Capítulo 0103: O harém
O primeiro piso do Dragão Assado era uma ruína de madeira destruída, assoalho rachado e poeira. O tronco usado para treinar os golpes de espada havia se partido em mil pedaços; a pedra de vinte quilos que usava para aumentar a resistência dos braços tinha caído e aberto um buraco no chão.
As paredes também não escaparam, nem mesmo o balcão, prateleiras e assoalho. Havia marcas de corte por todos os lados, com cadeiras e mesas destruídas em cada canto.
E no meio de tudo isso: Siegfried.
O rapaz estava sentado no que devia ser a última cadeira intacta do salão — os cotovelos apoiados nos joelhos, enquanto olhava para o chão. Suado e com o corpo todo dolorido.
Tinha passado outra noite em claro.
Não sonhava, mas tão pouco conseguia dormir e já faziam cinco dias desde a última vez que falou com Lili. Desde a Anna…
Isso devia ser uma coisa boa, mas não era. Tinha se acostumado com a garota. Sentia-se estranho sem ter ela por perto. E era a mesma coisa com a Irmã Serena. Esperava que ela aparecesse após o incidente e o acusasse de quebrar seus votos novamente:
— A culpa é sua! — ela diria. — Se tivesse lutado mais. Resistido. Quebrado os pulsos, se tivesse de ser. Isso nunca teria acontecido. Você deixou!
Mas ela também não apareceu.
Nenhuma delas apareceu.
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E isso só o deixava ainda mais irritado.
“Que merda isso quer dizer!?”
De repente a porta se abriu e um clarão de luz se espalhou pelo salão. Só então notou que já havia amanhecido. O velho das sanguessugas entrou e avançou com cuidado para não tropeçar em uma rachadura qualquer ou pedaço de madeira:
— Por Elyon, outra vez?
O homem se curvou, ficando de joelhos na frente de Siegfried, e começou a tratar de suas mãos. O esforço do treinamento noturno havia aberto seus pontos novamente e agora tinha ambos os pulsos molhados de sangue, embora o rapaz não tivesse notado até agora.
A bem da verdade, não doía. Nem sangrava tanto como antes. Um pequeno formigamento na ponta dos dedos e os pulsos estavam quentes, como se tivesse uma vela por baixo deles, lhe queimando a pele. Nada de mais.
— Como espera que suas mãos melhorem, se não descansar?
Levou apenas vinte minutos até o velho terminar o serviço, limpando a ferida com vinagre, usando linhas de costura para fechar os pontos outra vez e então passando uma pasta de alho em volta do ferimento, antes de enrolar tudo com um pano de algodão macio amarrado bem firme.
Quando terminou, um pouco da dor tinha sumido. Podia fechar os punhos, mas as mãos tremiam e perdiam a força depois de alguns segundos.
— O senhor parece estar se recuperando bem — disse o velho. — Deve ficar bom em uma semana ou duas, no máximo.
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— Não é rápido o bastante!
— Bem, talvez fosse mais rápido se o senhor me escutasse e descansasse. Ficaria surpreso com os poderes curativos de uma boa soneca.
— Fez o que mandei!?
— E-eu… Ah! As garotas. Sim. Eu achei algumas pro senhor. Bem-nascidas, como me instruiu.
— Então vamos!
A sua espada estava afundada até a metade em uma parede, mas bastou apenas um puxão para arrancá-la de lá e devolvê-la à bainha. Abrindo e fechando as mãos para afastar a dormência.
Lá fora, Will já estava esperando por ele com seu cavalo, o palafrém negro selvagem. O animal não tardou a tentar morder o velho médico, mas ficou quieto assim que viu Siegfried. Tinha estado bem manso desde que tomaram o vilarejo, mas só na presença do seu dono.
E tudo o que teve de fazer foi matar um soldado de cima da sua sela.
“Ele só respeita a violência.”
Não precisava de um cavalo para andar pela vila, mas decidiu fazer algumas mudanças desde que foi capturado pelos próprios patrulheiros. Mudar a sua imagem era uma delas; o comandante de um distrito não deve ser visto caminhando como uma pessoa qualquer, fosse onde fosse.
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Levaram meia-hora para chegar ao centro da Vila do Lobo. O distrito do barão Kessel.
