Capítulo 0089: O Guerreiro do Amanhecer
A Floresta das Aranhas era uma grande muralha de árvores, que se estendia duzentos quilômetros para leste e outros trezentos à oeste, segundo os homens do barão Whitefield.
Siegfried não tinha motivos para duvidar deles. Virou o rosto para a direita e então a esquerda; estava de noite e chovia, mas podia enxergar claramente e só o que via eram árvores com doze metros de altura, que iam e continuavam indo muito além de onde a sua vista alcançava.
“Já será inverno quando terminarmos de dar a volta.”
— Passar por dentro é muito mais rápido — diziam os soldados Whitefield. — Cinco dias a pé, se tanto.
— Desde que não seja pego pelas aranhas — acrescentava outro e todos riam, como se fosse algum tipo de piada interna entre eles.
Treze dias haviam se passado desde que o barão Kessel deu a ordem e seguiram para o norte. No começo, tinham mais de quatrocentos seguidores de acampamento os acompanhando; agora eram não mais do que oitenta, se é que ainda chegava a tanto.
Havia pouca caça na vegetação rasteira que ia da Torre da Justiça até a Floresta das Aranhas, por isso precisavam de caravanas inteiras vindo da Vila da Truta, bem ao sul; uma viagem de duzentos quilômetros e ainda mais a cada dia que se passava.
Uma linha de suprimentos longa e cara demais para se manter.
O barão Dalton tinha dito certa vez que o maior perigo da guerra seria esvaziar seus cofres. Ele tinha razão, por isso o barão Kessel interrompeu a ração de todos que não fossem soldados, já no segundo dia de viagem. No terceiro, famílias inteiras voltaram correndo para o sul. No quarto, ainda mais as seguiram. Os que permaneceram depois do quinto dia de viagem não foram mais embora; alguns familiares e muitos comerciantes que provavelmente os abandonariam assim que encontrassem uma boa cidade.
Em alguns dias houve chuva; em outros, um sol escaldante. Na maior parte do tempo, tudo o que tinham era um dia longo e abafado. À certa altura até puderam ver um bando de andorinhas fazendo suas acrobacias no ar e alguns coelhos aqui e ali, mas nenhum sinal de civilização.
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Não até chegarem à Floresta das Aranhas.
Tudo o que havia ali era um pequeno povoado, com não mais de cem habitantes, construído na entrada da trilha comercial que passava por dentro da floresta. A única trilha segura, pelo que diziam. Para atravessar, não tinham outra escolha senão passar por entre as casas e pagar o pedágio aos guardas.
Estavam no território do barão Whitefield, mas até ele admitia que precisavam ser discretos. O que tinham sido, até agora.
Como não havia forma de evitar o povoado, eles montaram o acampamento alguns metros antes e os soldados foram permitidos a visitarem a taverna e o bordel, já que a maioria das rameiras voltou para o sul ainda nos primeiros dias de viagem.
Siegfried não tinha uma tenda e aceitou de bom grado a oportunidade de se proteger da chuva, que vinha os perseguindo já há três dias. Ora mais forte, ora mais fraca, mas sempre lá.
Levou sua égua e a mula pelas ruas do povoado, mas havia muito pouco para ver. Em sua maioria, comércios de vários tipos construídos no primeiro andar das casas, ou em mesas dispostas à frente das portas, para as famílias mais pobres. Viu um pouco de tudo: uma tecelã vendendo capas para se proteger da chuva, um ferreiro explicando que suas lanças seriam perfeitas para matar aranhas, três rameiras se oferecendo para aquecê-los por aquela noite.
Para cada capa de chuva vendida, haviam dez soldados seguindo com as rameiras para dentro do bordel. As lanças ficaram onde estavam.
— Senhor cavaleiro — chamou uma das garotas, que não devia ser muito mais velha que Siegfried e tinha um rosto inocente. — Se for você, eu faço um desconto especial.
O rosto dela corou levemente e sua boca se abriu em um gemido abafado, sutil como uma donzela, enquanto ela lentamente puxava a manga do seu vestido para o lado, expondo o ombro esquerdo e a pele branca e macia do seu pescoço. Os olhos castanhos brilhando com uma mistura de medo e desejo que fez o rapaz lembrar de Dara naquela noite; ela também tinha olhado para ele da mesma forma quando a despiu.
Deu por si desejando a garota na sua frente. Era bonita, com longos cabelos negros e bons lábios carnudos, embora a boca parecesse pequena.
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“Toma ela”, sussurrou a voz em sua mente. “Do que tem medo? Ela o quer e você também.”
Precisou de todas as suas forças para desviar o rosto e seguir em frente, mas não sabia por qual delas. Seria a Dara? Lura? Por algum motivo, o rosto de Gwen também lhe veio à mente, como acontecia de vez em quando.
“Sou fiel a todas elas”, brincou. “Até jurei me casar com duas. Talvez da próxima vez possa fazer o mesmo com a Gwen. Aí terei jurado amor eterno às três.”
