Capítulo 0092: O mercenário e a rameira
Mesmo coberta, Izzie continuava sendo uma tentação.
A garota ainda usava o seu manto de lã para se proteger do frio, cobrindo-lhe do pescoço até os tornozelos, enquanto cruzava os braços para se aquecer. Não revelava pele alguma além do seu rosto, mas de vez em quando pegava Siegfried a encarando e sorria para ele com olhos inocentes, mas cheios de provocação.
“Se faz de donzela tímida, mas aposto que não me levantaria objeção se a levasse para o mato agora mesmo.”
Tinha escutado coisas desde que se decidiu por caminhar.
No primeiro dia, cavalgou, mas a tropa se movia tão lentamente que sentia como se estivessem parados e isso lhe deixou impaciente. A partir do segundo dia, desmontou e foi a pé com os outros para dar algum descanso aos pobres animais. Três dias haviam se passado desde então.
Assim que seus pés tocaram o chão, foi como se um novo mundo se abrisse.
De repente, tanto soldados como seguidores de acampamento que antes o ignoravam, passaram a conversar com ele. Alguns sabiam quem era, outros não se importavam.
Um soldado mais velho pretendia saquear alguns trocados para pagar uma dívida; outro mais novo esperava deixar sua vida medíocre de fazendeiro e conquistar um título de nobreza com seus feitos:
— Escreva o que eu digo. Vou subir na cadeia de comando, um degrau de cada vez. Matei quatro rebeldes na Revolta das Rosas, mas é aqui onde encontrarei minha verdadeira glória. Soube que o conde Essel tem mil cavaleiros, pois bem, tenho certeza de que posso matar pelo menos um deles e tomar seu castelo. Quem sabe ele também não tenha uma filha bonita? Aí eu posso fazer dela minha esposa e nosso filho seria tanto um nobre como o filho de um herói de guerra.
“Matou quatro mulheres em fuga e agora planeja matar o pai de outra para que possa violá-la, é o que quer dizer.”
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Mesmo que o garoto chegasse a matar um cavaleiro e de alguma forma tomasse a sua filha como esposa, tudo o que colocaria na barriga dela seria o bastardo de um plebeu qualquer. Teriam os três uma vida cruel e miserável, para não dizer curta.
“Seu sonho é o pesadelo de uma jovem.”
Não que Siegfried tivesse o direito de censurá-lo. Também já havia matado mulheres antes e nem estaria naquele continente se não fosse pelo seu desejo de desposar Lura. Um desejo que sumia em seu coração a cada dia que passava.
Os outros soldados eram pouco mais do mesmo; queriam esposas, terras, glória, saque ou apenas voltar para casa. Os seguidores de acampamento estavam ali para conhecer novas terras, ajudar os seus pais e irmãos caso se ferissem ou se mudar para outra cidade, mais próspera do que as vilas de que vieram.
Alguns o elogiaram por derrotar Eradan, outros o advertiram quanto a Izzie:
— Essa aí não é donzela nenhuma. Trabalhou no bordel da madame Elenor durante o inverno e se esgueirou até a tenda do lorde Kessel bem mais de uma vez. E também a do conde Gaelor, antes de morrer. Aposto que tem um bastardinho nobre crescendo na sua barriga a essa altura. É só isso o que quer. Mas o conde tá morto e o barão já se cansou dela, então agora tá atrás do senhor.
Outros disseram coisas parecidas. Que tinha sido uma rameira a vida toda ou virou uma depois dos pais a expulsarem de casa; que se vendia por um cobre furado ou só se deitava com nobres; que já dormiu com todos os homens à sul da Torre da Justiça ou que era amante particular do conde.
A única coisa em que concordavam era que, de donzela, não tinha nada.
Nisso Siegfried acreditava.
A garota nunca estava muito longe e sorria para ele com frequência. De vez em quando andavam juntos e conversavam. E sempre que o rapaz se distraía, ela tomava seu braço no dela e apoiava a cabeça em seu ombro, tal como Dara às vezes fazia.
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Tinha acabado de falar com um soldado, quando Izzie apareceu e fez exatamente isso.
— Sentiu minha falta?
— Me solta! — disse um pouco rápido demais e mais bruscamente do que pretendia.
A garota obedeceu… Em parte. Soltou seu braço e se afastou, mas continuou segurando sua mão. Era macia, mas também gelada. O coração dele se acalmou e seus olhos arderam um pouco.
