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    O quarto do lorde do Salão Branco não tinha uma mesa para reuniões e, embora Siegfried pudesse ordenar que alguém lhes trouxesse a que deixara no alojamento das servas, não foi preciso.

    Podia ter conquistado o Salão Branco, mas aquela ainda era a casa da baronesa Whitefield e ela sentou à beira da cama com um leve sorriso no rosto. Tão a vontade que parecia ser ele o convidado ali, de pé no centro do quarto.

    — Não vai me oferecer uma taça de vinho?

    — Não! Vá direto ao ponto!

    — Não, eu acho que não. — A expressão dela se tornou severa de repente. — Prefiro esperar que me sirva uma taça de vinho primeiro.

    Siegfried não se moveu.

    Será que aquilo era um jogo para ela? Não tinha tempo para a sua atitude passivo-agressiva, mas tão pouco pôde deixar de notar como o clima havia mudado. Sentia-se quase uma criança prestes a levar esporro da mãe. De algum modo, era como se ela estivesse no controle.

    “Vim salvá-lo”, lembrou das palavras.

    Dez segundos. Foi o quanto a baronesa esperou pelo seu vinho, antes de se levantar aborrecida:

    — Vejo que foi uma perda de tempo. Acho melhor eu ir embora, tenho que me preparar de qualquer forma. Vai saber quanto tempo ainda temos.

    Ela já estava na porta do quarto quando Siegfried cedeu. Pediu que ela esperasse, serviu a taça de vinho e então voltaram aos seus lugares — a lady Whitefield sentada na cama e ele de pé. E a partir de então, o rapaz se tornou bem mais cordial:

    — Você disse que ia me salvar.

    — Eu disse.

    — E então?

    A baronesa Whitefield brincou com a taça por um momento e então a pôs em uma mesinha ao lado da cama, sem tomar um único gole.

    — Você fez uma bela bagunça, não é?! Matando o Asher daquela forma.

    — Ele ainda não morreu!

    — O que pode ser ainda pior pra você. Me diga que não pretende voltar ao Castelo Silvergraft e implorar o perdão do barão Kessel.

    — …

    — Hum. Talvez não seja tão idiota quanto pensei. Então sabe que seus dias como vassalo da casa Kessel terminaram. De um jeito ou de outro. Mas que tal isso? Eu poderia usar alguém como você. Mantê-lo vivo.

    — E como pretende fazer isso?

    — Você sabe muito bem.

    — O barão Lawgard.

    — E também o filho dele. E Alethra. E o filho dela. Temos muitas cartas aqui.

    — Isso é traição.

    — Cortar a garganta do Asher também. Então, por favor, pare de bancar o cavalheiro. Você é um mercenário. É isso que eu gosto em você. Não é idiota. Sabe sobreviver. Mas se valoriza a sua honra tanto assim, pegue um cavalo branco e volte correndo para o Castelo Silvergraft. Conte a eles tudo o que aconteceu e veja qual é o destino dos rapazes ‘honrados’. Vai morrer como um traidor na mesma.

    — E o que você quer que eu faça?

    — Já disse.

    — Espera que eu acredite que quer um traidor como vassalo?

    — De forma alguma. Mas você não é um traidor, Siegfried. É apenas um garoto idiota. Um pouco perigoso, de fato, mas isso também faz parte do seu charme. Afinal, ninguém quer um cão de guarda manso, não é mesmo?

    — …

    — O Asher não pretendia matá-lo, sabia disso?

    — Eu percebi.

    — E mesmo assim cortou sua garganta?

    — É que eu levei um tempo pra notar. E aí ele já tinha mudado de ideia.

    A baronesa Whitefield deixou escapar um risinho e prosseguiu de forma descontraída:

    — Eu disse que não era uma boa ideia, mas ele insistiu que precisava fazer de você um exemplo. Humilhá-lo um pouco. Fazê-lo implorar perdão de joelhos e então mandá-lo embora. Até chamou os seus homens pra assistirem. Então eles o veriam ‘rastejar’ e o abandonariam. Depois disso, você voltaria pra Vila do Lobo, nu e sozinho.

