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    Era uma noite escura e sem lua, com nuvens tão negras que escondiam até mesmo as estrelas. A única coisa que havia acima de Siegfried era um enorme manto de escuridão infinita.

    A trilha não era muito melhor.

    Uma estrada de terra que seguia em linha reta; e seguia, e seguia, sem nunca mudar ou chegar ao fim. Árvores fechavam-se ao seu redor, cada uma muito parecida com as outras.

    Poderia jurar que estava parado, se não fosse a mula ficando para trás sempre que forçava a sua égua em uma nova corrida. Depois o rapaz tinha de esperar pelo animal; então voltava a correr e o ciclo se repetia.

    “Já devia ter encontrado ela.”

    Izzie havia partido ontem de manhã. Isso dava a ela um dia e meio de vantagem, talvez dois, mas a garota ia a pé e ele a cavalo. Não devia ter sido capaz de se afastar tanto.

    “Será possível que ela tenha deixado a trilha?”

    Só um idiota faria isso. Ou alguém muito faminto. Havia caça na floresta, e dois dias era muito tempo, especialmente se teve de andar todo esse caminho de barriga vazia.

    — Izzie! — gritou. — Izzie!

    Mas a única resposta que obteve foi o restolhar das folhas.

    “O vento”, disse a si mesmo.

    Achava que podiam ser também as aranhas. O rapaz pouco sabia sobre elas, mas seus colegas de marcha foram gentis em lhe contar histórias sobre aranhas-gigantes atacando cavaleiros em seus cavalos, saltando da copa das árvores para devorá-los a ambos.

    Os soldados Whitefield eram sempre unânimes em jurar que os predadores não ousavam se aproximar da trilha, mas ele não tinha assim tanta certeza.

    “Espero que estejam certos.”

    Quando a mula voltou a alcançá-los, Siegfried se virou novamente para o sul e esporeou a égua, fazendo uma corrida de trinta segundos, até que a mula quase se perdesse de vista novamente e então parou.

    — Izzie!

    Quanto mais ao sul, mais espessa a neblina que o cercava se tornava. No primeiro quilômetro era não mais que uma fina cortina enevoada; após o quinto, tudo o que podia ver era a própria égua e algumas folhas aqui e ali. Até o chão desaparecia sob os pés do animal.

    Uma vastidão branca e gelada.

    Era como se o próprio inverno tivesse retornado. Uma forte rajada de vento vinha do oeste e cada sopro rasgava-lhe a pele até os ossos, como um milhar de agulhas de gelo.

    Siegfried ergueu o capuz para proteger o rosto do vento, ouviu o zurro da mula atrás de si e voltou a esporear a égua. Já se aproximava da meia-noite e suas esperanças minguavam a cada passo, enquanto o sono pesava em seus ombros.

    “Tenho que achá-la.”

    Sem saber como, deu por si fora da trilha.

    Cavalgou em linha reta, mas de algum modo viu uma árvore parada bem na sua frente, e quando virou a montaria para trás, outra. Era o mesmo à sua direita e à esquerda.

    — Merda!

    A mula também havia desaparecido.

    Quando tentou olhar para o céu atrás de estrelas que pudessem marcar a sua posição, tudo o que viu foi a copa das árvores cobertas por teias de aranha tão grandes que escondiam todo o verde; algumas com casulos murchos ou cheios.

    Foi quando escutou o grito. Um trovão que ecoou por toda a floresta, rompendo com o silêncio.

    — Izzie!?

    Siegfried esporeou a égua e precisou lutar com o animal para convencê-lo a seguir em direção ao perigo. Trotando entre raízes e pedras ocultas na neblina. Dando voltas e mais volta em caminhos bloqueados. Se perdendo e voltando a encontrar seu rastro mais do que em algumas ocasiões.

    O grito parou por três vezes. E o rapaz sentiu seu coração parar em cada uma delas.

    Da primeira vez, fez a égua avançar depressa e quase quebrou-lhe a perna. Da segunda, os gritos pararam por mais tempo; por quase quinze minutos, nada se ouviu além do barulho que fazia ele mesmo ao cavalgar. Após a terceira vez, pôde finalmente distinguir uma palavra:

    — Siegfried!

    Mas o grito vinha de todas as direções e o rapaz não tinha ideia de para onde seguir. Virasse para onde fosse, os gritos pareciam apenas ficar mais e mais distantes.

    — Izzie! Izzie!

    Desta vez seu chamado não ficou sem resposta.

