Índice de Capítulo

    O dia começou cedo, com Ethel e Will ajudando Siegfried a vestir sua armadura.

    A sacerdotisa era tão boa quanto havia dito. Seus dedos se moviam agilmente pelo corpo do rapaz, ajustando as peças e fixando as correias, embora parecesse assustada demais até para olhá-lo nos olhos. O motivo não era mistério nenhum.

    Estava ajoelhada na sua frente, terminando de fechar o coxote esquerdo, quando Siegfried perguntou:

    — Você ainda é leal aos Silvergraft?

    — A minha lealdade pertence ao senhor, milorde.

    — Mas não quer que eu os mate.

    — …

    — Por quê?

    — E-eu… Com todo o respeito, milorde. Eles são a casa mais santa de Thedrit, exceto apenas pela própria família real. Seria um pecado imperdoável fazer mal a eles.

    — Mesmo depois de terem abandonado vocês?

    — Ele não podia nos salvar. Vocês eram muitos. Fortes demais. Fomos pegos de surpresa. Não havia nada que pudesse ser feito.

    — Aí é que se engana. Havia muito que ele podia ter feito. Se rendido, pra começar. Quando deixou que tomássemos o vilarejo, não havia mais como nos derrotar. Se tivesse feito um acordo, podia ter nos entregado o castelo em troca da segurança de sua família e de todos vocês.

    — E vocês teriam aceitado?

    — É claro que sim. Perdemos um mês inteiro de cerco aqui. Já podíamos estar marchando contra o conde Essel a essa altura, se não fosse por ele.

    — Então diga isso a sua graça! Se disser–

    — Ele vai interpretar como fraqueza. O idiota tem que notar por si mesmo. Não que faça diferença. Agora já é tarde demais.

    Ela não tinha uma resposta para isso, então ficou em silêncio e terminou o seu trabalho. Colocaram o grande elmo por último; uma coisa pesada que mais se assemelhava a um balde, com um tecido de lã por baixo, entre o elmo e a touca de malha.

    Will parecia impressionado com a armadura e até Ethel parou um momento para admirá-lo, mas era bem menos formidável para Siegfried.

    Talvez o rapaz se sentisse mais grato quando ela o salvasse de um arqueiro qualquer ou talvez um golpe de espada, mas no momento a odiava com todo o seu coração. Lá dentro era abafado, difícil de respirar e enxergar. Até descer as escadas se provou um desafio excepcional, já que não podia ver os degraus a menos que olhasse diretamente para baixo, o que exigia que se inclinasse para a frente e aumentava as chances de tropeçar.

    Ethel teve de ajudá-lo, então chegou ao salão da taverna com o braço dela enrolado no seu.

    Lá embaixo, encontraram as garotas esperando o seu mestre. Elsa estava sentada à mesa, com um copo de leite na mão, enquanto Allane andava de um lado para o outro, mas parou assim que o viu.

    Lavina foi a última a aparecer.

    O rosto dela era uma máscara de cortesia, mas a tristeza que sentia era bastante evidente no modo como olhava para os braços entrelaçados de Ethel e Siegfried. Ainda tinha os olhos meio vermelhos de tanto chorar na noite passada, depois que ele a recusou, mas manteve a etiqueta e segurou as saias do vestido enquanto fazia uma reverência:

    — Milorde. Que Elyon guie sua espada e permita que o senhor volte em segurança.

    — Q-que o senhor volte em segurança — disse Elsa, se levantando da cadeira.

    Allane apenas fungou e foi embora, pondo um fim às despedidas. Depois disso, Siegfried pegou sua espada e escudo com Will, montou seu palafrém negro e levou dez dos seus patrulheiros com ele; os outros vinte ficariam para garantir a segurança do seu distrito.

    O Castelo Silvergraft ficava na área mais ao norte da Vila do Lobo, mas apesar das construções lhe rodearem de forma desordenada, nenhuma delas chegava a menos de sessenta metros dos muros, impossibilitando a construção de uma ponte entre os prédios.

    Duzentos soldados cercavam o castelo por todos os lados, armados com lanças, machados e uma ou outra espada. As quatro catapultas também já tinham sido movidas para o local, todas dispostas em áreas estratégicas e bem longe do alcance de flechas inimigas.

