Capítulo 0134: Saindo de controle
Siegfried não tinha tempo.
Se tivesse, teria posto a sua armadura. Com ela, poderia passar o Salão Branco inteiro na espada e não haveria quem fosse capaz de detê-lo. Mas não havia tempo. O barão Lawgard o esperava.
Se Ethel e Will estivessem ali, poderiam tê-lo ajudado a se equipar em cinco minutos. Mas não estavam. E Lavina não fazia a menor ideia de como pôr uma armadura. Além disso, não tinha como saber quanto tempo levaria até que mais soldados viessem investigar a demora, mas quando viessem, era bom que estivesse vestindo uma armadura completa ou armadura nenhuma.
A pressa o levou a pôr a brigantina e o pudor lhe obrigava a vestir também uma calça de lã negra, mas não havia tempo para botas. Então pegou a espada, um escudo redondo de madeira e foi em direção a porta.
Lavina o seguia de perto, encolhida e assustada feito um filhotinho. Os soldados estavam mortos, mas a garota encarava seus cadáveres como se estivessem prestes a se levantar e atacá-la. Era pouco provável que isso acontecesse.
Quando chegaram à porta, parou e se virou para ela:
— Tem uma adaga no baú. Depois que eu sair, tranque a porta e coloque todos os móveis que conseguir arrastar na frente dela. Não abra pra ninguém além de mim, entendeu!?
Por um momento, pareceu como se Lavina fosse dizer algo. Ao invés disso, engoliu as palavras e anuiu discretamente. A cabeça baixa e os dedos entrelaçados na frente da barriga.
Só então Siegfried deixou o alojamento, fechando a porta atrás de si, mas ao invés de ir embora, se deixou ficar ali por um momento, até ouvir o som da tranca, e então seguiu em frente.
Acima dele, a noite era fria e escura.
Não havia lua e as estrelas pareciam brilhar mais tímidas que o normal. A terra gelada esfolando os seus pés descalços a cada passo.
A primeira coisa que o rapaz notou foi a ausência de Fantasma em seu posto. Esperava que talvez tivesse sido morto pelos guardas que o atacaram, mas não encontrou cadáver algum. Nem sangue. Além disso, Siegfried teria ouvido se uma batalha acontecesse bem em frente ao seu alojamento.
Traição?
Também não havia tempo para descobrir.
O barão Lawgard tinha sido rápido em pôr os seus próprios homens em postos estratégicos — o que incluía a patrulha dos muros — e um deles havia acabado de notá-lo; um guarda de meia-idade enrolado em um manto negro olhava em sua direção, sem saber o que fazer. Será que devia soar o alarme? Mas o rapaz não havia feito nada de errado, não é? Devia ir questioná-lo?
Siegfried não lhe deu tempo para pensar, ignorou o soldado e caminhou até o salão como se nada tivesse acontecido.
“Por que será que os mais idiotas sempre ficam com o turno da noite?”
♦
As portas do salão eram de madeira maciça, com pouco mais de trinta quilos cada uma, mas talvez Siegfried tenha usado força demais para abri-las, porque se arreganharam feito as pernas de uma rameira quando ele as empurrou.
As portas atingiram as paredes internas do salão e o estrondo fez com que todos voltassem a sua atenção para o mercenário. Não que importasse.
A primeira coisa que viu foi o barão Lawgard.
O fidalgo estava sentado no trono de madeira do falecido barão Whitefield. Suas roupas ricamente trabalhadas em tecidos de brocado negro e azul, com botões de ouro. Atrás dele, a tapeçaria com o símbolo da casa Whitefield havia sido retirada e em seu lugar estava outra: uma cabeça de corvo negro em fundo azul. O símbolo da casa Lawgard.
Abaixo do estrado, a baronesa Whitefield, Astrid Whitefield, Adrien Lawgard e Alethra Gaelor com o seu filho. Todos surpresos e assustados com a chegada repentina de Siegfried.
O próprio barão Lawgard congelou por um breve instante, antes de se enfurecer. Mas mesmo em sua fúria, o lorde ainda manteve a dignidade; não houve gritos, nem acusações, apenas a sua voz comedida e uma única pergunta:
— O que significa isso!?
— Você tentou me matar!
— Do que está falando?
— Seus homens. Invadiram o meu quarto e me atacaram.
— Foram enviados para convocá-lo, não matá-lo!
— No meio da noite? Com lanças em punho?
— O que você fez?
Siegfried olhou ao seu redor pela primeira vez.
O salão estava cheio e bem iluminado.
Viu as servas escondidas no fundo do salão, mas não eram as únicas. Também haviam guardas — doze eram homens da casa Lawgard, outros sete pertenciam às Espadas Brilhantes de Siegfried, mas todos se mantinham em posição e formavam uma espécie de corredor humano até o trono; dez de um lado e nove do outro. Todos em alerta.
Os seus Mantos Negros também estavam lá, mas havia algo de diferente neles e levou um instante para perceber que eram os únicos desarmados.
Então entendeu.
Os soldados que invadiram seu quarto realmente foram enviados para trazê-lo até o salão. Só que não como um convidado. Devia ter sido trazido à presença do barão Lawgard como um prisioneiro; ensanguentado, acorrentado e escoltado. E então todos poderiam testemunhar quando o novo lorde do Salão Branco subjugasse o seu antecessor.
Seria essa a sua ideia de vingança por Siegfried ter-lhe negado a entrada na fortaleza quando as suas tropas chegaram ontem à noite?
Certamente deve ter sido bastante humilhante ter um mercenário questionando a sua autoridade na frente dos seus homens, mas mesmo assim…
“Ele realmente levou pro coração.”
O rapaz sorriu.
— Você me convocou, não é?! Pois bem! Aqui estou. Diga o que tem a dizer.
— O seu desrespeito não conhece limites, não é mesmo?! — O desprezo na voz calma do barão Lawgard era quase palpável. — Não se engane, moleque, só porque foi escudeiro do conde Gaelor, isso não faz de você um fidalgo!
Então se pôs de pé.
— Eu sou Asher Lawgard, lorde patriarca da casa Lawgard. Meu sangue é o sangue dos heróis. E o seu? Quem são seus antepassados? Rameiras e vagabundos, sem dúvida. A minha casa tem mais de quatro séculos. Posso traçar minhas origens desde a fundação de Thedrit. De onde você veio, se não do bordel pestilento onde meia centena de mendigos e ciganos se revezaram para engravidar a puta da sua mãe!?
Então a baronesa Whitefield tomou a dianteira:
— Acho melhor nos acalmarmos. Me parece que houve um terrível mal-entendido.
— Não houve mal-entendido nenhum! — insistiu o lorde Lawgard. — Eu não tolero rebeldes, nem traidores. Guardas!
E de repente estava cercado.
Dezenove soldados formaram um círculo ao redor de Siegfried. Não apenas homens Lawgard, mas também os seus Espadas Brilhantes — não que tenha sido uma grande surpresa; a lealdade deles sempre foi questionável e muitos ainda se ressentiam pela execução de Ermin.
Os Mantos Negros não se moveram.
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