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    O Salão Branco parou e todos prenderam a respiração quando o barão Lawgard caiu do estrado.

    Foi uma pequena queda. Não mais do que trinta centímetros. Mas o fidalgo conseguiu a incrível proeza de cair de cabeça e o impacto lhe abriu a parte de trás do crânio; em pouco tempo, o seu cabelo castanho acobreado estava manchado de vermelho. As mãos ensanguentadas lutando para conter o corte em sua garganta, que sangrava de maneira profusa.

    Mesmo na agonia, o lorde manteve os olhos fixos em Siegfried. Negros e brilhantes. A princípio, pensou que fossem lágrimas — a maioria chora quando se vê à beira da morte. Então percebeu que era ódio.

    “Um homem de verdade até o fim.”

    Quase sentia-se mal por matá-lo.

    — LAWGARD!

    Siegfried só notou Adrien quando a espada dele já estava cravada no flanco esquerdo do seu abdômen. Não havia sido um golpe de raspão, nem um corte superficial. A lâmina curta penetrou a brigantina e atingiu o que não devia, rasgando órgãos e músculos.

    Pela primeira vez, desde que o conhecera, Adrien Lawgard parecia um homem. Não chorou, nem o amaldiçoou por ferir seu pai. Apenas se manteve firme. Seu rosto, uma máscara de frieza.

    Até ver os olhos de Siegfried.

    Olhos que brilhavam em um tom vermelho, como se chamas ardessem por detrás deles. Um mar de fogo que engolia o mundo ao seu redor.

    “Mate!”, sussurrou Lili.

    Se Adrien estivesse um pouco mais distante, teria lhe cortado a cabeça. Mas não havia espaço para brandir sua espada com o garoto tão perto, então largou o escudo — deixando a mão esquerda livre — e agarrou o ombro do pequeno fidalgo para que não fugisse, enquanto enfiava a espada no estômago dele.

    O aço anão trespassou o colete de couro negro e desapareceu no estômago de Adrien, fazendo-lhe o interior em ruínas, até que a ponta saísse pelas suas costas. A máscara de homem caiu e o garoto voltou a ser apenas um garoto. Os olhos molhados e cheios de terror.

    Siegfried torceu o cabo da espada e empurrou o pequeno fidalgo para trás, o fazendo perder todo o equilíbrio e cair do estrado, ao lado do pai. Mas ao contrário do barão Lawgard, que lutava quase estoicamente contra a morte, Adrien chorava e se contorcia de dor, como a criança que era.

    — Cala boca! — ordenou Siegfried, tocando o sangramento em seu estômago, que fluía rubro e em profusão. — Merda!

    Podia sentir o seu coração pulsando, ameaçando explodir em seu peito a qualquer instante. O suor escorrendo pelo corpo e a garganta tão seca que sangrava. E como sangrava. Do último ataque de Adrien, sim, mas ia além…

    O pequeno corte em seu quadril havia se tornado uma ferida profunda com toda aquela agitação de saltos e correria. Um rastro de sangue manchava o assoalho de madeira do salão, levando até ele, com a sua perna direita trêmula ameaçando ceder a qualquer instante.

    E o seu braço esquerdo não estava muito melhor. Mal podia dobrar os dedos e a mão simplesmente se recusava a fechar em um punho. A dormência recuando até a mordida em seu pescoço, que se tornara tão quente ao ponto do calor se espalhar pelo peito e lhe queimar os pulmões.

    Tinha chegado ao seu limite.

    Mas o sangue ainda fervia e, embora o seu corpo implorasse por desistir, Lili o mantinha de pé. Seu beijo sombrio devolvendo-lhe o vigor.

    “Você é meu”, ela disse. “E eu não vou deixar que te façam mal.”

    Só então notou que o salão estava em silêncio.

    E não era o único em seu limite.

    Gelo, Carrasco e Fantasma estavam exaustos. O trio havia resistido bem contra os treze guardas que restavam, roubando três lanças e matando um deles no processo, mas também haviam sido atingidos meia centena de vezes cada um. Gelo estava encharcado de sangue e uma boa parte dele era seu; Carrasco havia perdido o olho esquerdo; e Fantasma precisava manter uma mão no estômago para que as tripas não se derramassem no chão.

    Os próprios soldados Lawgard pareciam assustados. Era deles a superioridade numérica e a maioria tinha não mais que ferimentos superficiais, mas pouco importava: haviam perdido doze homens naquela noite e ninguém queria ser o décimo terceiro. Mas foram os gritos de agonia de Adrien e a visão do barão Lawgard sufocando no próprio sangue que realmente os abalou.

