Capítulo 0119: O Senhor do Salão Branco
A maioria dos moradores do Salão Branco foram rendidos facilmente.
Dos dez guardas, quatro morreram na batalha do portão e os outros seis estavam bêbados demais para oferecer qualquer resistência. No fim, foram todos levados até a prisão sem qualquer tumulto.
Além dos guardas, capturaram também as cinco servas que estavam presentes no salão quando o ataque começou; dois cozinheiros preparando um pouco de mingau de aveia com mel; e o rapaz de estrebaria dormindo no estábulo.
Ao invés de jogá-los na prisão com os soldados, Siegfried fez a baronesa Whitefield ordenar que eles o servissem.
— A partir desta noite, o Salão Branco está sob a proteção do jovem lorde Siegfried — ela disse. — E eu espero que cada um de vocês o sirva com a mesma lealdade e dedicação com que serviram à minha família ao longo desses anos.
Todos se ajoelharam, juraram obedecer e depois voltaram aos seus afazeres como se nada tivesse acontecido.
“Eles não dão a mínima pra quem é o lorde desta fortaleza.”
A filha da baronesa foi menos compreensiva.
A garota se trancou no quarto com Alethra Gaelor e o seu filho, o neto do conde Gaelor. Não. O filho do conde Gaelor! Alwyn estava morto, tinha de se lembrar disso. Agora o conde era o seu filho mais velho, Theron. Isso fazia de Alethra a condessa e do seu filho, o herdeiro. Não podia esquecer.
“Estou protegendo a condessa e o único herdeiro do conde Theron.”
Não podia invadir o quarto com os soldados e pôr em risco a vida de nenhum deles, por isso deixou a tarefa nas mãos da baronesa Whitefield. Depois de quase uma hora discutindo com a sua filha, a porta finalmente abriu.
Siegfried foi o primeiro a entrar. A lady Whitefield ao seu lado, para o caso da garota enlouquecer.
O quarto em si era bastante aconchegante, com tapeçarias decorando as paredes com cenas de batalhas e momentos históricos, não que o rapaz fosse capaz de reconhecê-los. Viu também uma espada cerimonial e um escudo quebrado, antigo o bastante para ter mais de cem anos.
Mas preferiu prestar atenção na garota de longos cabelos negros e olhos cinzentos que viu sentada de pernas cruzadas em cima da cama, escondida até o pescoço por baixo de um manto de pele de lobo branco. Provavelmente quinze ou dezesseis anos. Tal como a mãe, tinha uma expressão feroz no rosto e não deixava o medo transparecer.
“Aposto que tem uma adaga escondida embaixo daquele manto de pele.”
— Astrid — disse a baronesa —, este é Siegfried. E pelo tempo que for necessário, o Salão Branco estará sob sua proteção.
A garota deu uma boa olhada nele, mas não disse nada, apenas virou o rosto e estalou a língua, como se não gostasse do que via.
— Perdoe a minha filha, ela sempre foi um pouco ‘desafiadora’ e temo que meu marido tenha sido leniente demais com esse comportamento. Mas é uma garota esperta e não lhe causará problemas. Tem a minha palavra.
Então a outra garota apareceu.
Alethra Gaelor tinha dezessete anos, de cabelos loiros dourados que ondulavam até os ombros e olhos verde musgo. Suas roupas de dormir eram brancas e recatadas, como deviam ser. Diferente da Lavina, que gostava de usar apenas o vestido de chemise batendo nas coxas e nada mais, suas pernas estavam muito bem escondidas por baixo das saias de anágua que chegavam ao tornozelo e as longas meias de algodão.
Quando ela finalmente tomou coragem para sair das sombras, fez isso timidamente e se manteve de cabeça baixa o tempo inteiro, como se tivesse medo de olhar Siegfried nos olhos.
A última Lancaster.
Esperava alguém… Diferente. Claro, era bastante bonita, mas parecia também frágil e assustada. A imagem perfeita de uma donzela, mas não servia bem a uma mulher casada; e muito menos a uma condessa.
“Não que eu possa culpá-la por isso.”
Conhecia a história.
O barão Lancaster era um dos vassalos do conde Gaelor, mas se aliou ao príncipe Helmut e não ao Rei Negro, como deveria ser. Então foi executado por traição e Theron Gaelor se casou com Alethra Lancaster — sua única filha — para legitimar seu domínio sobre a Torre da Justiça.