    Siegfried foi encontrar o barão Kessel em campo, conversando com o lorde Whitefield. Ambos com suas armaduras e cavalos. Quando notou o rapaz se aproximando, o chamou:

    — Siegfried! Aí está você.

    — Vossa graça.

    — Ainda quer a vanguarda?

    — Seria uma honra, senhor.

    — Uma que terá de dividir com Adrien e Hunter, mas é bom ver que não tenho covardes entre os meus. Fiquei sabendo que apostaram a mão da filha do lorde Silvergraft para ver quem invade o castelo primeiro. Vai ser bastante divertido ver a cara do vencedor quando a conhecerem.

    Siegfried fez uma vênia e então se retirou.

    Adrien e Hunter estavam na vanguarda, tal como o barão Kessel havia lhe dito. Ambos montados à frente de uma tropa de cinquenta soldados a pé e cerca de quarenta metros dos portões do castelo. Embora Hunter usasse a sua armadura completa, Adrien não tinha a mesma sorte e teve de se dar por satisfeito com uma brigantina.

    Ao ver Siegfried em sua armadura, Adrien estalou a língua e desviou o olhar, irritado. Hunter foi mais educado:

    — Siegfried, veio participar da disputa?

    — Pela mão da garota?

    — Elisa Silvergraft. Soube que é bastante bonita. E será a herdeira deste castelo, depois que o pai e o irmão forem executados.

    — Infelizmente já tenho uma noiva.

    — Uma que vale mais do que um castelo? Deve estar bem apaixonado.

    A batalha começou meia-hora mais tarde com um longo sopro do berrante. Mas nenhum soldado se moveu, já que derrubar os muros era tarefa para as catapultas.

    Pedras do tamanho de carroças cortaram o céu e passaram por cima dos soldados como um bando de pássaros gigantes, antes de finalmente atingir o castelo. Algumas acertaram os muros, outras o ultrapassaram, caindo dentro da fortaleza.

    Então veio a guarnição do barão Silvergraft, com os seus arqueiros disparando a esmo do topo das ameias e errando todas as flechas. Mesmo que o vento estivesse a seu favor — o que não era o caso —, o barão Kessel tinha organizado os seus homens fora do alcance e eles deviam ter notado isso.

    Mas o que mais eles poderiam fazer?

    A manhã seguiu deste modo. Um dos homens do barão Silvergraft desapareceu em uma nuvem de poeira cinza após ser atingido por uma pedra que destruiu parte das ameias, mas foi a única morte.

    Era de se esperar que pedras do tamanho de um bebê elefante fossem capazes de derrubar parte dos muros, mas a maioria delas se desfez em pó ao atingi-lo. Se isso causou algum dano, foi bem pouco evidente.

    Quando a tarde finalmente chegou, o berrante de guerra voltou a soar e foi a vez dos soldados.

    Como eram responsáveis pela vanguarda, coube a Siegfried, Adrien e Hunter incentivarem os seus homens a avançarem, por isso os três levantaram suas espadas e percorreram as fileiras gritando:

    — Em formação! Preparar para o ataque!

    Quando o berrante soou uma segunda vez, todos os soldados correram em direção aos muros com um grito de guerra, mas desaceleraram quando a primeira fileira chegou ao fosso que rodeava todo o castelo; dois metros de largura e outros três de profundidade, com estacas no fundo. Embora não tenha visto ninguém cair, Siegfried sabia que isso tinha acontecido. Sempre acontecia.

    Como comandante, Siegfried se deixou ficar para trás com Adrien e Hunter, garantindo que nenhum soldado recuasse. Um trabalho que não era muito diferente de pastorear ovelhas, aproximando seu cavalo da retaguarda para empurrá-los mais para a frente até que estivessem todos amontoados na entrada do castelo.

    “Empurre os de trás e os de trás empurram os da frente.”

    Enquanto flechas eram trocadas entre defensores e atacantes, um grupo de soldados conseguiu pôr uma imensa tábua de madeira com quatro metros de largura e pregá-la no chão apesar da confusão que os cercava, improvisando uma ponte que iria permiti-los atravessar o fosso.

    — Aríete! — gritou Siegfried.

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