Levou quase cinco minutos de cavalgada até que finalmente encontrasse um local quente e vazio o bastante para o seu gosto; uma pequena taverna chamada Guerreiro do Amanhecer.
Antes de entrar, prendeu a égua e a mula em um pequeno palanque de madeira que havia no beco ao lado do estabelecimento, onde a chuva era um pouco mais escassa, graças ao telhado de colmo que formava uma cobertura grande o bastante para os animais.
O interior da taverna era humilde, com um piso de madeira velha que rangia a cada passo, mesas meio bambas e uma espada enferrujada presa à parede atrás do balcão. Era impossível dar mais do que cinco passos em linha reta sem chegar ao balcão ou a uma parede.
“Pelo menos é quente.”
As duas únicas janelas de madeira estavam fechadas por causa da chuva, mas havia um forno a lenha perto do balcão que fornecia o calor necessário e um delicioso cheiro de coelho assado. A única estrutura da taverna que era feita de tijolos e não de madeira.
Não havia mais do que outras cinco pessoas no local, e três delas pareciam trabalhar ali. Siegfried pegou um lugar qualquer perto das paredes e descansou os olhos por meio segundo, até que ouviu a voz de uma mulher:
— Boa noite, sor. O que vai querer?
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A taverneira devia ter uns trinta e poucos anos. Uma mulher baixa e roliça, com coxas, seios e mãos grandes.
— Cerveja — disse, pondo cinco moedas de cobre na mesa. — E um pouco de coelho.
Mas quem trouxe o pedido foi uma garota muito mais jovem que devia ser filha da taverneira. Os cabelos eram negros como os da mãe, mas fora isso, não se pareciam em nada; a garota era um pouco alta para os seus nove anos, mas também magra e silenciosa.
Ela colocou a caneca de cerveja na sua frente e então ficou ali, de pé ao seu lado, observando-o beber, mas sem dizer nada.
Siegfried a ignorou tanto quanto pôde, mas dois minutos haviam se passado, sua caneca estava vazia e mesmo assim ela continuou lá, então ele não teve escolha senão perguntar:
— O que foi? Quer dinheiro?
— O-o senhor é bom?
— O quê?
Ela agarrou as saias do vestido e começou a fitar o chão, falando tão baixo que o rapaz tinha de ficar em silêncio absoluto para ouvi-la:
— O-o senhor é… R-Radomir, não é?
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— Não sei quem é esse.
A menina levantou os olhos, surpresa, e disse:
— Radomir! Tem que ser você. Vi quando entrou. ‘Uma sombra escura que ninguém mais viu. Com olhos de fogo e um sorriso que a seduziu.’ Mas eu vi. Eu vi a sombra. A maldição do lobo–
— Lydia! — gritou a taverneira, tão alto que fez a garotinha dar um salto e se virar, quando a mãe segurou ela pelo braço e a mandou embora: — Quantas vezes eu já disse pra não incomodar os clientes?! Anda. Vai lavar a louça e vê se as suas irmãs precisam de ajuda. Anda! Xô! Xô!
E a garota foi, mas assim que a mãe parou de lhe prestar atenção, parou de correr por um momento e voltou a olhar para Siegfried. Durou apenas um instante. Ela nada disse e então desapareceu por trás do balcão, passando por uma porta que devia levar até a cozinha, onde a louça estaria esperando.
A taverneira colocou o prato com a perna de coelho assada na sua frente e Siegfried agradeceu, saboreando a carne. Estava um pouco salgada e meio cru aqui e ali, mas devorou até o último pedaço.
Quando terminou, a taverneira insistiu que ele dormisse em um dos seus quartos, oferta esta que o rapaz aceitou de bom grado. Ainda podia ouvir a chuva lá fora e sentia falta de uma cama quente.
Tinha o baú com a sua armadura nas mãos e subiam as escadas, quando o rapaz perguntou:
— Quem é Radomir?
— Perdão?
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— Sua filha. Ela me confundiu com ele.
— Ah! — A mulher sorriu. — Sinto muito por isso, milorde. Não dê atenção à minha filha. Ela adora histórias, mas sempre entende elas errado. Acha que os monstros são bonzinhos e os cavaleiros, malvados. ‘A garotinha e o lobo’ é uma delas. A minha mãe contava pra mim quando eu era mais nova e eu conto pra ela. Uma garotinha inocente que seguiu um belo rapaz até a floresta e, bem, acho que pode imaginar o final, senhor.
— O homem mata ela?
— E como não? Mas só depois de se transformar em um grande lobo negro. Me dava arrepios quando eu era pequena e passei semanas sem falar com estranhos quando a ouvi pela primeira vez. Quando tive meus filhos, entendi que era o que minha mãe queria quando me contou a história. E também a do ladrão que perdeu os dedos e a mocinha que fugiu do noivo. Contamos elas pra fazer as crianças se comportarem, mas essa menina sempre entende errado.
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