Capítulo 0135: Tudo ou nada!
Siegfried estava em menor número.
Dezenove lanceiros contra um espadachim. Mas mesmo assim, nenhum deles se moveu. Metade dos soldados tinham sido homens seus e, ao que parecia, ainda o temiam. Os outros não deixaram de notar isso — e o medo era contagioso.
Podia ver os seus rostos pálidos e empapados de suor, enquanto trocavam olhares entre si, apenas esperando para ver qual deles tomaria a dianteira e lideraria o ataque. Um dos guardas mais jovens ameaçou dar um passo à frente, mas bastou que Siegfried visse isso para que o covarde voltasse atrás.
Foi impossível não sorrir.
Seria ótimo se realmente fosse o monstro que eles pensavam que era, mas a verdade é que tinha o corpo exausto da última batalha. Na hora, a adrenalina havia lhe inebriado os sentidos, mas agora…
A mordida no seu pescoço ardia como se tivesse sido marcada a ferro quente e a dor lhe descia o ombro esquerdo até a ponta dos dedos, deixando o braço inteiro dormente. Sua perna direita, úmida do sangue que escorria pelo quadril, ameaçava ceder a qualquer instante.
Ainda assim podia matá-los.
Não eram guerreiros de verdade, apenas plebeus com lanças. Sem organização ou coragem. Nada além de números. Podia atacá-los e então recuar quando começassem a se aglomerar. Atacar, recuar e repetir.
Mas viu uma estratégia melhor.
Estava cercado, mas os soldados haviam formado apenas uma linha defensiva; mais adequada para cercar vários inimigos, não um só. Cada guarda a meio metro do outro. Por isso havia muito espaço para se mover dentro do círculo.
“Medo é morte”, disse a si mesmo.
Então avançou.
Se havia algum mérito naqueles covardes, talvez seja o fato de que nenhum deles recuou. Ficaram onde estavam e ergueram suas lanças, como era esperado de uma tropa bem treinada.
Uma parede de lanças pode ser bastante cruel e assustadora. A morte para a maioria dos homens em qualquer batalha; verdes ou maduros. Porque não tem como se proteger de uma lança quando os seus companheiros atrás de você o empurram em direção a ela na pressa de chegar ao inimigo.
Mas segurar uma lança em riste e esperar que os inimigos se esfaqueiem contra ela era uma coisa. Outra bem diferente era acertar um inimigo único; isso exigia posicioná-la corretamente.
Siegfried mal precisou se mover meio centímetro para o lado. Passou pela ponta da lança sem que ela o tocasse e encurtou a distância entre ele e o soldado inimigo — que morreu de joelhos quando lhe rasgou o estômago.
Por não mais que um instante, houve uma brecha na formação. Um caminho para o lado de fora do círculo. Mas antes que tivesse a chance de passar, mais lanças vieram.
Uma delas arrancou alguns fios de cabelo e teria levado também um olho, se Siegfried não tivesse recuado. O rapaz deu um passo curto para trás e então perdeu o equilíbrio.
Na pressa, acabou colocando todo o peso do seu corpo na perna direita. Uma pontada de dor fez o seu quadril queimar de dentro para fora, como se o seu sangue fosse magma. A perna ferida cedeu diante da dor e, quando deu por si, estava caindo. Quatro soldados viram e se aproximaram com as suas lanças prontas.
Morte.
Sentiu o sangue gelar, mas a mente estava vazia. Em branco. O mundo ao seu redor, congelado em um instante eterno. Até que lembrou de algo. Uma certa gata de olhos azuis que adorava dar cambalhotas quando acuada. Seu sorriso arrogante, como se perguntasse:
“É assim que você vai morrer, ‘mestre’?”
Não. Não era.
Como não podia parar a queda, o rapaz fez como ela e rolou por sobre um ombro, se afastando das lanças e parando a dois metros de onde estava. Ajoelhado em uma perna. Estava vivo, mas o seu quadril formigava e o sangue fluía vigorosamente da ferida aberta.
Para piorar, a brecha havia se fechado.
Assim que os guardas perceberam o que tentava fazer, se apressaram em preencher a posição do companheiro caído e apertaram o cerco até que estivessem ombro a ombro entre si. Aguardando pela próxima investida.