    Sentiu a égua se agitar sob suas pernas, pulando e relinchando de terror; sacudindo a cabeça para todos os lados; tentando se livrar das rédeas que lhe prendiam. O animal recuou e bateu com suas partes de trás em uma árvore, antes de Siegfried finalmente conseguir fazê-lo se acalmar.

    Foi então que viu.

    Uma sombra escura saiu da neblina e o encarou com quatro pares de olhos vermelhos, brilhando como oito pequenos archotes que ardiam cheios de fome.

    Seu corpo era todo negro e volumoso, coberto de pelos e com oito longas pernas que puxavam um enorme abdômen duas vezes maior do que ela; a forma de uma ampulheta vermelha indicava a sua espécie.

    “Viúva negra.”

    Se estivesse a pé, a aranha-gigante lhe chegaria ao peito. A altura perfeita para morder seu pescoço com aquelas mandíbulas molhadas de sangue fresco. 

    Siegfried arrancou a espada da bainha e apontou para o monstro, mas estava cercado de árvores por todos os lados e havia pouco espaço para se aproximar ou recuar. Já tinha combatido em todo o tipo de lugar apertado, mas raramente montado em um cavalo; até o quarto da Beth era maior do que ali.

    A criatura avançou e Siegfried puxou as rédeas com a mão esquerda, levando a sua égua para o lado e tirando a cabeça dela do caminho. Quando a aranha-gigante chegou, o aço anão afundou-se em seu crânio e o impacto veio acompanhado de um ‘crac’ quando quebrou a couraça externa e se enterrou na carne mole por baixo dela.

    Houve um grito estridente, então Siegfried puxou a espada de volta.

    Dor se transformou em raiva e a criatura mordeu o estômago da sua égua. Duas presas enormes se enterraram na carne macia do pobre animal e fizeram o sangue fluir vermelho, enquanto a égua se contorcia e relinchava, lutando para se soltar e abrindo ainda mais o ferimento.

    Siegfried aproveitou a oportunidade para enfiar a ponta da lâmina na cabeça da aranha, afundando o aço em seu crânio até que metade dele já não fosse mais visível. O monstro se contorceu de dor e soltou pequenos silvares de desespero. Durou quase cinco segundos, então a criatura parou de se mover e deslizou para o chão.

    Mas já era tarde demais.

    Sentiu a égua cambalear para o lado, perdendo a força nas pernas. A neblina atrapalhava a visão, mas era claro que uma poça de sangue havia se formado aos seus pés, pingando descontroladamente; um pouco de carne solta também pendia de onde as presas da aranha a perfuraram.

    A pobre égua não voltaria a ver o sol e o rapaz sabia disso.

    — Merda!

    Devia deixar o animal para trás? Levá-lo de volta à trilha? Devia interromper as buscas e dar Izzie por morta? Ou entrar ainda mais fundo naquela floresta, sozinho e sem montaria? Quanto tempo o barão Kessel esperaria por ele? O consideraria um desertor?

    Estava pensando em tudo isso e mais um pouco, quando o ataque veio. Algo saltou das sombras e Siegfried brandiu sua espada no ar, antes mesmo de ver o que era.

    A lâmina rasgou metade do rosto da criatura que apareceu na sua frente, levando embora três dos seus oito olhos vermelhos, mas as patas dela se enrolaram ao seu redor como em um abraço e os dois caíram.

    Foi como ser atingido por um tronco.

    Num momento estava montado, no outro estava no chão, com a criatura em cima dele; havia uma rachadura no crânio da aranha, onde sua espada quase partiu a cabeça dela ao meio, mas isso só parecia tê-la deixado mais irritada.

    Siegfried estava tão ruim quanto.

    Sentia a cabeça latejando, meio molhada e mole da queda. Tinha os olhos embaçados enquanto a criatura tentava abocanhar o seu pescoço. A sua espada era longa demais para movê-la por baixo do monstro, então a soltou e segurou as presas da criatura com ambas as mãos. Uma ideia idiota.

    As presas da aranha eram afiadas como lâminas de verdade e cortaram seus dedos assim que as tocou. Sentia também as mãos arderem. Primeiro foi só um formigamento, então era como se tivesse pegado em ferro em brasas.

    “Veneno”, lembrou tarde demais. “Elas têm veneno nas presas.”

    Seus braços cederam, mas não antes de mudar o ângulo da cabeça da aranha-gigante; ao invés do pescoço, ela abocanhou seu ombro esquerdo. De pouco serviu. Podia sentir as presas afiadas lhe rasparem no osso, dilacerando a sua carne como um cachorro faria com uma galinha.

    E essa foi a última coisa que viu antes de fechar os olhos.

    — Siegfried!

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