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    Os últimos dois dias de viagem foram tranquilos e não houve novos incidentes desde que a Elsa foi atacada. Mas agora o grupo estava dividido.

    Na teoria, Siegfried tinha o comando da tropa. Na prática, eles ainda eram homens de Ermin. E não ajudava muito o fato de ter cortado o dedo de um deles por atacar o Will. Visto de outro ângulo, era como dizer que ele valorizava mais a vida do seu escravo do que a vida dos seus homens… O que não estava completamente errado.

    Siegfried realmente valorizava a vida de Will, Lavina, Ethel, Elsa e Allane. Certamente bem mais do que a vida dos soldados que o barão Kessel lhe deu.

    Mas nunca os considerou ‘seus’ homens.

    Alguns nem sequer escondiam mais o rancor que sentiam por terem de seguir um mercenário. Não se importava que falassem mal dele quando eram apenas críticas segredadas entre colegas — bem longe dos seus ouvidos. O problema era fazerem isso durante a marcha, como se esperassem que o rapaz os escutasse:

    — O que o lorde Kessel tinha na cabeça quando colocou esse mercenário no comando?

    — Gente assim foi feita pra seguir, não liderar.

    — Ele só se importa com as putas dele.

    Devia pôr um fim ao desrespeito e sabia disso. A moral da tropa e a estima que tinham pelo próprio comandante eram duas faces da mesma moeda. Talvez o seguissem em combate, mas não ficaria surpreso se o abandonassem no meio da batalha e fugissem, assim que as coisas ficassem só um pouquinho mais difíceis.

    Eles não eram confiáveis e havia bem pouco que Siegfried pudesse fazer a respeito disso.

    Podia punir Ermin. Fazer dele um exemplo. Matar um ou dois de seus homens mais leais. Mas nada garantia que os outros o obedeceriam docilmente depois disso, nem que não tentariam se vingar. E mesmo que funcionasse, ainda reduziria os seus próprios números; um soldado a menos podia ser a diferença entre tomar o Salão Branco ou morrer tentando. Não podia se dar a esse luxo.

    A outra alternativa seria fazer as pazes, mas tinha a impressão de que não era exatamente isso o que Ermin queria.

    “É mais fácil ele beijar a minha bunda do que seguir as minhas ordens.”

    Já tinha visto homens como ele. O seu posto era a sua vida; e vai saber o quanto teve de sacrificar para se tornar um homem de confiança do barão Kessel. Do seu ponto de vista, Siegfried era nada além de um adversário tentando roubar a posição que ele conquistou.

    Foi a mesma coisa com Igmar, por isso tinha uma boa ideia do que aconteceria se tentasse fazer as pazes com Ermin.

    A primeira coisa que ele faria, seria exigir que Will fosse devidamente enforcado; e não por qualquer senso de justiça, mas para deixar claro que a sua autoridade era maior que a de Siegfried. Com um bônus de agradar os seus homens e deixar claro para as garotas que elas não estavam a salvo.

    Depois disso, Siegfried seria menos do que nada. Ninguém o levaria a sério.

    “Talvez eu não devesse ter punido o soldado.”

    Isso podia ter lhe poupado um ou dois problemas, mas Ermin bloqueou esse caminho quando foi ele quem sugeriu tal linha de ação. Se fizesse como havia dito, os homens pensariam que foi graças à intervenção dele que o soldado foi perdoado.

    — Se não fosse pelo Ermin…

    E da próxima vez que algo acontecesse, seria por ele que buscariam. No fim, estaria aumentando a sua influência e não ganharia nada em troca.

    Realmente, liderar era um saco.

    Controlar os próprios homens parecia mais difícil do que derrotar um inimigo em batalha. Sempre lutando para preservar o pouco respeito que eles ainda tinham pela sua liderança. Pensando não em termos práticos, mas políticos; preservando o seu próprio poder, enquanto diminuía o dos seus adversários em cada decisão.