— Por que você é tão frio comigo? — perguntou a garota. Estava de cabeça baixa, mas conseguiu ver que parecia confusa, irritada e… Triste?
— Mal te conheço.
— Então conversa comigo! Qual o problema? Eu tô tentando ser legal. Você tá sempre aí sozinho, de cara emburrada.
— Gosto de ficar sozinho.
— Ninguém gosta de ficar sozinho! É alguma coisa comigo?
— Não.
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— Então o quê?
Quando o rapaz não respondeu, ela olhou ao seu redor. Alguns soldados desviaram o olhar, mas as garotas que estavam por perto soltaram risinhos. Foi então que Izzie largou a sua mão e parou de repente. Siegfried também parou, antes mesmo de se dar conta, e prestou atenção na garota.
Os olhos dela eram grandes e castanhos, meio brilhantes das lágrimas que lutava para impedir de escorrerem:
— Eles te contaram.
— …
— E você acreditou.
Quando não respondeu, ela gritou:
— É por isso que não gosta que eu toque em você? Não quer ficar perto de uma garota suja como eu? É isso? Não sou digna de tocar o ‘magnífico’ Siegfried, o Matador de Rebeldes?
— …
— Fala alguma coisa!
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A marcha tinha desacelerado e algumas pessoas até mesmo pararam para assistir à discussão. Foi um deles quem falou:
— Eu te toco, se quiser.
Então todos riram. Todos menos Siegfried e Izzie, que decidiu encarar o chão para esconder o rosto vermelho e as lágrimas que escorriam pelas suas bochechas, enquanto mais pessoas se uniam à troça:
— Uma rameira apaixonada é novidade.
— Nenhum homem decente ia querer ser visto em público com uma puta.
— E ela tá sempre se atirando pra cima dele, que nem uma cadela no cio. Se fosse eu, já tinha quebrado os dentes dessa vadia na surra.
Então todos falaram ao mesmo tempo, tão rápido e tantas vozes que mal se podia entender o que diziam, mas de vez em quando escutava uma ou outra palavra solta: puta, vergonha ou morrer.
Izzie ficou parada no meio deles, de cabeça baixa e imóvel, enquanto segurava as saias do manto que Siegfried tinha lhe dado, até que o arrancou de repente e atirou aos pés do rapaz. As lágrimas secas em seu rosto, com os olhos vermelhos e cheios de raiva:
— Que se fodam, todos vocês!
E então correu para a multidão atrás dela e abriu caminho até a retaguarda da tropa. Ninguém fez menção de impedi-la, ao invés disso, seguiram em frente como se nada tivesse acontecido, mas Siegfried se deixou ficar por um momento.
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O rapaz pegou o manto e então seguiu o fluxo da marcha, deixando Izzie para trás.
“É melhor assim”, disse a si mesmo.
Precisou de todas as suas forças para não correr até a garota e pegá-la em seus braços quando a viu em lágrimas, com todas aquelas pessoas lhe gritando insultos. Tinha qualquer coisa um tanto bela e preciosa em uma jovem indefesa. Algo que o impelia a correr até ela e protegê-la.
“Sim”, disse a voz. “Vai confortá-la. Depois pode fazer o mesmo que fez com Beth.”
Não voltou a ver Izzie pelo resto do dia, mas seu irmão passou por ele durante a tarde, rindo com os amigos como se nada tivesse acontecido. Se ele não sabia sobre o incidente ou apenas não se importava, era difícil dizer.
Naquela noite, pensou em Dara e na promessa que tinha feito a ela até que adormeceu, mas foi com o conde que sonhou. Com a noite em que foi chamado à sua tenda depois de ter prendido quatro recrutas que atacaram uma família de refugiados na estrada.
— O senhor luta pela sua casa — tinha dito ao lorde. — Eu luto pela mulher que amo. E acho que ela merece mais do que um covarde sem honra. Protegi aquela família porque são inocentes. E eu jurei proteger os inocentes. Simples assim.
Nessa altura, era um homem diferente.
Enforcou os recrutas na manhã seguinte, matou também outros, bem mais tarde, uma dupla que tentou atacar uma camponesa no lago, quando ainda tinham a Torre da Justiça sob cerco. Viu o conde açoitar soldados por atacarem as garotas da Vila do Lago ao longo de dez dias e sentiu nojo de cada um deles.
“Agora somos iguais.”
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