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    O jantar daquela noite foi pato assado com cebola, cuidadosamente marinado e temperado usando uma pequena coleção de especiarias; vinho doce para molhar a garganta; e uma torta de frutas assando no forno para a sobremesa.

    Siegfried mal tinha engolido o primeiro pedaço do pato, quando as portas do salão se abriram.

    O clima esfriou e as conversas morreram, quando Fabien atravessou o salão a passos largos e veio em sua direção. Todos sabiam o que ele tinha a dizer, mas mesmo assim pareciam nervosos.

    — Milorde! — Sua voz era baixa e discreta, mas o Salão Branco estava tão quieto que todos podiam ouvi-lo. — Eles chegaram. Estarão aqui em uma ou duas horas.

    — Quantos?

    — Está escuro demais pra ter certeza. Duas dúzias, talvez.

    Siegfried refletiu em silêncio por um momento.

    Todos esperavam pela sua resposta. Os guardas, é claro, mas também as servas. E Alethra Gaelor, Astrid Whitefield, Ethel, Elsa, Allane e Lavina. Até a baronesa Whitefield deixou a sua taça de vinho por um momento para observá-lo.

    “Devia ter aceitado a minha ajuda quando teve a chance”, os olhos dela pareciam dizer.

    O rapaz sorriu e deu suas ordens:

    — Prepare o meu cavalo. — Então se virou para Gelo, que estava sentado à esquerda de Astrid e sua mãe. — Quero todos os guardas que temos nos muros. Dê-lhes arcos-curtos e tantas flechas quanto puderem carregar.

    — Sim, senhor!

    — Onde está o Fantasma?

    — Aqui, senhor!

    — Leve a condessa Gaelor e as outras para os seus aposentos. Ninguém deve entrar ou sair de lá, entendeu!?

    — Sim, senhor!

    E de repente, todos estavam de pé, correndo para cumprir suas tarefas.

    Siegfried deu uma boa olhada no prato cheio à sua frente. O estômago roncando com o cheiro temperado da carne. Mas sabia por experiência própria que não era boa ideia ir para o combate de barriga cheia e deixou escapar um suspiro.

    “Que desperdício.”

    O barão Lawgard chegou com o seu pelotão uma hora mais tarde, quando a noite já era profunda e os muros do Salão Branco estavam ocupados por arqueiros de ponta a ponta.

    Siegfried os observou se aproximando.

    “Vinte e um”, contou.

    Não era o bastante para um cerco. Se tentassem assaltar os muros, morreriam. Mas Siegfried tinha ainda menos quando tomou o Salão Branco. Se a batalha acontecesse dentro dos muros, não havia como saírem ilesos.

    Dezenove soldados vinham a pé. Estes pararam a cinco metros do portão e aguardaram — todos em forma e sem dizer uma palavra. Uma tropa de soldados bem disciplinada. Isso não era bom. Só queria dizer que seria mais difícil quebrar a moral deles em uma batalha.

    “Comandante forte, soldados fortes”, lembrou do ditado.

    Enquanto os soldados aguardavam, dois cavalos avançaram a trote.

    O primeiro deles trazia um homem de quarenta e poucos anos. Uma capa azul pendendo dos seus ombros e escondendo apenas parcialmente a sua brigantina negra. Nada de roupas finas ou limpas, apenas couro e poeira. Chegou como um homem de verdade. Um guerreiro. Não um fidalgo qualquer.

    O barão Lawgard certamente causou uma ótima primeira impressão e, por um momento, Siegfried até se esqueceu de que aquele poderia em breve ser o seu inimigo.

    O outro cavalo trazia um garoto de treze anos. O queixo erguido e o peito bem estufado, enquanto fingia ser mais velho do que era. As suas roupas e o cabelo castanho acobreado deixavam poucas dúvidas: aquele era o filho do barão.

    Os cavalos pararam a dois metros do portão e o barão Lawgard olhou para cima.

    Estava escuro e cheio de sombras, mas não para Siegfried. O rapaz conseguia ver bem claramente os contornos do seu rosto; olhos frios e cheios de violência. Como o barão Kessel e o conde Gaelor antes dele. Um homem perigoso.

    Por quase um minuto, nenhum deles falou.

    Até que Siegfried se virou, desceu a plataforma e montou o seu garanhão negro, que já o esperava lá embaixo.

    Ninguém entrou.

    E o rapaz foi o único a sair.

    Isso não pareceu agradar ao barão Lawgard, que franziu as sobrancelhas e fez uma careta como a de alguém que acabou de cheirar um pum. Só os deuses saberiam dizer o porquê, já que Siegfried nem ao menos havia começado a insultá-lo… Ainda.

    — Barão Lawgard, eu presumo.

    — Então você foi avisado da minha chegada.

    — O que quer dizer?

    — Que a etiqueta básica dita que os convidados devem ser recebidos com pão e vinho, não arcos e flechas. Devia saber disso!

    — Convidados… Sim. E é isso o que são? Meus convidados?

    — Não tenho tempo para os seus joguinhos. Se tem algo a dizer, diga!

    — Pois bem! Não o conheço e nem confio em você.

    Agora sim, a raiva do barão Lawgard foi justificada. As suas sobrancelhas se estreitaram ainda mais e uma veia de raiva lhe saltou a testa. Os nobres eram tão sensíveis. Mesmo a menor dissidência era percebida como uma afronta direta… Então o que dizer de um desafio tão claro?

    — Está louco!?

    — Um louco teria aberto os portões e permitido que você entrasse com suas tropas sem sequer questionar suas intenções.

    — Disse que recebeu a carta.

    — Eu recebi uma carta. Que não foi escrita pelo barão Kessel e dizia bem pouco. Então pergunto diretamente a você: o que foi feito do conde Essel e seu cerco?

    — Isso não é da sua conta, mercenário! — disse o filho do barão, tomando a dianteira. — Abra os portões ou abriremos o seu crânio!

    E então puxou a espada.

    Uma lâmina curta de aço bem trabalhado e limpo. Nem um risco sequer. Uma espada que nunca viu um combate, real ou não. Estava mais próxima de algo que seria pendurado em uma parede como parte da decoração do que de uma arma. Mesmo o seu punho havia sido ornamentado com a forma de uma cabeça de corvo.

     Siegfried não ficou impressionado.

    — Muito bonita. Está me dando ela de presente?

    — O-o quê!?

    — Ora, por que mais iria mostrá-la dessa forma?

    — Estou te avisando! Abra os portões ou iremos tomá-lo à força! Temos homens!

    — E eu tenho muros. E arqueiros. Talvez se seu pai tivesse passado mais tempo lhe ensinando a respeito de táticas militares e não etiqueta, você saberia o que isso significa.

    De repente, a vontade de lutar do garoto pareceu desaparecer. Ele olhou para os arqueiros no topo dos muros e depois para o seu pai. Então guardou a lâmina de volta na bainha, mantendo a cabeça baixa para esconder o rosto vermelho de vergonha.

    O barão Lawgard foi mais difícil de dobrar.

    — Tem ciência do que está fazendo? Eu salvei a vida do lorde Kessel! O que acha que ele fará quando descobrir a respeito disso!?

    Siegfried não respondeu, se limitou a virar o seu palafrém e voltar ao Salão Branco.

    “Mas e se a carta for real?”

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