    Ninguém quer morrer por um cadáver.

    — Larguem as armas! — ordenou Siegfried. Sua voz muito mais alta e imponente do que pensava ser possível nas suas condições atuais.

    — V-você matou o lorde Lawgard — arriscou um soldado qualquer.

    — Só há um lorde neste salão! E o meu nome não é Lawgard.

    Os seus Espadas Brilhantes foram os primeiros a obedecerem. Covardes até o fim. Abandonaram o Ermin e agora o barão Lawgard. E por isso sentia nojo deles. Mas foram úteis. Eram apenas quatro dentre os doze soldados sobreviventes, os outros pertenciam ao lorde Lawgard, mas quando viram eles se ajoelhando, mais os seguiram, até que já não houvesse ninguém de pé.

    Não esperava por isso, mas os soldados rendidos não foram os únicos a caírem de joelhos. As servas também o fizeram; mãos apoiadas no chão e cabeças baixas, como se temessem que o rapaz fosse matá-las pelo crime de servir comidas melhores ao barão Lawgard… Parando para pensar, na verdade, o irritava um pouco. Mas não mataria elas por isso. Provavelmente.

    Alethra Gaelor estava de joelhos, protegendo seu filho com o próprio corpo, e assim permaneceu. O medo lhe impedindo de se levantar ou olhá-lo nos olhos.

    Astrid Whitefield não se curvou, ao invés disso se manteve ereta e observou Siegfried. Um misto de medo e respeito em seu rosto. Pela forma como a garota havia flertado com Adrien naquela manhã, era de se esperar que fosse correndo até ele com lágrimas nos olhos. Isso não aconteceu. Se Adrien significava algo para ela, Astrid não demonstrou.

    — Milorde — disse a baronesa Whitefield, dando o seu melhor para manter a compostura e não se deixar dominar pelo medo. Segurou as saias do vestido com dedos trêmulos e fez uma pequena reverência. — O salão é seu.

    “De novo, você quer dizer.”

    Mas por quanto tempo?

    Foi encontrar suas escravas nas celas.

    Ethel tinha o rosto manchado de sangue, despida dos pés à cabeça e um braço quebrado em cinco lugares diferentes. Elsa também estava nua, mas ainda se agarrava aos trapos daquilo que um dia havia sido o seu vestido, escondendo a vagina e os seios, enquanto chorava; as costas vermelhas do espancamento. Allane, tal como suas amigas, também havia sido despida; as pernas trêmulas e ensanguentadas, incapaz de se levantar. Mesmo Will teve suas roupas rasgadas e foi espancado.

    A baronesa Whitefield quem o explicou:

    — Foi um pouco depois de termos ido nos deitar. Quando o Asher descobriu que as suas escravas estavam dividindo a cama conosco, ficou furioso. Disse que não permitiria que infestassem nossas camas com doenças e sujeira. Então fez isso.

    Por um momento, Siegfried realmente considerou deixar que Asher Lawgard e seu filho morressem. Mas não o fez.

    Ethel era a única curandeira do Salão Branco, por isso coube a ela tratar os ferimentos de todos que precisavam, começando por Fantasma à beira da morte com suas tripas escapando pelo estômago; então o próprio Siegfried, que havia perdido mais do que um pouco de sangue; Asher Lawgard; os Mantos Negros; Elsa; Allane; Will; Adrien.

    Apenas os soldados Lawgard não foram tratados. O que incluía os Espadas Brilhantes. Além disso, tomou as suas armas e ordenou que levassem os cadáveres até o pátio. Só então lembrou de Lavina.

    Quando os guardas tentaram abrir a porta do seu alojamento, estava trancada e barricada, tal como havia ordenado. Apenas quando Siegfried veio e acalmou Lavina, que a garota abriu a porta e saiu correndo para abraçá-lo com lágrimas nos olhos. Os cadáveres dentro do quarto haviam sido todos cobertos com lençóis para que ela não tivesse de vê-los, mas de alguma forma, esqueceu de cobrir a si mesma e continuava nua.

    Ao todo, doze soldados haviam morrido. Os cinco que invadiram o quarto de Siegfried e então mais sete que morreram na luta do salão. Seus corpos foram jogados em uma carroça que os descartaria em uma vala qualquer ao amanhecer.

    Mas antes, outros dois cadáveres se juntariam a eles.

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