Capítulo 0125: A Hora do Lobo
O Salão Branco estava em silêncio.
Pelo que pareceu ser uma eternidade, não houve quem tivesse a coragem de dizer algo. Mesmo as servas abafaram os gritos e assistiram a tudo sem dar um pio, enquanto Siegfried amassava o rosto de Ermin com os próprios punhos. Um soco de cada vez.
Quando o rapaz finalmente terminou, tinha suas mãos cobertas de sangue até os pulsos e apenas com muito esforço era capaz de dobrar os dedos dormentes.
Para a sorte de Ermin, Siegfried não tinha usado sua espada e esta era a única razão do seu rival ainda estar respirando. Três dentes partidos, um nariz quebrado e o olho tão inchado que parecia prestes a saltar da órbita a qualquer momento. E isso era só o que conseguia ver.
“Não acho que ele vai acordar.”
O rapaz levantou, se afastou do corpo e só então notou que todos o encaravam assustados, quase como se temessem serem os próximos. Mesmo a baronesa Whitefield empalideceu, embora fizesse questão de manter a dignidade. Os outros não se deram a esse trabalho.
Quando seu olhar encontrou o de Lavina, viu que estava aterrorizada e não era a única; Ethel, Elsa, Allane e Will também o encaravam como se fosse algum animal selvagem que escapou de sua cela e invadiu o salão.
Então deu uma olhada nos guardas de Ermin. Os covardes permaneciam no mesmo lugar, ainda de espadas em punhos, embora não parecessem ter a intenção de usá-las. Não enquanto tivesse seus Mantos Negros por perto.
— Eu só vou dizer uma vez, então prestem bem a atenção! — disse Siegfried. — Sou eu ou ele.
O rapaz pisou no peito de Ermin, que cuspiu um naco de sangue e começou a ter uma convulsão violenta, se debatendo e suando. Não que ele se importasse. Se limitou a ignorá-lo e concluiu sua declaração:
— Escolham!
Um dos soldados tomou a dianteira. Um homem irritado e meio afeminado de vinte e tantos anos.
— Se realmente acredita que alguém aqui vai se curvar pra você, mercenário, então está louco! A única coisa que terá de nós é uma morte lenta e dolorosa pelo que fez!
Apesar das palavras ousadas, os outros guardas pareciam menos ansiosos em desafiar o homem que alguns segundos atrás esmagou o crânio do capitão deles com as mãos nuas. Ao invés disso, preferiam trocar olhares entre si, esperando para ver se alguém faria algo.
Os Mantos Negros eram menos indecisos.
Gelo, Fantasma e Carrasco notaram o rumo que a conversa estava tomando e se adiantaram em ficar lado a lado com Siegfried. Só uma pequena demonstração de apoio. E uma muito bem-vinda, por sinal.
Foram apenas três passos, mas deixaram o salão inteiro em pânico.
Os guardas ficaram em posição de batalha, como se esperassem uma investida; as servas fugiram sem olhar para trás; Ethel tomou a liderança e se apressou em levar Alethra junto às escravas para a segurança do quarto delas.
A baronesa Whitefield e sua filha, Astrid, ficaram. Assim como Lavina que, mesmo assustada, não deixou o seu lugar. Bastou vê-la para fazer o seu sangue ferver e o coração pulsar. Uma sensação não muito diferente da que teve quando esmagou o crânio de Ermin. Um impulso selvagem que lhe era bastante familiar…
“Ela é minha!”
Siegfried ainda podia sentir os dedos formigando quando tocou o punho da espada. Mesmo fechar a mão em volta do cabo se mostrou uma tortura. Era como se seus ossos fossem feitos de cacos de vidro, rasgando-lhe os músculos da mão sempre que tentava dobrar os dedos.
Mal tinha sido capaz de fechar a mão, quando viu os guardas caírem em um joelho. Todos, menos o idiota afeminado e um garoto qualquer de dezoito anos.
Siegfried sorriu:
— O que estava dizendo?
Bastou apenas uma ordem e seus novos guardas cercaram a dupla, que se rendeu sem lutar.
Siegfried liderou o caminho, com os seus Mantos Negros logo atrás, seguidos pelos cinco soldados recém-convertidos que traziam Ermin e sua dupla de rebeldes. A baronesa, Astrid e Lavina também vieram, mantendo uma distância segura.
Lá fora, a noite estava escura e o vento uivava de tal modo que só podia significar que uma grande tempestade estava se aproximando.
Mas enquanto os outros tremiam, Siegfried sentia apenas um calor aconchegante lhe envolver. Não muito diferente do abraço de uma donzela. Podia até mesmo sentir os braços dela ao seu redor, os seios macios pressionados contra as suas costas e a respiração quente em sua nuca…
“Não tenha medo”, ela sussurrava em seu ouvido. “Aceite.”
Por um momento, pensou que fosse Lavina, mas a garota estava longe demais e, quando se virou, o rapaz notou que não havia nada atrás dele.
Só então lembrou da Lili.
Fazia quase dois meses desde a Anna. Não a via desde então. E pensou que nunca mais a veria… Então por que parecia tão aliviado?
“Eu sou sua e você é meu”, disse Lili.
♦
Siegfried ainda tinha as mãos formigando, então coube ao Carrasco se encarregar das execuções.
O idiota afeminado foi o primeiro.
— Covardes! — disse aos antigos companheiros que o assistiam. — Vira-casacas! Se acham que acabou, estão enganados! Vocês viram o que ele fez ao capitão. Ele vai matar a todos vocês! Esse mercenário é um animal em pele humana, vocês verão!
Foram precisos três golpes de machado para que o rebelde morresse. Um processo bastante lento, doloroso… E intencional, ao que parecia. Mas se alguém ficou indignado com isso, ao menos teve o bom-senso de manter a boca fechada.
Quando o segundo rebelde começou a chorar na frente de todo mundo, Siegfried pensou que suas últimas palavras fossem ser usadas para implorar perdão ou jurar lealdade. Talvez até as aceitasse. Mas o garoto não fez isso. Apesar das lágrimas e os joelhos trêmulos quando o levaram até a tábua de madeira, ele morreu em silêncio.
Seria lealdade ou o medo lhe tirou a voz?
Não sabia dizer. O que sabia é que o Carrasco o decapitou em um único golpe limpo. Tão rápido e indolor quanto possível.
Então chegou a vez de Ermin…
Se estivesse acordado, não havia dúvidas de que teria feito um escândalo. Já até podia imaginar as coisas que diria:
— Está louco?! Sabe quem eu sou!? Vão cortar a sua cabeça por isso, está me ouvindo!? O barão Kessel… Ele nunca vai te perdoar! Isso não está certo. Não pode fazer isso!
Mas Ermin estava desacordado e não apresentou qualquer objeção à sua execução. Um dos novos guardas recém-convertidos o segurou na posição correta — com o pescoço bem esticado na tábua de madeira — e o Carrasco lhe cortou a cabeça com dois golpes.
Esse era o fim de Ermin e seus desafios.
“Devia ter feito isso há muito tempo.”
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