“Eles não são nada”, sussurrou Lili. “Mate-os!”
Siegfried se forçou a ficar de pé.
A perna machucada ainda suportava o seu peso, mas o corpo se inclinava para a direita e tornava impossível manter uma base firme. Não que isso importasse. Não tinha escolha. Precisava atacar. Precisava atravessar.
“Medo é morte”, repetiu, erguendo o escudo e se preparando para outra investida.
E então os Mantos Negros vieram.
Estavam desarmados, mas também estavam fora do cerco e os guardas nem perceberam quando o trio atacou, empurrando quatro deles para dentro do círculo, em direção à Siegfried, que sorriu.
Os quatro guardas não tiveram chance. Estavam completamente expostos. Então o rapaz avançou e fez todos eles em pedaços. Abriu a garganta do primeiro antes mesmo que o idiota tivesse tempo de entender o que havia acontecido; um segundo foi decapitado enquanto tentava pegar a lança caída no chão; e o terceiro tentou uma estocada, mas Siegfried simplesmente deu um passo para o lado e atravessou a espada no seu coração.
O último tentou fugir e Siegfried o teria deixado ir, se o idiota não tivesse virado de costas e tentado correr na mesma direção que ele. Arrancou a sua cabeça com um golpe e o impacto lançou o corpo do guarda para o lado, abrindo caminho até a sua rota de fuga.
Gelo, Carrasco e Fantasma haviam notado o que o rapaz estava tentando fazer e mantiveram uma brecha aberta, empurrando os guardas para trás. Embora não tivessem suas armas, estavam perto demais para os inimigos usarem as lanças e logo a batalha se tornou uma disputa de empurrões.
Faltavam dois metros para Siegfried atravessar a abertura, quando dois soldados abandonaram a formação e vieram em sua direção. A primeira lança passou perto do seu pescoço, arrancando um fio de sangue; como compensação, decepou o braço do guarda até o cotovelo e o deixou para trás, choramingando feito um bebê.
O segundo soldado foi mais esperto. Ao invés de atacar, fingiu recuar um passo e esperou até que Siegfried passasse por ele, antes de espetar a ponta da lança nas suas costas. A brigantina deteve o pior do golpe, mas o metal ainda atravessou cinco centímetros de carne e músculos, antes de parar. Apenas uma alfinetada. Não fazia diferença.
Porque conseguiu atravessar.
Estava fora do círculo.
Mas não parou de correr.
O barão Lawgard estava de pé em frente ao trono quando finalmente percebeu que Siegfried vinha em sua direção e levou a mão à cintura, buscando por uma espada que não existia.
As garotas na parte de baixo do estrado também notaram que o rapaz se aproximava e entraram em pânico.
A baronesa Whitefield puxou Astrid para o lado e se afastou do trono; Alethra abraçou o seu filho e caiu de joelhos onde estava, protegendo Salazar com o próprio corpo; Adrien tentou tirar a espada do cinto, mas tinha as mãos trêmulas demais.
Siegfried saltou por entre eles e subiu no estrado.
A túnica de brocado do lorde Lawgard era bonita, mas bem pouco eficiente em batalha. O aço anão atravessou-lhe o peito e empurrou seu corpo para trás, fazendo com que caísse sentado no trono. O tecido negro e azul tornando-se rubro do sangue. Mas havia tomado o cuidado de errar o coração.
— Acabou! — disse Siegfried. — Mande os seus homens baixarem as armas ou vou derramar um pouco mais de ‘sangue dos heróis’!
O barão Lawgard parecia querer dizer algo, mas quando abriu a boca, a única coisa que saiu foi a sua respiração ofegante e um pouco de sangue. Então agarrou a lâmina com as mãos nuas. Seus dedos ensanguentados tentando arrancá-la do peito. Um último ato de resistência inútil.
Era um fidalgo, mas pretendia morrer como um guerreiro.
Siegfried realizaria esse desejo. Puxou a espada e cortou a garganta do lorde Lawgard, que tentou se levantar do trono, mas acabou perdendo toda a força e caiu do estrado. Estirado no chão duro do salão. Sufocando no próprio sangue.
“Meus parabéns”, disse a si mesmo. “Acaba de se tornar um traidor… De novo.”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.