Capítulo 0093: Remorso
Siegfried sentiu os pés queimarem, seus ombros doloridos e a mão em carne viva da corda áspera presa ao cabresto do cavalo, que seguia ao seu lado a passo lento, preso a mula por outra corda.
Mas o pior era o barulho.
Haviam soldados e seguidores de acampamento por toda a parte, murmurando todos ao mesmo tempo. Não conseguia prestar atenção ao que diziam, tão pouco era capaz de ignorá-los. Uma nuvem de moscas zumbindo no seu ouvido.
Já se aproximava do meio-dia quando perdeu a paciência e parou no meio da trilha, bloqueando um bom pedaço dela com o seu cavalo e a mula. Aqueles que vinham atrás não tiveram escolha senão parar. Alguns praguejaram, mandando que o rapaz seguisse em frente; quando não fez isso, desistiram e deram a volta.
“O que eu tô fazendo?”
Virou de costas e prestou atenção ao sul.
A tropa passou por ele como um riacho. Alguns o olharam confusos, outros irritados, mas nenhum lhe dirigiu a palavra, simplesmente o contornaram e seguiram em frente. Aos poucos, rostos jovens deram lugar aos mais velhos, gordos e cansados; alguns dos quais traziam carroças ou vagões de especiarias.
O intervalo do almoço veio e se foi, mas Siegfried não se moveu.
Levou quase duas horas, talvez três, até que por fim vieram os retardatários. Idosos e crianças de colo, homens meio feridos e os preguiçosos que não conseguiam acompanhar a vanguarda. Estes também passaram por ele.
Então vieram cinco soldados Whitefield; eram os responsáveis por defender a retaguarda, garantir que ninguém fosse deixado para trás e também capturar os desertores; quando viram Siegfried, foi exatamente o que pensaram que fosse.
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Todos eles usavam lanças e uma camisa de cota de malha por baixo do manto cinza; uma espécie de uniforme. Apesar disso, não eram soldados de verdade, só um bando de plebeus recrutados às pressas — e isso via-se claramente nos rostos marcados pelo sol e costas meio arqueadas do trabalho no campo.
Um homem de trinta e poucos anos se aproximou tomando o comando para si. Era esguio, sem um fiapo de barba e ostentava um sorriso cheio de dentes amarelados meio tortos:
— A guerra fica praquele lado, garoto.
— Estou esperando alguém.
— Não tem ninguém atrás da gente.
— Acho que ele tá falando da rameira — disse outro soldado, um homem de quarenta e poucos anos, e meio corcunda, que usava a sua lança mais como bengala do que como arma.
— Ah! Aquela lá. Hahaha. Essa aí fugiu, rapaz. E deve tá morta a essa altura. Falei que era suicídio se afastar tanto do grupo nessa floresta, mas ela nem quis ouvir. Se serve de consolo, ela nem era assim tão boa. Já fodi cabras que gemiam mais.
— As cabras são a única coisa que cê faz gemer — brincou um terceiro soldado, um rapaz de vinte e poucos anos, com ombros redondos e a barriga gorda em forma de barril.
Então todos riram e compartilharam o que tinham feito com a garota. Siegfried deu por si prestando mais atenção neles; além do líder brincalhão, do homem coxo e do gordo, havia também um rapaz da sua idade e um velho caolho que mais parecia um zumbi encardido que se perdeu dos outros.
Imaginou Izzie sozinha entre aqueles cinco. Seu corpo pequeno esmagado por baixo da enorme pança do gordo; os seios na boca do velho meio desdentado; as mãos do garoto explorando-a de cima a baixo.
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“Não!”, disse a si mesmo. “Não pensa nisso! Se pensar…”
Sentia o coração pulsar como se fosse explodir, mas ficou em silêncio e deixou que o líder dos soldados falasse:
— Tem coisa bem melhor lá na frente, rapaz. Eu te apresento algumas. — Quando Siegfried não respondeu, ele deu de ombros. — Cê que sabe, mas a gente tá longe demais da vila e você não vai querer andar por essa floresta de noite. Não sozinho.
— Eu sei me virar.
— Hum. Mesmo assim, não posso só deixar você ir embora, sem mais nem menos. Temos ordens. Sua graça não gosta de desertores.
— Já disse–
— É, é. Eu ouvi. Cê tá atrás da puta. Mas puta é o que não falta nessa tropa. Além disso, são bem poucos os desertores que se dizem desertores. A maioria tá só ‘dando uma volta’ ou ‘se perdeu dos outros’. Já vi um ou outro que tava atrás de uma rameira também. Vê o problema?
— …
— Mas, sabe de uma coisa? Você parece ser um rapaz honesto. Que tal assim? Deixa o teu cavalo e as outras coisas de valor aqui com a gente, que eu te devolvo tudo assim que cê voltar. Que tal?
E todos os soldados sorriram. Se pretendiam ser simpáticos, falharam miseravelmente. Mas achou muito mais provável que fosse exatamente o que parecia ser…
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“Estão me roubando.”
Quantas vezes já fizeram aquilo? Não falariam de forma tão casual se tivessem sido poucas. Então lembrou de Izzie:
— Foi isso que disseram pra ela?
— Quê?
— A garota que passou aqui antes de mim. Foi o que disseram, quando ela pediu pra sair?
— Que te importa o que dissemos? — O soldado se irritou, mas então pareceu perceber algo que o fez abrir um largo sorriso. — Peraí. Ela era a tua namorada? Por isso tá atrás dela?
