Índice de Capítulo

    Siegfried ainda estava meio adormecido quando ouviu as vozes.

    — Não importa — disse um homem qualquer. — Sua graça quer falar com ele. Dê um jeito!

    — Ele perdeu muito sangue — disse Ethel. — Se tentarmos movê-lo agora–

    — Eu te dei uma ordem!

    — E eu disse que não posso–

    Então houve um estalo, algo caiu no chão e todas as garotas gritaram.

    — Não me responda! — disse o homem. — Você vai fazer o que eu mandar!

    Siegfried estava deitado na cama, mas conseguiu reunir força o bastante para se sentar. Ainda tinha a cabeça meio tonta e a vista embaçada, mas era fácil adivinhar o que tinha acontecido: haviam três soldados que ele não conhecia no quarto.

    Mas prestou atenção em Ethel.

    A sacerdotisa tinha as mãos e o vestido sujos de sangue seco, caída no chão com a boca ferida e sangrando do tapa que levou. Vê-la assim deixou o rapaz furioso:

    — Se tocar nela de novo, eu arrebento os seus dentes com uma marreta e faço você engolir!

    Sua voz saiu rouca e meio abafada, mas chamou a atenção de todos da mesma forma. Não que as suas ameaças tenham assustado o soldado:

    — O barão Kessel exige a sua presença. Agora!

    — Então sai da porra do meu quarto que eu vou me arrumar!

    — Sua graça disse–

    — Eu escutei! Mas parece que você não. Some!

    O soldado levou a mão ao cabo da espada e, por não mais que um momento, pareceu que atacaria Siegfried. Ao invés disso, se retirou do quarto em silêncio e os seus colegas o seguiram, batendo a porta como um bando de crianças malcriadas.

    As garotas finalmente respiraram normalmente e Lavina pulou em cima de Siegfried. Devia ser um abraço, mas ele ainda estava um pouco fraco e a garota era pesada demais, então os dois caíram deitados na cama; ela por cima dele.

    — Milorde. O senhor está bem. Eu sabia.

    De repente, Lavina lembrou que ele ainda estava ferido e se levantou.

    — M-me desculpa. E-eu não quis… O senhor se machucou?

    — Eu tô bem. O que aconteceu?

    — Fomos atacados — disse Ethel. — Dizem que são as tropas do conde Essel. Que vieram tomar o castelo e libertar o vilarejo. Tá tudo um caos lá fora.

    — É claro que está.

    Depois disso, as garotas ajudaram Siegfried a se vestir. Sua camisa ensanguentada tinha sido feita em trapos quando Ethel tratou de seus ferimentos e o rapaz estava nu da cintura para cima, exceto pelo tecido que a garota usou para enfaixá-lo.

    Mas quando tirou as bandagens, viu que o corte em seu peito havia cicatrizado e sentiu o coração pular uma batida.

    — Quanto tempo eu dormi?

    — N-não tenho certeza — disse Lavina. — Uma hora, eu acho? Uma hora e meia?

    Ethel nada disse. Quando notou que o rapaz lhe observava, a garota imediatamente passou a se manter de cabeça baixa e afastada, pegando as roupas, enquanto Lavina o ajudava a vesti-las.

    Nunca imaginou que ela fosse como o Drew.

    Tal como Ethel havia dito, a Vila do Lobo estava um caos.

    Pequenos focos de incêndio se espalhavam pelo vilarejo, enquanto os moradores tentavam apagar o fogo e os escravos corriam à solta, fugindo dos soldados que se divertiam executando qualquer um que usasse uma coleira.

    Siegfried viu uma escrava nua sendo caçada por quatro homens que atiravam flechas nela sempre que a garota ficava cansada. Outro grupo matou um velho a pauladas, sem se importar com o fato dele estar tentando ajudar a apagar as chamas.

    Também haviam cadáveres aqui e ali.

    A maioria deles estava na rua principal. Dúzias de escravos mortos, espalhados pela estrada de terra. Uma escrava enforcada em frente ao velho bordel, dois soldados com os crânios esmagados por pedras.

    Mas não tinha nada a ver com um contra-ataque do conde Essel. Não havia nenhum exército nas ruas, nem soldados inimigos invadindo. Apenas escravos.

    “Uma revolta”, compreendeu.

    Mas sem qualquer chance de sucesso.

