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    Havia seis homens na prisão.

    Siegfried deu uma boa olhada neles. Tinham sido presos vestindo belas túnicas de lã cinza, calças negras e botas de couro. Agora tinham as túnicas carcomidas por vermes, as botas mofadas graças à umidade e as calças tornadas marrons da lama — ou fezes humanas, era difícil dizer.

    O rapaz abriu as grades e eles se encolheram.

    Doze dias. Foi só o que bastou para transformar a orgulhosa guarda da casa Whitefield naquelas coisas patéticas. O mais novo devia ter cerca de trinta anos, não muito mais jovem que os outros. Tinham o dobro da sua idade, mas mesmo assim tremiam ao vê-lo.

    “A maldição dos guardas domésticos.”

    Esperava mais dos homens que o próprio barão Whitefield deixou para proteger sua casa. Como alguém conseguia dormir à noite sabendo que a sua família estava nas mãos daqueles ratos?

    Talvez tenha havido uma época em que tivessem sido guerreiros ferozes e experimentados, mas já não eram mais assim. Covardes até o osso. Nem ao menos tentaram lutar quando Siegfried invadiu o Salão Branco. A corda era menos do que gente assim merecia.

    Mas era tudo o que tinha.

    — Eu só vou dizer uma vez, então prestem bem a atenção! Vocês todos não passam de vermes! O barão Whitefield deixou a família dele em suas mãos e o que fizeram?! Escolheram a vida acima da honra. Assistiram enquanto tomávamos a sua esposa e filha como cativas. A esposa e a filha do homem que lhes deu um teto e um lugar à mesa. Do homem a quem juraram servir.

    Nenhum deles teve a coragem de retrucar.

    — Essa é a vida que compraram com a covardia de vocês. O que acham dela?

    Siegfried chutou um balde de madeira qualquer e viu as fezes serem despejadas no chão, cobrindo a cela com um líquido marrom e viscoso, com um ou outro pedaço sólido aqui e ali.

    Os prisioneiros se afastaram da merda o máximo que suas correntes permitiam e o rapaz continuou:

    — Vocês falharam com a casa Whitefield. Agora podem apodrecer nesta cela pelo resto das suas vidas… Ou não. A escolha é de vocês.

    Por um momento, realmente pareceu que apenas ficariam em silêncio, até que um deles falou, com a sua voz rouca e fraca:

    — O que quer de nós?

    — Algo que não deram ao barão Whitefield. Uma coisa que talvez tenham se esquecido que existe. Chama-se ‘lealdade’.

    — Como servos?

    — Como soldados! Se ainda se lembrarem o que isso significa.

    — Por quê?

    “Porque estou desesperado”, pensou, mas disse:

    — Eu não sei como eram as coisas com o barão Whitefield, mas eu não gosto de ser questionado! Já disse tudo o que precisam saber. E então? O que vai ser?

    Levou quase trinta segundos para que o primeiro deles aceitasse, mas depois disso os outros logo seguiram o seu exemplo. E dos seis prisioneiros, cinco aceitaram o acordo.

    Fabien soltou dois deles.

    Siegfried sabia bem pouco a respeito do soldado que vigiava a prisão. O mais novo dos homens de Ermin tinha dezessete anos, cabelos castanhos e um corpo esguio. Era também o mais respeitoso; não apenas quando falava com Siegfried e Ermin, mas com todos! Fossem eles os outros soldados, servos ou até mesmo as escravas.

    Não que ele parecesse ser uma pessoa gentil.

    Fabien estava mais próximo de um homem fraco. Um covarde se escondendo atrás dos outros. De certa forma, era parecido com Ermin. Obedeceria bem às suas ordens, mas a sua lealdade era um tanto quanto vacilante. Alguém pouco confiável e disposto a abandonar antigas amizades em meio a uma crise.

    Talvez pudesse cooptá-lo.

    “Melhor ao meu lado do que contra mim.”