Ali, as ruas eram movimentadas. Havia soldados, moradores, crianças e até escravos andando por todos os lados. Podia ouvir o som de ferro sendo torcido em forjas que operavam a todo vapor, as risadas vindas de grupos de amigos e muito mais.
Passaram bem ao lado da terceira catapulta, que estava sendo construída naquele exato momento por nove homens; todos eles soldados, porque as armas de cerco eram importantes demais para se deixar nas mãos dos escravos de lealdade pífia.
— Por aqui, senhor — disse o velho, apontando a direção para uma pequena casa qualquer.
Siegfried desmontou, entregou as rédeas para Will e seguiu o velho até o local.
A casa cheirava a mofo e mijo, com o chão meio grudento de… Preferiu não pensar nisso. Um dia tinha sido a casa de alguma família, mas agora era menos que uma latrina, com garrafas vazias espalhadas pelo chão e baratas infestando cada canto. Também não havia fontes de luz, nem de janelas, nem de lamparinas, mas o velho parecia bastante capaz de encontrar o caminho.
— Aqui. Por esse lado.
Foi encontrar as garotas no andar de cima, atrás de uma porta trancada. O quarto não tinha móvel algum, apenas mais garrafas e sujeira. Mas era o lugar mais arejado da casa, com uma janela bem grande aberta; o bastante para alguém se jogar e tentar fugir.
Alguém, mas não elas.
Eram quatro garotas ao todo, acorrentadas umas às outras pelos pés e usando coleiras de ferro no pescoço. Esperava encontrá-las em trapos: sujas, desgrenhadas e famintas, mas o velho médico se encarregou de cuidar delas; estavam limpas, bem alimentadas e vestidas com túnicas marrons que caíam até os tornozelos e sandálias de couro.
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A mais nova tinha treze anos e cabelos loiros que mal lhe chegavam aos ombros, mas com o olhar mais feroz de todas elas. Outra tinha quatorze e a altura de Siegfried, embora mantivesse a cabeça baixa e tremesse assustada; magra e de cabelos negros como um corvo. A terceira era uma garota de quinze anos, com os cabelos loiros cacheados batendo nas costas, baixa e de quadris largos que a faziam parecer mais gordinha que as outras.
Todas lhe eram estranhas, exceto a última.
Uma garota de dezoito anos, com cabelos negros amarrados em uma trança, olhos cor-de-mel e as sardas no rosto. Não usava mais a sua túnica de lã branca, mas ainda se lembrava da sacerdotisa que encontrou na noite do saque.
E ela também o reconheceu.
— Como prometido, milorde — disse o velho. — Aqui estão as garotas mais bem-nascidas que tal lugarejo tem a oferecer. Filhas de comerciantes e a bastarda do próprio barão Silvergraft. Mas temo que os lordes Kessel e Whitefield tenham levado as melhores há muito tempo. Espero que estas sejam de seu agrado.
O resto foi dito pelas próprias garotas.
A mais nova se chamava Allane e era a caçula de três irmãs, filha de um comerciante que estava na Vila do Lobo apenas para negociar seus produtos e acabou preso na confusão; o pai morreu, mas a sua mãe e as irmãs se tornaram rameiras em um bordel qualquer alguns dias mais tarde.
A mais alta se chamava Elsa e era filha bastarda do barão Lloyd Silvergraft, lorde daquelas terras. Sua mãe tinha servido no castelo, mas depois da gravidez foi expulsa. As duas tentaram buscar a proteção do lorde Silvergraft quando a batalha se espalhou pelo vilarejo, mas a mãe foi morta pelas flechas dos guardas e a garota foi capturada.
A gordinha se chamava Lavina e sua família tinha uma estalagem na Vila do Lobo. Também jurava ter sido melhor amiga da filha mais velha do lorde Silvergraft, antes dela partir para se casar com o conde Essel há dois anos. A sua forma orgulhosa de falar dava alguma credibilidade à história.
Mas Siegfried prestou mais atenção na sacerdotisa Etheldreda.
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— Ethel, se preferir — ela disse. — E temo que o meu nascimento não seja tão alto como as outras, mas fui instruída no que diz respeito à etiqueta e ao comportamento próprio de uma dama. Prometo não envergonhá-lo, milorde.
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