    Já começava a sentir falta da época em que era apenas um mercenário entre centenas.

    “Uma espada, uma ordem e um barril de hidromel no final do dia. Eu era feliz e não sabia.”

    Três dias após partirem da Vila do Lobo, o grupo finalmente avistou o Salão Branco ao longe.

    Ainda era de manhã quando Siegfried mandou os porta-estandartes seguirem cinco metros à frente da tropa, com uma bandeira da casa Whitefield e outra do Rei Negro. Seria problemático se fossem confundidos com inimigos… Antes do ataque.

    “Se tivermos sorte, os batedores vão querer falar com a gente antes de irem avisar a guarnição.”

    E foi exatamente o que fizeram.

    Cerca de seiscentos metros antes de chegarem à Vila Nova, a pequena comunidade que cercava o Salão Branco, Siegfried fez a tropa parar para um descanso rápido. Já estava anoitecendo e tinham andado o dia inteiro. Precisava dos soldados bem-dispostos quando chegassem ao Salão Branco.

    Se tudo corresse bem, talvez fossem capazes de tomar a fortaleza ainda essa noite.

    “Isso ou vamos todos morrer.”

    Pensou nas garotas e no que seria feito delas se a invasão falhasse.

    Elsa e Will não saíam da tenda desde o ataque. A Allane também preferia se esconder em um canto qualquer do acampamento; normalmente a tenda da Ethel. As únicas que pareciam estar bem eram Lavina e Ethel. Também eram as únicas jantando com ele naquela noite.

    Siegfried estava sentado em volta da fogueira, se divertindo com a forma como Lavina assoprava a fatia de pão assado no espeto, antes de oferecer uma mordida ao rapaz. Ele comeu, a garota abriu um sorriso e repetiu o processo.

    “Quando foi que ela ficou tão fofa?”

    De repente, um soldado apareceu trazendo uma dupla de batedores da casa Whitefield:

    — Comandante. Eles pediram pra falar com o senhor.

    Siegfried levantou e deu uma boa olhada neles.

    Os homens vinham a pé e pareciam mais do que um pouco maltrapilhos. Ambos usavam a camisa de cota de malha enferrujada por baixo do manto cinza desbotado; o uniforme padrão dos soldados Whitefield. O mais velho tinha cinquenta anos ou mais, grisalho e meio curvado. O mais novo tinha dezoito e a constituição de um corredor.

    Quem falou foi o mais velho:

    — Senhor comandante. Vimos as bandeiras, mas temo não ter sido informado de que receberíamos nenhuma… Comitiva. Pensei que talvez fossem a tropa de sua graça, o barão Whitefield, mas… Me perdoe a ignorância, não reconheço o senhor. Ou as suas cores.

    — Meu nome é Siegfried. E não tenho cores. Isso é pra fidalgos.

    — Entendo. Se me permite, o que lhes trás aqui?

    — Ethel!

    A sacerdotisa estava alimentando a fogueira com algumas raízes e folhas secas, mas parou e ficou de pé assim que ouviu o seu nome.

    — Milorde.

    — Traga o garoto!

    Cinco minutos depois, Ethel voltou com Allane. O cabelo curto ressecado e empoeirado da viagem, com as roupas de Dedric amarrotadas e suadas. Tal como lhe havia ordenado, a garota manteve a cabeça baixa e a boca fechada. Naquele escuro, podia se passar por um garoto.

    — O Castelo Silvergraft caiu! — disse Siegfried. — Então trouxemos um refém. Dedric Silvergraft, herdeiro legítimo do barão Silvergraft.

    A notícia pegou os batedores de surpresa. Deram não mais que uma breve olhada em Allane, então começaram a falar um com o outro em voz baixa, até que o mais velho disse:

    — Milorde, se não se importar, vamos escoltá-los até a fortaleza. Sua graça irá querer vê-los.

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