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    Siegfried podia ouvir o barulho da leve garoa que começava a cair lá fora. O cheiro fresco e terroso da chuva enchendo o seu nariz. Então sentou na beirada da cama e aguardou.

    Seria uma longa noite.

    “Eu sei o que você tá pensando”, disse Lili. “Ele não pode entrar!”

    — … Eu não tenho escolha.

    “Claro que tem! Você é o lorde! Pode fazer o que quiser! Do que tem tanto medo!? Duas dúzias de soldados?! Humpf! Deixe que venham. Temos homens. E flechas.”

    — Eradan também tinha. Ele conquistou a Torre da Justiça e fez dela a sua sepultura. Muros não vão impedi-los de entrar, nem os meus soldados se manterão leais pra sempre. E se aquela carta for verdadeira… Não tenho ilusões. E não posso resistir ao barão Kessel. Um mês, se ele levantar um cerco. Um dia, se não se importar em perder alguns homens.

    “Você já esqueceu?”, ela sorriu. “Ainda temos a garota.”

    Siegfried ficou mudo e sentiu um arrepio subir a espinha. Também havia pensado nisso. Podia funcionar.

    O barão Kessel era obrigado por honra a proteger a condessa Alethra Gaelor e seu filho. Se usasse eles como reféns…

    Imaginou a si mesmo, entrando naquele quarto e arrastando os dois para fora.

    Haveria entre seus homens, alguém que tentaria impedi-lo? Talvez alguma serva que fez amizade com a garota? Parecia pouco provável. Pode ser que Ethel dissesse algo, mas não faria nada. E a baronesa Whitefield também não. Ninguém seria louco de arriscar a própria vida por Alethra Gaelor.

    E o que ela poderia fazer sozinha? Chorar? Cair de joelhos e implorar misericórdia?

    Então lembrou do sonho.

    O cavaleiro sombrio.

    A mulher da cabana.

    — Não!

    “Aff! Por Elyon. Não estou falando de matá-la. Ela e a criança valem um belo resgate. É só vendê-la de volta pra ele e desaparecer. Fácil. Ninguém se machuca.”

    — Essa não é a questão!

    “Então qual é!?”, ela gritou.

    — Não vou usar uma garota de escudo! Mesmo que eu seja um traidor e um perjuro, não partirei deste mundo como um covarde!

    De repente, Lili deu uma pausa, como se as suas palavras a tivessem pego de surpresa, então deu uma risada. Depois outra. Até que começou a rir histericamente.

    “Hahahahah! Cê tá falando sério? Garoto, você já é um covarde! E um do pior tipo, ao que parece. Um hipócrita!”

    — …

    “Você fala em morrer com honra, mas eu nunca vi alguém tão desesperado por viver como você. Foi só o conde ameaçar cortar sua cabeça e você fez tudo o que ele mandou, feito um cachorrinho. Pôs o rabo entre as pernas e traiu todos os seus votos. Só pra continuar vivo.”

    — Isso não é verdade!

    “Não?! Então não foi você que cortou a garganta daquele velho estalajadeiro?”

    — Era um traidor. Protegeu os rebeldes.

    “Protegeu você! E os seus amigos. Ou será que já se esqueceu? Quase fodeu uma das filhas dele. Imagino o que ela deve ter sentido quando te viu cortar a garganta do pai dela. Deve ter sido um belo de um choque, aposto.”

    Tinha se esquecido disso.

    Foi há tanto tempo.

    Uma vida diferente. Mesmo que tentasse, o rosto da filha do estalajadeiro lhe escapava a memória. Tinham a mesma idade na época… Ou será que ela era um ano mais nova? Talvez dois?

    Lili continuou:

    “Pode mentir pra si mesmo se quiser, mas eu sei a verdade: você é um covarde patético. Não está nem aí pra honra. Só tem medo do barão Kessel, não é?”

    Levou apenas um instante.

    Siegfried estava sentado na cama, mas levantou de um salto e agarrou Lili pelo pescoço usando a mão direita. O movimento foi tão brusco que tirou a garota do chão por um momento, quando ele a empurrou contra a parede.

    Lili deixou escapar um gemido e sorriu.

    “Agora tá me deixando excitada.”

    — Você não sabe de nada!

    “Sei que gosta disso. Gosta de poder. De dominar. Acha que eu não vejo como você fode aquela sua escrava? Aquela cadelinha tímida. Submissa. Isso te excita, não é? Você gosta quando elas estão assustadas. Igual a Beth.”

    Siegfried jogou Lili no chão e pegou a espada. Os olhos queimando, enquanto se aproximava.

    Isso pareceu diverti-la.

    “Hahahaha! Isso! Aí está ele. Siegfried, o Negro. Siegfried, o Jovem Carniceiro. Terror dos homens e das donzelas.”

    — Cala boca!

    “Fala de honra, mas olha só pra você. É isso que realmente é. Um monstro!”

    — Não vou mais deixar você me controlar!

    “Controlar?!”

    Siegfried mirou na cabeça de Lili, mas quando a lâmina estava prestes a lhe abrir o crânio, ela se transformou em fumaça e desapareceu. O golpe acertou o chão com tamanha violência que fez o piso de madeira rachar e levantar uma nuvem de poeira que cobriu metade do quarto.

    “Colocando a culpa em uma garotinha inocente como eu?! Hahaha! Mas eu não fiz nada. E você sabe disso.”

    — Mentira!

    Siegfried arrancou a lâmina do chão e procurou por ela, mas Lili não estava em parte alguma.

    — Desde que eu te conheci, você tem brincado com a minha cabeça! Dito coisas…

    “Sou um demônio. O que exatamente esperava que eu fizesse?”

    — A culpa é sua!

    “Por te dizer o que você já estava pensando? Me parece um pouco exagerado. Eu nunca te forcei a fazer nada que você não quisesse.”

    — Você me tentou! Se não estivesse aqui, falando no meu ouvido–

    “Mas eu não estava lá quando você fodeu a sua preciosa Dara. Nem quando cortou a garganta do estalajadeiro. O que me diz? Quem é o culpado por essas coisas?”

    Frustrado, Siegfried atacou o ar. Uma vez e então outra, até que suas mãos ardessem e os ombros não aguentassem mais o peso da própria lâmina. Por fim, baixou os braços e deixou que a ponta tocasse o chão.

    “Foi o que eu pensei.”

    De repente, Lili o abraçou por trás. A mão direita lhe acariciando o pescoço, enquanto a esquerda explorava o seu estômago. Os lábios dela na sua nuca, beijando-lhe delicadamente.

    “Não fica assim. O que tem de tão ruim em violar alguns votos? Se você quiser foder uma garota e cortar a garganta de um velho, qual o problema? É o seu direito. O direito dos vencedores. E você merece. Assim como merece o Salão Branco. Foi você quem o conquistou. Por que devia entregá-lo a um estranho qualquer?”

    — O barão Kessel…

    “Shhhhh! Não precisa ter medo dele. Eu não vou deixar nada te acontecer, meu cavaleiro sombrio. Tudo o que você quer, eu posso te dar…”

    Ela mordiscou sua orelha e sussurrou:

    “Eu só quero uma coisa em troca.”

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