Primeiro uma refém dos Gaelor, agora uma refém dos Whitefield. Não era à toa que aprendeu como ficar de boca fechada e ser invisível. Se alguém a quisesse morta, ninguém a defenderia.
Era apenas uma moeda de troca.
“Bom, pelo menos eles não colocaram um filho na barriga dela… Eu acho.”
Siegfried avançou em direção à Alethra e o rosto dela empalideceu tanto que quase parecia como se tivesse morrido de susto ao vê-lo se aproximar. Então parou, fez uma reverência e disse:
— Vossa graça. É bom vê-la em segurança. Meu nome é Siegfried. O lorde Kessel me enviou para protegê-la, pelo tempo que for necessário. Minha espada está a seu serviço. Prometo não falhar ou envergonhá-la.
— Ah! Uh! O-obrigada. Q-quero dizer, sim. E-eu o agradeço por sua lealdade e aceito sua proteção. Prometo ouvir os seus conselhos e nunca fazê-lo ir contra os seus valores.
Só então notou a criança agarrada às saias dela. Um garotinho de três anos, cabelo negro e olhos verdes musgo como Alethra. Ao contrário da mãe, ele olhava Siegfried nos olhos e parecia um tanto feroz, como um filhotinho de lobo.
“A pessoa mais importante nesta sala.”
♦
Os próximos onze dias foram bastante calmos.
A prioridade de Siegfried eram as fidalgas.
Alethra e seu filho eram importantes demais para dormirem em camas de palha ou o que fosse, por isso ficaram com o único quarto do Salão Branco; o quarto do lorde Whitefield e sua esposa.
Da mesma forma, a baronesa e sua filha eram de nascimento elevado e não podiam ser confinadas em uma cela, mas tão pouco podia forçá-las a se deitarem junto dos servos; seria uma ofensa e um risco. Elas precisavam ficar isoladas ou poderiam incitar uma revolta.
No fim, teve de colocá-las no mesmo quarto que Alethra e a criança, mas não era burro o bastante para deixar as quatro sozinhas.
Não seria aceitável que um homem dormisse no mesmo quarto que outras três mulheres nobres: uma donzela, uma esposa e uma viúva. Ao invés disso, pôs Ethel, Elsa e Allane para vigiá-las. Três escravas vigiando três fidalgas. O que poderia dar errado?
Também colocou três soldados em três turnos de guarda na porta do quarto. Ninguém devia entrar ou sair sem permissão. Se ouvisse gritos ou uma confusão lá dentro, o soldado tinha permissão de entrar, caso contrário, deveria permanecer no seu posto e não incomodá-las.
— Se eu descobrir que algum de vocês tentou se enfiar lá dentro ou espiar as garotas, arranco seu couro com uma faca e te deixo no pátio pra todos verem — avisou Siegfried. — Se não conseguem segurar as calças, tem um batalhão de rameiras lá fora. Usem elas quando estiverem de folga e não causem problemas!
Os outros seis soldados foram separados em três duplas para vigiar os muros. Por sorte, os antigos guardas tinham um chifre de carneiro que poderia ser usado para acordar a fortaleza no caso de um ataque. Como seus números estavam reduzidos, Siegfried determinou que o soldado com o chifre deveria se manter sempre no seu posto e usá-lo imediatamente se seu parceiro fosse atacado ou desaparecesse.
Por fim, restava Ermin. As suas ordens eram bem simples: patrulhar regularmente e garantir que os guardas estivessem em seus postos. De dia, com certeza, mas principalmente de noite. Se alguma coisa acontecesse, deveria resolvê-la ele mesmo ou chamar Siegfried…
O rapaz dormiu como um bebê desde então.
“Pelo menos uma coisa boa na teimosia dele.”
As servas, os cozinheiros e o rapaz de estrebaria também eram forçados a permanecer na cozinha durante a noite. Não havia muitos lugares para colocá-los, nem podia deixá-los separados — se o fizesse, seria mais fácil para um deles acabar escapando.
Com isso, terminavam todas as suas precauções. Nada muito complexo. Talvez até fosse capaz de desencorajar uma revolta, mas seria muito pouco provável que impedisse uma.
Por sorte, nada chegou a acontecer. Pelo menos, não dentro da fortaleza.
No décimo segundo dia desde que conquistaram o Salão Branco, Siegfried foi avisado de pessoas vindo do norte. Refugiados vindo da Vila do Lobo. O rapaz sabia o que significava antes mesmo do primeiro deles pisar em Vila Nova.
“Ele chegou!”

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