    Na sua frente, os dois prisioneiros aguardavam o que estava prestes a acontecer.

    Ambos tinham trinta e poucos anos. Pálidos, com os cabelos negros sujos e barba por fazer. Pouco havia para diferenciar um do outro, exceto o olhar — o da direita estava calmo, mas o da esquerda parecia assustado.

    Gelo e Covarde, foi como os batizou.

    Siegfried tinha pensado bastante nisso. Precisava de homens, mas não podia confiar naqueles. Não tinha tempo o bastante para treinar recrutas, nem dinheiro o bastante para contratar mercenários. O que lhe restava estava bem na sua frente.

    Mesmo assim…

    Uma vez covarde, sempre covarde. Se tivesse de enfrentar Ermin e seus homens, será que ficariam ao seu lado ou se renderiam como da última vez? E se a baronesa Whitefield conseguisse trazê-los para o lado dela? Será que tentariam se redimir lutando pela viúva de seu antigo suserano?

    Um passo em falso e o Salão Branco se tornaria um campo de batalha.

    Seis prisioneiros contra dez guardas. As chances eram pequenas, mas se os servos decidissem se unir aos prisioneiros, então tudo o que havia feito para chegar até ali teria sido em vão. Mesmo que vencesse os rebeldes, o que faria quando tivesse o conde Essel na sua porta, logo após um conflito interno? Quantos homens restariam? Ainda teria alguém disposto a morrer por ele?

    Precisava assegurar a lealdade deles.

    Tinha de prendê-los a ele de uma forma que não pudessem voltar atrás. Então mandou que Fabien fosse buscar cinco espadas e aguardou por cinco minutos, até que ele retornou com as armas. Mas não veio sozinho. Soldados e servos vieram ver o que estava acontecendo, se mantendo sempre a uma distância segura.

    Siegfried esperou Fabien entregar uma espada a cada prisioneiro e então perguntou:

    — Vocês juram me servir com lealdade? Seguir o meu comando sem hesitar ou questionar?

    — Sim, senhor! — responderam Gelo e Covarde.

    — Estão prontos para matar por mim?

    — Sim, senhor!

    — Estão prontos para morrer por mim?

    — Sim, senhor! — disse Gelo.

    — S-sim, senhor — disse Covarde.

    — Então provem!

    — S-senhor? — Covarde entrou em pânico. — C-como–?

     — Vocês são dois, mas eu só preciso de um. E aqui lhes dou a minha primeira ordem: matem o homem ao seu lado!

    Tal como era de se esperar, eles não começaram a se matar. Ao invés disso, Covarde argumentou:

    — I-isso é loucura. Não podemos nos matar!

    Quando Siegfried não respondeu, o prisioneiro se irritou e começou a falar bobagens sobre honra e amizade. Se aproximando um passo de cada vez. Talvez a espada em sua mão tenha lhe dado uma ou duas gotas de coragem, ou quem sabe nem ao menos notou que estava chegando perto demais.

    Siegfried pôs a mão no cabo da espada, mas não chegou a fazer nada. De repente, viu uma lâmina atravessar as costas do prisioneiro e o seu corpo sem vida atingiu o chão antes mesmo que tivesse a chance de entender o que estava acontecendo.

    — Senhor — disse Gelo, tão impassível que nem parecia ter acabado de matar um colega. — Está feito.

    — …

    — Há algo mais que deseje?

    — Seus votos! Estou pronto para ouvi-los.

    O prisioneiro caiu em um joelho, depositou a sua espada aos pés de Siegfried e disse:

    — Milorde. Minha linhagem é humilde e os meus ancestrais não têm nomes. Ainda assim, entrego minha vida em suas mãos. Prometo servi-lo com lealdade, proteger aos seus interesses e cumprir vossas ordens com coragem. De hoje em diante, até o fim dos meus dias.

    — Eu aceito o seu juramento e prometo que terá sempre um lugar ao meu lado. De pé!

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