Capítulo 0131: Peças no tabuleiro Whitefield
O aço anão estava longe de ser como os outros metais.
Na melhor das hipóteses, uma boa lâmina de aço pode durar uma ou duas décadas — desde que a mantenha em casa e não a use em batalhas. Mas em uma campanha militar, você teria sorte se sua espada resistisse a mais de uma estação. A lama e a chuva destroem a maioria delas.
Mas não o aço anão.
Suas propriedades naturais impedem a ferrugem e prolongam sua vida útil. Mesmo hoje, ainda há armas de aço anão que foram forjadas milênios atrás. Algumas delas, as primeiras armas de aço anão já feitas.
E se tiver sido forjada por um verdadeiro Mestre de Forja, também não perderá o seu fio.
Uma lâmina afiada que não enferruja. Essa era a espada de Siegfried. A espada que forjou quando tinha apenas onze anos, logo após matar o seu primeiro inimigo na batalha da Torre Solitária. Ainda lembrava da sensação de quando entrou na Grande Forja pela primeira vez. Do ar abafado que lhe queimava os pulmões e o vapor que o deixava tonto.
As montanhas eram quentes, mas a Grande Forja era ainda pior. Profundamente enterrada na parte baixa de Lâmina Feroz, o local era tão inóspito e cruel que diziam haver magma fluindo pelas suas paredes… E coisa pior.
Nada disso parecia incomodar Halbar.
O velho Mestre de Forja anão se aproximava dos seus duzentos anos, com uma careca coberta por símbolos sagrados, uma barba cheia e grisalha, e mãos terrivelmente calejadas. Mas tinha o vigor de um homem cem anos mais jovem. Se ficava cansado, não o demonstrava de forma alguma.
Levantavam antes do sol e iam dormir depois dele. Não que Siegfried visse o sol, mas podia ouvir os ecos da montanha; toda a correria da manhã e os brindes à noite. Exceto para comer e desmaiar, o rapaz não recebia pausas. Duas semanas depois de terem começado, Siegfried perdeu a paciência e ousou questionar ao velho o porquê de demorar tanto para forjar uma simples espada:
— Um ferreiro de verdade já teria terminado!
— Não fui eu que vim até você. Pediu por uma espada minha. Pois bem! Estou fazendo. Se não gosta do meu trabalho, tenho certeza de que vai encontrar alguma coisa afiada pra chamar de sua em um armeiro qualquer.
Depois disso, passou a controlar a língua.
Halbar era o melhor ferreiro de Qaredia. O sonho de qualquer guerreiro era ter uma arma que fosse forjada por ele. Siegfried jamais teria recebido tal honra, se não fosse pela princesa Lura.
No fim, levaram quatro meses.
Seu sangue derramado sobre a lâmina bem mais de uma vez, para refinar o metal. Uma cerimônia ritualística bastante profunda. Ainda lembrava das palavras exatas de Halbar, quando cortou sua mão pela última vez e lhe entregou a lâmina:
— Isso não é só mais uma espada. Ela é parte de você. A única arma que vai precisar enquanto for vivo. E que o acompanhará na vida após a morte, pois guerreiro nenhum deve partir sem sua arma. Então honre-a, como honraria aos seus pais e aos seus ancestrais. E que nunca se esqueça deste momento. Ou daquilo que o trouxe até aqui. Pode prestar seus votos, se quiser. Eu os ouvirei e me lembrarei.
E prestou.
Passou cada dia dos últimos meses pensando no que diria. No homem que queria se tornar. Nunca se esqueceria deles. Dos votos que quebrou.
— Sou um guerreiro de Qaredia e juro dar aos meus inimigos a morte de um guerreiro. Quando eu matar, que seja no campo de batalha — mas quantos homens enforcou desde então? Se não morreram com uma espada na mão, como pode ser dito que morreram como guerreiros?
— Juro ser verdadeiro em todos os momentos. E bom, acima de tudo. Se eu mentir, que seja para proteger os inocentes e afastar as injustiças — e mesmo assim conspirou e enganou seus próprios aliados para tomar o Salão Branco.
— Juro honrar a minha palavra. Se eu trair, que seja a quem nunca mereceu minha lealdade — o único voto que não quebrou… Ainda.
— Juro sempre me levantar pelos inocentes. Se eu permitir o mal, que seja a quem merece — e mesmo assim cortou a garganta do estalajadeiro, cujo único crime foi dar abrigo aos rebeldes que o teriam matado se tivesse recusado.
