Índice de Capítulo

    Vila Nova era uma comunidade precária, para se dizer o mínimo. As suas ruas eram feitas de terra e barro. As casas, de madeira e telhados de sapê que mal aguentariam uma brisa forte. De vez em quando passavam por uma taverna ou a casa de algum artesão, mas fora isso, havia bem pouco comércio.

    A única coisa que o vilarejo parecia ter em fartura eram bêbados e prostitutas de rua.

    Siegfried não chegou a ver um bordel, mas havia uma garota em cada beco e mesmo algumas em frente às portas de casa. Talvez uma em vinte até conseguisse despertar desejo com os seus seios fartos ou quadris largos. A maioria, não. Mulheres flácidas e cansadas eram mais comuns do que as jovens e sedutoras.

    Em outros lugares, as rameiras estavam sempre sorrindo e jogando seus elogios provocantes em qualquer homem que passasse. Ali, a mais gentil delas talvez não te olhasse com desprezo. Como alguém conseguia ficar duro perto delas, era um mistério. Viu uma garota de dezenove anos, bem mais bonita do que as outras, mas com um olhar tão frio que podia amolecer uma montanha.

    Se Vila Nova tivesse que ser descrita em apenas uma palavra, seria ‘melancólica’. Até o seu clima era mais cinzento que o normal.

    “Então o barão Whitefield era esse tipo de lorde.”

    Levou cerca de vinte minutos para chegarem até o Salão Branco. A construção havia sido erguida trinta metros ao sul de Vila Nova, cercada por um muro de madeira com três metros de altura e um fosso com estacas no fundo.

    O velho batedor trocou algumas palavras com um dos guardas no topo e os portões se abriram.

    O primeiro a sair foi um homem grande de trinta e poucos anos, com uma camisa de cota de malha por baixo de um manto cinza e uma espada curta na bainha. Não parecia um guerreiro e isso ficava claro pela sua barriga redonda de cerveja.

    — Quê que cês tão fazendo aqui!? — resmungou o guarda. — O turno de vocês ainda não acabou. E quem são esses aí!?

    — Este é o lorde Siegfried — respondeu o velho batedor, cheio de orgulho. — Ele trouxe notícias do Castelo Silvergraft. E um refém.

    — É mesmo?! E cadê?

    Siegfried acenou para Ethel e a sacerdotisa trouxe Allane até eles. Cabeça baixa e boca fechada, tal como havia lhe ensinado. Mas aquele guarda era mais desconfiado que os outros e puxou a garota para perto dele, fazendo questão de dar uma boa olhada em seu rosto, antes de perguntar:

    — E quem é essa garota!?

    — G-garota!? — disse o velho batedor. — E-esse é Dedric Silvergraft, herdeiro legítimo do barão–

    — Acha que eu não reconheço um rabo de saia quando vejo um!? Ela é–

    Bastou nada além de um olhar nos soldados para o guarda entender o que estava acontecendo. Na mesma hora, ele empurrou Allane para longe e a garota caiu no chão, enquanto o guarda puxava a espada:

    — Idiota! Você trouxe eles aqui!

    Siegfried estava mais próximo do portão, por isso foi o primeiro a reagir. Quando o guarda balançou o braço, abriu demais o golpe e o rapaz arrancou fora a sua mão-da-espada com um movimento.

    Enquanto o primeiro guarda tropeçava para trás e caía no chão, um segundo avançou rapidamente contra Siegfried.

    Aço encontrou aço, mas apenas uma vez. O seu oponente se deixou abalar pelo impacto e perdeu toda a força nos braços. A mão-da-espada tremia e sua empunhadura era fraca. Precisou de pouco mais que um golpe de leve para tirar a lâmina do caminho e arrancar sua cabeça.

    A essa altura, os batedores já tinham sido mortos pelos soldados.

    — T-traidores! — resmungou o guarda maneta. O último sobrevivente. — Covardes! Se acham que vão–

    Siegfried enfiou a lâmina no coração do guarda e a batalha terminou. Não haviam mais homens por perto, nem servas ou testemunhas. O pátio inteiro estava deserto. O caminho, livre.

    Então seguiram em frente.

    O salão Whitefield era espaçoso o bastante para abrigar cinquenta pessoas, com uma longa mesa no centro, posta entre os pilares e terminando na lareira de pedra que a separava dos dois tronos localizados no fim do salão.

    Pendurada em uma parede atrás dos tronos, uma bela tapeçaria com o brasão da casa Whitefield: a adaga negra em fundo branco.

    Uma casa humilde.

    Estavam no meio do jantar quando Siegfried e os outros invadiram. Uma serva deixou cair seu jarro de bebida no chão, um guarda bêbado vomitou e então todos congelaram, observando os homens armados que haviam acabado de chegar.

    Não foi difícil descobrir quem era a baronesa. Ela estava sentada no trono. Uma mulher jovem, com trinta e poucos anos ou até mais nova. A sua pele era branca como a neve e os cabelos ruivos eram vermelhos como sangue. Seu vestido, negro com um decote quadrado e espartilhos.

    Foi a primeira a se levantar, furiosa:

    — Quem são vocês!? Como ousam invadir!?

    Ermin e seus homens se espalharam pelo salão e cercaram os guardas, antes que algum deles pudesse tentar alguma coisa. Ninguém se moveu.

    — Vossa graça — disse Siegfried. — Não viemos machucá-la. Nem a nenhum de vocês. Mas temo que a senhora não esteja mais no comando desta fortaleza.

    — E com que autoridade diz isso!? Sabe quem eu sou!?

    — A viúva do lorde Whitefield.

    A resposta pegou a baronesa de surpresa. Assim como aos guardas e as servas que começaram a trocar olhares preocupados. O poder dela estava escorrendo pelos dedos e podia ver isso.

    — Eu te conheço — ela disse. — Eradan falou de você, quando veio aqui. E o meu marido também. Você é o mercenário. O cão do conde Gaelor. Ou será que agora é o cão do barão Kessel?! Isso foi obra dele, não é? Aquele traidor sujo–

    — Não traímos a casa Whitefield!

    — Então como chama essa invasão!?

    — Uma pequena mudança na balança de poder.

    — Engraçadinho, ein? Mas se acha que vai tomar essa fortaleza sem derramar sangue, então está muito enganado. Guardas!

    Haviam apenas seis guardas sentados à mesa. A maioria meio bêbada ou pior. Dois deles levaram a mão até o cinto da espada, mas bastou apenas uma olhada nos homens de Ermin para mudarem de ideia e ficarem quietos.

    “E lá se vai a sua última gota de autoridade.”

    Siegfried sorriu e então caminhou em direção ao trono, parando na frente da baronesa Whitefield. Mesmo assustada, ela manteve a compostura e não se deixou intimidar.

    — Milady.

    — Disse que não faria mal à minha família.

    — Nem a nenhum de seus servos.

    — Então a fortaleza é sua… Milorde.

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