas podres. E, só para garantir, suas mãos e pés também tinham sido acorrentados.
Tudo o que ele podia fazer era ficar de joelhos e se submeter a fúria de seus captores.
O barão Dalton até havia considerado deixá-lo nu para que a humilhação fosse maior, mas o barão Kessel nem quis saber disso; trataram as feridas de Eradan o melhor que puderam e então lhe deram alguns trapos velhos para vestir, antes que fosse posto no cangue.
Isso foi naquela manhã, antes do mensageiro vir ao acampamento. Assim que o puseram lá, não levou mais do que meia hora para uma multidão se reunir ao seu redor para atirar excrementos, pedras e insultos.
Levou algumas horas até se cansarem disso, mas já passava do meio-dia e agora estava quase vazio.
Quando chegaram ao local, crianças brincavam de atirar pedras no prisioneiro, enquanto riam. A maioria delas errou por uma boa distância, mas uma acertou em cheio a testa do lorde rebelde e comemorou quando viu o sangue escorrendo pelo seu nariz.
— Saiam! — ordenou o barão Kessel, com sua voz carregada, e as crianças fugiram. Então se dirigiu a Eradan: — O que você fez com a nora e o neto do conde?
O prisioneiro inclinou o rosto o máximo que era capaz, mas o sol estava em seus olhos e quase não parecia enxergar o lorde Kessel. Quando abriu a boca, seus lábios estavam rachados e a voz exausta, tão baixa que precisavam ficar em silêncio para ouvi-lo:
— Ragnar… Já faz um tempo.
— Não vim aqui para conversar. A nora e o neto do conde. Onde estão!?
Os lábios de Eradan se torceram no que podia ser um sorriso:
— Acho que você já sabe a resposta, não é?
— Desgraçado! Você vendeu a sua própria irmã e seu sobrinho!? Será que não sobrou um pingo de honra em você?!
— Disse o homem que ajudou a matar meu pai e transformar minha irmã em uma égua reprodutora.
— …
— O barão Whitefield me encontrou depois que escapei no outono passado. Achou que eu fosse um bandido qualquer e pretendia pôr uma corda no meu pescoço, mas quando ouviu o que eu tinha a dizer, ficou interessado. Ele me deu as armas e o dinheiro para pagar meus homens. Só o que pediu em troca foi uma garota…
— Alethra.
— Não. Não a minha irmã. A garota que ele queria era outra. Dara. Dara Essel. Enviei alguns homens atrás dela no inverno, mas trouxeram a pessoa errada. Bem, agora não importa. Depois disso, enviei a minha irmã e o filho dela pro norte. Uma garantia.
— Seu–
— Vou ser sincero com vocês, eu não confiava muito no barão Whitefield, sabe? A fama dele não é lá muito boa, mas se está aqui, então isso quer dizer que cumpriu com a sua parte do acordo.
— O que quer dizer?
— Não é a minha primeira batalha, sabia que a torre estava perdida assim que começaram a marchar. Mas eu ainda venci. O conde tá morto, não é? E vocês não podem me matar, a menos que queiram explicar ao seu novo lorde, porque a esposa e o filho dele estão mortos.
A risada que Eradan deu foi a coisa mais feia que Siegfried já tinha ouvido, rouca e muito parecida com as gargalhadas de um velho. Ninguém disse nada.
O barão Kessel girou no calcanhar e foi embora, depois o barão Dalton e Adrien, mas quando foi a vez de Siegfried, Eradan o chamou e disse:
— Devia ter aceitado minha oferta. Antes do dia chegar ao fim, será você usando essa coisa no pescoço.

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