Quando Siegfried não respondeu, ele tomou isso por um ‘sim’ e começou a rir descontroladamente, até perder o fôlego. Os outros também juntaram as próprias gargalhadas às do líder. Levou quase trinta segundos até que o homem parou de rir por tempo o suficiente para dizer:
— Cê tá apaixonado por uma puta, moleque? Caralho. Hahaha. Nunca deu uma fodida antes e caiu de quatro pra primeira que te abriu as pernas, é isso? Um conselho de amigo, garoto, nenhuma rameira vale tanto.
Mas não devia ter tocado o ombro de Siegfried.
Foi tudo em um instante. O rapaz tinha o aço na mão e o soldado havia perdido metade do braço. As risadas morreram de súbito ao verem seu líder cair de joelhos sem emitir nenhum som.
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— Não me toque!
Siegfried sentiu seus olhos arderem, queimarem. Por um momento, pensou que fosse chorar, mas quando viu a expressão de terror nos rostos dos outros soldados, entendeu que seus olhos já não eram mais os mesmos.
“Eles veem o que Beth viu.”
Tinham as lanças em mãos, mas recuavam, por isso não teve outra escolha senão ir atrás deles.
O rapaz foi o primeiro a reagir. Atirou a sua lança em Siegfried, mas aquela não era uma lança de arremesso e ele não era forte o bastante. Errou o alvo por quase um metro e então estava indefeso sem a sua única arma. Siegfried abriu a garganta dele com um golpe e seguiu em frente antes que o cadáver atingisse o chão.
Um sorriso se abriu em seus lábios.
O gordo foi o próximo. Fechou os olhos e tentou espetar a lança em Siegfried, que desviou para o lado sem qualquer dificuldade e atravessou o aço no pescoço carnudo do enorme homem, que caiu com guincho não muito diferente do de um porco abatido, enquanto se afogava no próprio sangue.
— R-ren… — estava dizendo o velho, quando lhe afundou o crânio com tanta força que o partiu em dois com um ‘prac’ agudo de ossos rachando.
O manco tentou fugir, mas não foi muito longe e recebeu a morte de um covarde: atravessou suas costas com a lâmina e deixou que se arrastasse pelo chão até seu último suspiro, o que não levou mais de dez segundos.
Quatro estavam mortos, mas o líder continuava de joelhos.
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— S-su… — disse o moribundo. — S-sua graça v-v-vai… M-matá-lo por isso!
— O que disse a ela?
— Q-quê? Do quê…?
— Izzie! O que disse a ela quando pediu pra ir embora!?
— E-eu… — O homem fitou sua espada suja de sangue, os companheiros mortos e então chorou. Eles sempre choram. — P-p-por favor… N-não queria…
“Não queria”, a palavra encontrou eco na mente de Siegfried e o enfureceu. “Eu também não quis machucar a Beth…”
— O que disse a ela!?
— P-por favor… M-meu braço… Por Elyon…
— Responde à porra da pergunta!
O homem engoliu em seco e disse:
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— E-ela queria passar, mas recebemos ordens… M-mandei ela voltar, mas disse que não. Então se ofereceu pra gente, juro. Desamarrou as minhas calças e enfiou a mão lá–
Um movimento rápido e o aço anão arrancou fora o olho esquerdo do mentiroso, deixando para trás apenas um corte que chegava ao osso e a órbita vazia chorando sangue. O soldado ajoelhado caiu para a frente, batendo a testa no chão enquanto segurava o rosto com a mão que lhe restava:
— M-meu olho… E-Elyon… Não… P-p-piedade, por favor…
— Agora a verdade!
— Vo-você arrancou meu olho…
— E arranco também o outro se não começar a falar.
— E-era só uma rameira, porra!
Dessa vez quebrou-lhe a clavícula esquerda com um estalo que se parecia muito com um galho de árvore se partindo. Demorou quase dois minutos inteiros até que ele parasse de se contorcer. Isso só deixou Siegfried mais irritado:
— Tô perdendo a paciência.
— E-eu digo. Eu digo. P-por favor. E-eu digo. — E engoliu em seco, procurando as palavras. — A garota… E-eu a vi… E-e-ela passou aqui ontem e d-disse que queria voltar pra casa.
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— Não foi isso que eu perguntei.
— …
— O que você disse a ela!?
— E-eu disse… Eu disse que ela podia comprar a passagem… C-c-com o que tinha… C-com o que ela tinha… E-e-entre as pernas…
Quando terminou, estava de novo chorando pelo único olho que lhe restava, rastejando até os pés de Siegfried e implorando:
— P-por favor, n-não lhe fiz mal. N-não sabia que era sua. S-se soubesse. B-bom Elyon, t-t-tem que acreditar em mim. F-foi só uma hora. U-um pouco de diversão. Só isso. S-sou gentil com as mulheres. N-n-não a machuquei. Juro.
— Pegue a lança!
— O-o quê?
— Pegue. A. Lança.
— E-eu… N-n-não… N-não posso. S-senhor…
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— Se não pegar, arranco-lhe a mão e depois as pernas. Pedaço por pedaço. Um bocado de cada vez. E faço durar horas… Pegue a lança!
O homem chorou, limpou as lágrimas com o coto e então tateou o chão em busca da lança usando a mão esquerda; uma tarefa que se mostrou mais lenta e dolorosa do que deveria, com a clavícula quebrada. Por fim encontrou o cabo e Siegfried o decapitou.
“Não é execução se tiverem uma arma”, disse a si mesmo, mas não acreditou nessas palavras nem por um segundo.
Mãos fantasmas o abraçaram por trás, quentes e macias. Podia sentir a respiração pesada em sua nuca e o cheiro de amêndoa quando os lábios da garota tocaram seu ouvido e ela sussurrou:
— Muito bem.
Mas quando se virou, não havia nada lá.
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