— Juro me manter fiel e não desonrar mulheres. Quando eu me deitar com uma garota, que seja por amor — e agora fodia Lavina dia e noite. Se não tinha certeza sobre o seu amor por Dara, os seus sentimentos por Lavina eram bem claros: a garota significava pouco para ele. A desejava de várias formas, mas não a amava e sabia disso.
Tantos votos.
Na maioria das vezes, foi bastante fácil se manter fiel a eles. E então veio para Thedrit…
“Quando caí tão baixo?!”
Siegfried não conseguia pregar os olhos desde a sua conversa com Lili, embora dormitasse de vez em quando. Eventualmente, desistiu de pegar no sono e decidiu se preparar para lidar com o barão Lawgard.
Estava sentado em silêncio na beirada da cama, limpando cuidadosamente a sua espada, quando a baronesa Whitefield chegou;
— Queria me ver?
— O que sabe do barão Lawgard?
— Sei que o deixou dormir lá fora essa noite. Não acho que tenha sido uma decisão muito sábia.
— Você sabe o que eu quis dizer!
Ela hesitou por um momento, então continuou:
— Você quer saber a quem ele está aliado.
— E você sabe?
— Mas é claro. Ele está do nosso lado.
— Como tem tanta certeza?
— Ora! Porque fui eu quem tratou de convencê-lo a isso.
— O quê!?
— Meu marido não era tolo. Achou mesmo que o barão Kessel fosse o seu único aliado?
— …
— Precisávamos de mais apoio, então conversei com minha irmã mais nova, a baronesa Coyle do condado de Embers. Acontece que alguns nobres de lá estão insatisfeitos com o lorde Woller. Não posso culpá-los, é um homem desprezível. Enfim, ela conversou com a sua cunhada, que por acaso é também a baronesa Lawgard, esposa do lorde Asher Lawgard, que está acampado ali fora agora mesmo. E aqui estamos. Primeiro derrubamos o conde Essel, depois o Woller.
Siegfried podia sentir o seu sangue ferver. A raiva crescendo com cada palavra que saía da boca da lady Whitefield.
“Ela sabia. Ela sempre soube.”
— Por que não me contou antes!?
— Não me lembro de ter sido perguntada nada disso, até agora. — Ela quase sorriu.
— Se eram nossos aliados, por que não vieram antes!?
— Você é o mercenário aqui, me diga você. Nós estávamos em desvantagem. Meu marido tinha o quê? Meia centena de soldados? Não me parece o bastante para tomar o condado. Eles pensaram o mesmo, por isso exigiram uma prova de nossas habilidades. Uma vitória.
— O Castelo Silvergraft.
— Uma pequena mudança de planos. Claro que precisávamos derrubar os Silvergraft. Já estavam no nosso caminho a tempo demais. Mas seria um ato de traição atacar a família da nova condessa. O conde Essel teria nos esmagado. Passamos os próximos quatro meses pensando no que poderia ser feito, até que a resposta caiu no nosso colo. Meu marido capturou um bandido qualquer perto da Floresta das Aranhas. Talvez se lembre dele. Ouvi dizer que o derrotou na Torre da Justiça.
— Eradan!
— Um jovem bastante prepotente, mas cheio de potencial. Popular entre a plebe.
— Vocês financiaram ele! Lembro disso. Tinham um acordo. — Siegfried sentiu os olhos arderem, furioso, e sabia que haviam se tornado vermelhos. — Vocês queriam a Dara!
A baronesa Whitefield manteve a compostura, mas podia ver o medo nela quando prosseguiu:
— A garota era a chave, sim. A mão dela seria o prêmio máximo. Afinal, quem não iria querer que seu filho se casasse com a herdeira de uma das casas mais poderosas do reino? E acontece que os barões Coyle e Lawgard têm filhos solteiros. Só tínhamos de capturá-la. Uma grande vitória e não teríamos perdido um único homem.
— E se falhasse, a culpa seria toda de Eradan.
— Mas é claro. Só que as coisas mudaram. Não sabíamos que a nora do conde Gaelor estava na Torre da Justiça, nem tínhamos como prever que ela se tornaria a nova condessa Gaelor. Bem! De forma tão abrupta, quero dizer. Meu marido viu a oportunidade novamente e novamente a pegou.
Siegfried não tinha palavras.
Tudo o que aconteceu no último ano não passou de uma jogada de xadrez calculada nas mãos da casa Whitefield. Eradan, Alethra, o barão Kessel e agora essa aliança secreta com os lordes Coyle e Lawgard. Até onde ia?

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