Capítulo 0108: O portão
O aríete era um enorme tronco de freixo com três metros de comprimento e uma ponta de ferro. Tão pesado que precisava de dez homens adultos para carregá-lo e usá-lo.
Mesmo assim, o portão não caiu.
Adrien e Hunter lideravam dez arqueiros ao todo, pressionando a guarnição do barão Silvergraft, ao mesmo tempo em que Siegfried gritava ordens a uma distância segura do portão, fazendo os seus homens abrirem caminho para o aríete.
De nada adiantou.
Assim que viram a arma de guerra atravessando a ponte improvisada, os arqueiros inimigos bem depressa esqueceram de todo o resto e focaram apenas em abatê-los.
Sem uma galeria coberta para protegê-los, quatro homens que carregavam o aríete caíram ao longo do pequeno percurso; um deles foi atingido perto da virilha, outro no pescoço, um terceiro perdeu o olho e o último caiu no fosso tentando desviar de uma flecha. Mas a missão era mais importante do que suas vidas e outros soldados próximos logo tomaram seus lugares.
O aríete não parou.
Mas os guardas do barão Silvergraft, sim.
Depois que um deles foi atingido no pescoço com uma flechada, os outros soldados se apressaram em carregá-lo para longe, recuando e deixando a batalha de lado. Pela reação deles, aquele talvez fosse seu vice-capitão… Ou quem sabe o próprio capitão, se estivessem com sorte.
“Não que isso importe.”
Sem os arqueiros para atormentá-los, finalmente conseguiram atravessar a ponte improvisada com o aríete e o ímpeto dos soldados explodiu.
Como não poderia deixar de ser, a ponte levadiça foi o primeiro obstáculo que enfrentaram; erguida, ela funcionava como um segundo portão externo. Levou três golpes até que a madeira começasse a lascar, mas levaria uma hora ou mais antes que a derrubassem.
Não tinham esse tempo.
Vinte minutos depois de terem fugido, os guardas do barão Silvergraft voltaram.
Adrien e Hunter já tinham preparado os arqueiros de antemão, por isso receberam os inimigos com flechas rápidas assim que puseram suas cabeças para fora das ameias, mas isso não impediu que derramassem o óleo fervente.
Dez homens operavam o aríete.
Dez homens gritaram.
E Siegfried sentiu seu sangue gelar quando ouviu. Uma coisa feia e estridente que parecia engoli-los vivos. Já tinha visto o óleo fervente em ação. Não era o tipo de cena que se esquecia.
Mas o rapaz não era o único que sabia disso.
Qualquer ímpeto que os soldados ainda tivessem desapareceu em um instante e depressa se viram recuando. A princípio foi algo tímido, apenas dois passos para trás, como se temessem que fossem atingidos por mais óleo fervente. Mas não parou.
Adrien e Hunter controlaram as suas montarias e fizeram o melhor que podiam para empurrar seus homens de volta ao combate. Siegfried estava no meio da confusão, mais perto do aríete, por isso sabia que não iria funcionar.
“O dia está perdido”, podia ver nos olhos de seus soldados.
Alguns homens escaparam correndo em direções diferentes, enquanto Adrien e Hunter observavam sem reação. Normalmente poderiam ter ordenado que seus arqueiros abatessem os desertores, mas a tática funcionava muito melhor quando não eram os próprios arqueiros fugindo.
Quando o primeiro grupo alcançou uma distância segura, os demais seguiram o seu exemplo.
Uma manada de covardes correu de volta para a Vila do Lobo como ratos. Mesmo em seu cavalo, Siegfried quase caiu da sela quando alguns deles passaram esbarrando uns nos outros.
Idiotas.
O dia podia estar perdido, mas pelo menos fariam uma retirada como homens, não galinhas.
— Retirada! — gritou Siegfried. — Retirada!
— O que está fazendo!? — Adrien se aproximou e agarrou seu braço. — Nossas ordens são para derrubar o portão!
— Com o quê?! Olha ao seu redor. Perdemos o dia! — Então se virou para os soldados e voltou a gritar: — Aqueles que ainda podem andar, levem os feridos e tragam o aríete!
Por sorte, os mais próximos do portão ainda não tinham se dado conta da fuga e tinham um pouco mais de disciplina. O bastante para obedecê-lo, especialmente se isso significasse que poderiam escapar da batalha.
Nove dos homens que operavam o aríete tiveram queimaduras, mas apenas dois deles morreram e foram deixados para trás. O óleo fervente era um pesadelo para qualquer soldado. Um dos homens ficou completamente desfigurado e sem um fiapo de pele no rosto; o outro tinha tropeçado e caído no fosso ao tentar escapar. O resto escapou com queimaduras leves ou graves, mas vivos.
Deixaram também outros cinco soldados mortos para trás, mas estes foram vítimas de flechas ou caíram no fosso, a maioria sobreviveu.
A pior parte veio depois.
O lorde Kessel chamou Siegfried, Adrien e Hunter para uma reunião na sua residência temporária; a casa de uma família qualquer, com dois andares e bem mais humilde do que a sua mansão.
O salão de entrada havia sido organizado e agora era uma sala com nada além de uma única mesa retangular com seis lugares. O barão Kessel tinha tomado seu assento na ponta mais distante, mas nenhum deles foi convidado a se sentar. Ao invés disso, perguntou:
— O que aconteceu?
— Aqueles covardes fugiram! — disse Adrien de imediato, ainda irritado.
— Por que acham que lhes dei o comando? Era responsabilidade de vocês garantir que isso não acontecesse.
Adrien engoliu as palavras e recuou, mas Hunter tomou o seu lugar e disse:
— Vossa graça, eles usaram óleo fervente.
— Podiam ter usado a porra de um dragão que as suas ordens ainda seriam as mesmas! Ou vai me dizer que não imaginou que eles lutariam de volta? Vão jogar óleo fervente em vocês, sim. E também pedras, brasas, cadáveres, fezes e seja lá o que mais tiverem. Isso não muda nada!
— A-a culpa é dele! — disse Adrien, apontando o dedo para Siegfried. — Enquanto eu tentava parar os desertores, ele ordenou uma retirada! Se tivesse me ajudado, poderíamos ter recuperado o controle da situação e derrubado o portão!
— Já tínhamos perdido — disse Siegfried. — Não tinha como parar os desertores.
— Não cabe a você decidir isso! Tínhamos ordens!
— Então volta lá e cumpra elas!
— Já chega! — O barão Kessel bateu na mesa e todos se calaram. — Não quero ouvir desculpas e tenho mais o que fazer do que assistir um bando de crianças chorando! Esqueçam a droga do portão, vocês nem podem controlar os seus próprios homens!
— Eu posso! — Adrien avançou e caiu sobre um joelho. — Vossa graça, imploro que me dê outra oportunidade. Desta vez manterei meus homens na linha e tomaremos o portão. Juro pela minha honra.
— Sei muito bem o que vale a sua honra… Pois bem! Vocês têm uma semana. Agora saiam!
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