    Mesmo bêbados, os soldados ainda estavam em maior número e endurecidos pela última semana de batalhas. Os seus instintos estavam afiados o bastante para lidar com uma pequena revolta. Se considerar ainda que a maioria dos escravos não estava em condições de lutar — meio mortos de fome e desarmados —, não foi uma batalha justa.

    E já estava no fim.

    De vez em quando via alguns homens recolhendo os cadáveres em uma velha carroça para serem despachados em uma vala comum. Amanhã de manhã, seria como se nada tivesse acontecido.

    Levou cerca de vinte minutos até que Siegfried e a sua escolta chegassem ao Castelo Silvergraft.

    Apesar de ainda estarem no meio da madrugada, ninguém dormia. Arqueiros ocupavam as ameias, guardas patrulhavam o interior dos muros e todos pareciam nervosos, como se esperassem alguma invasão ou outra tentativa de assassinato.

    Mesmo para entrar na torre do barão Kessel, eles fizeram várias perguntas e exigiram que Siegfried lhes entregasse a espada. Não havia como terem sido ordens do próprio lorde Kessel. Não algo tão desrespeitoso e covarde como desarmar um dos seus próprios vassalos em uma convocatória. Mas obedeceu assim mesmo.

    Foi encontrar o barão Kessel no segundo andar.

    — Vossa graça.

    — Você demorou! Foram atrás de você também?

    — Sim, senhor.

    — Humpf. É claro que foram. Eles foram atrás de todos nós, não é?! Por isso eu te chamei. Já deve ter notado, mas essa noite foi obra do conde Essel. Ele sabe que estamos aqui. Até onde eu sei, pode estar em marcha agora mesmo. E nós chegamos longe demais para recuar.

    — O que devo fazer?

    — Conquistar o Salão Branco!

    — O Salão Branco… Essa não é–?

    — A sede da casa Whitefield. Isso mesmo.

    — Pensei que fossem nossos aliados, senhor.

    — E são. Por enquanto.

    — Então?

    — O barão Whitefield está morto! Ao contrário de nós dois, ele não escapou de seus assassinos. O que significa que o título e as terras passam para o seu primogênito, Draco Whitefield. O escudeiro do conde Essel. Acho que consegue ver o porquê desta ordem sucessória não me agradar.

    — O senhor acha que os soldados Whitefield que vieram com a gente vão nos trair?

    — Não vejo porque não o fariam, por isso planejo entregar o título ao Sir. Edgar.

    — O pai do Hunter?

    — O tio do Draco! O garoto pode estar na frente da linha de sucessão, mas se está alinhado com o conde Essel, então é um traidor e traidores não têm direito a nada além da forca. Tecnicamente a irmã dele seria a próxima herdeira, mas estamos em guerra. A casa Whitefield precisa de um líder. Um cavaleiro. Não uma garotinha.

    — E ele teria um motivo para ser leal ao senhor.

    — Está aprendendo. Bom. Poucos homens ficam contentes em viver à sombra do irmão mais velho. E menos ainda querem viver à sombra do sobrinho. Quem dirá uma sobrinha. Vamos torcer para que o Sir. Edgar não seja um deles.

    — …

    — O que foi?

    — E a Dara?

    A expressão no rosto do barão Kessel amargou e se tornou tão sombria quanto o puro desprezo:

    — O que tem ela?

    — O senhor prometeu a mão dela em casamento ao filho do barão Whitefield, mas–

    — Agora que o Draco não é mais uma opção, ela está livre para ficar com você. É isso o que quer dizer?

    — …

    — Ela nunca será sua, garoto. Devia desistir. Não sei que tipo de romance tiveram, mas acabou. Se fosse um ano atrás, quem sabe. Um ano atrás ela não tinha qualquer dote. Era apenas a filha de um nobre exilado. Não importava a ninguém quem se tornaria seu marido. Mas isso foi antes. Agora seu dote é o próprio condado. Pode não ser o Draco, mas ela se casará com alguém. E não será você!

    Siegfried já esperava por essa resposta, mas isso não deixou as palavras mais suaves. Tinha feito o que pôde para ignorar o acordo de casamento de Dara e Draco. Para se manter fiel à promessa.

    Mas sempre soube que seria assim.

    “Você não pode ter todas.”

    — Eu prometi pra ela…

    — Dificilmente será o primeiro rapaz a quebrar uma promessa de casamento.

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