    — …

    — Que cara assustadora. Mas como pode ver, a burrice é natural a todos os homens. Para vocês, é simplesmente impensável haver alguém que os desafie. Que não os trate com deferência. E é por isso que saltam nas gargantas uns dos outros ao menor sinal de desrespeito. Como se fossem dois cães brigando por um pedaço de carne. Vê onde quero chegar?

    — Que você é diferente?

    — Mas é claro que sou. Mulheres são ensinadas a servir, apoiar e se submeter desde pequenas. Mas os homens?! Vocês são impulsivos demais e cheios de orgulho. Não sabem obedecer. Estão sempre brigando. Sempre tentando estar acima uns dos outros. Acha que o que aconteceu com o Asher foi obra do acaso? Que teria sido diferente se fosse o barão Kessel no lugar dele?

    — O lorde Kessel tem honra!

    — Ha! É fácil ter honra, quando ela diz que você está acima dos outros. Escute o que eu digo, ele pode estar muito bem com você agora, mas homem nenhum gosta de ser rebaixado. Acha que ele vai deixá-lo subir a uma altura maior do que ele?! Assim que você começar a se destacar, a primeira coisa que fará é esmagá-lo. Duvida do que eu digo?

    — …

    — Eu conheço o seu tipo, Sieg. Inocente e cheio de ideais mal-concebidos por histórias e canções sobre heróis em armaduras brilhantes. Você quer ser como eles, não é? E me atrevo a dizer que talvez até consiga. Você é um rapaz talentoso e destemido. Fará grandes coisas. E por isso será uma ameaça para todos eles. Você não abaixou a cabeça quando o Asher mandou seus guardas buscarem-no e também não vai abaixá-la quando outros homens mandarem. Eles verão isso como desafio. E lorde nenhum tolera desafios.

    — Mas você tolera!?

    Ela deixou escapar um risinho e cobriu a boca com a mão. Parecia estar se divertindo; quase uma donzela em seu baile de debutante.

    — Sou mãe. Desafios são tudo o que conheço. E, além disso, sou mulher. Não posso fazer a minha glória no campo de batalha, mas o que você fizer refletirá em mim. Quando as pessoas me veem, é o homem por trás de mim que enxergam. Primeiro foi o meu pai, depois o meu marido e, um dia, será o meu filho. Mas hoje, eu quero que seja você. Não haverão brigas por posição, nem autoridade. Eu serei sua dama e você, o meu cavaleiro. Deixo a minha vida em suas mãos e rezo pela sua grandeza.

    Siegfried hesitou, e ela não deixou de notar isso; se levantou e caminhou em sua direção, os seus dedos ajeitando o cabelo desgrenhado do rapaz:

    — Eu sei que é assustador. Já mentiram pra você tantas vezes, não é? O que te prometeram? Ouro? Terras? Glória? Mas tudo o que recebeu foi dor e humilhação. Promessas são palavras. E palavras são vento. Mas eu não sou como eles. E há algo que eu posso te dar agora mesmo. Seja qual for a sua decisão.

    Ela tocou de leve o queixo de Siegfried e os olhos deles se encontraram, antes que ela terminasse a frase:

    — Posso fazer de você um nobre. Posso torná-lo um cavaleiro. Não será mais um mercenário, mas sim ‘Sir. Siegfried, o Valente’. E terá respeito. Não poderão mais pisar em você, nem destratá-lo. Se tentarem, toda a fúria da casa Whitefield estará ao seu lado. O que me diz?

    Siegfried sentiu seu coração pulsar e se permitiu imaginar. Sonhar. Sua vida no Salão Branco. Ele, como um cavaleiro. Poderia liderar os homens da baronesa Whitefield em batalha, conquistar terras vizinhas e construir o seu próprio castelo. Crescer. Cumprir a sua promessa.

    — Mas o conde Gaelor… A Alethra…

    — Será devolvida. Mas não agora. Eu nunca faria mal a ela. É minha convidada. Sempre foi. Mas o barão Kessel me assusta e eu preciso ter certeza de que não me fará mal, antes que eu possa entregá-la.

    Ela tomou a mão dele nas suas. Quentes e macias.

    — O que me diz?

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