Capítulo 0144: Fodeu!
O baronato Frost ficava a três dias de viagem.
— Eu não iria pra lá, se fosse vocês — alertara a idosa, ao descobrir o destino deles. — São terras sem lei, desde que o lorde Frost foi expulso. E as coisas que fazem por lá… Se vocês soubessem. Os bandidos tomaram conta de tudo. Ouvi dizer que assaram a lady Frost e serviram a coitada em uma bandeja, marinada e temperada, como um porco. Que tipo de pessoa faz isso? E é pouco provável que tenha melhorado.
Mas apesar de seus avisos, a estrada estava tranquila.
Seria de se esperar que alguns bandoleiros ainda permanecessem ativos, mesmo no frio do outono; atrás de suas últimas presas, antes que o inverno chegasse e pusesse um fim à caça. Mas isso não aconteceu.
O trio andava em paralelo à Floresta das Aranhas — árvores à sua esquerda e planícies à direita. O cenário ideal para uma emboscada, se não fosse por um pequeno detalhe: ninguém era estúpido o bastante de entrar na Floresta das Aranhas, seja para se esconder ou montar um covil.
Nem bandoleiros ou viajantes. Na estrada havia apenas eles.
Mas conforme a viagem se aproximava do fim, a floresta mudava. Antes, era uma muralha reta de árvores que seguiam para leste e além, mas vez ou outra encontravam uma desgarrada qualquer que cresceu um pouco mais distante das outras, invadindo a planície. Nada além de uma árvore solitária.
Então mais apareceram.
Sem lenhadores para fazerem algo a respeito, a floresta se expandia cada vez mais para o sul e, antes que se dessem conta, haviam entrado em um bosque anexo à Floresta das Aranhas.
A princípio, tentaram contorná-lo, mas o desvio os empurrava cada vez mais para o sul e os tirava da trilha, até que não tivessem escolha senão atravessá-lo.
Então seguiram em frente.
Siegfried e Dalkon liderando o caminho, enquanto Ethel ficava um pouco para trás, puxando a única mula do grupo, que trazia os pertences de todos. Um quarteto bastante silencioso.
Um pé depois do outro. O dia passou, as árvores se tornaram cada vez mais densas e a noite caiu sobre eles antes que notassem. Escura, nebulosa e congelante.
Siegfried enxergava muito bem, mas notou como Dalkon e Ethel tropeçavam nessa ou naquela raiz com cada vez mais frequência. Nenhum dos dois lhe chamou a atenção para esse fato; e sabia que não o fariam — Ethel por ser obediente demais e Dalkon por pura teimosia. Mas preferia evitar que algum deles acabasse com o tornozelo quebrado, por isso decidiu parar.
Infelizmente, não havia bons locais para montar acampamento…
Exceto aquele com a fogueira.
Siegfried foi o primeiro a puxar pela espada. Isso chamou a atenção de Dalkon, que fez o mesmo, mas procurava na direção errada, até que Ethel lhe apontou o local correto.
— Fiquem aqui — disse, tomando a dianteira.
Ethel obedeceu sem questionar, mas Dalkon era teimoso demais para isso e, após hesitar por um ou dois segundos, foi atrás dele.
Tal como esperava, o local era um acampamento.
A fogueira fraca ameaçava se apagar a qualquer momento, mas ainda ardia. Talvez quatro horas? Não podia ter sido acesa a mais tempo que isso. Seja o que for que aconteceu ali, era recente; do contrário, ela já teria se apagado.
Por isso decidiu explorar o acampamento.
Camisas de linho, saias coloridas, bijuterias feitas de miçangas. Roupas rasgadas, ensanguentadas e meio devoradas estavam espalhadas por todos os cantos. E não era difícil imaginar sua origem.
“Ciganos.”
Mas não encontraram ninguém. Nem mesmo um cadáver, embora as vestimentas indicassem que havia sido um ataque animal.
— Não faz sentido.
Teria sido uma emboscada? Talvez um bando de salteadores tenha atacado, soltado os seus cães sobre eles e então levado todos embora. Não era comum, mas era a única explicação possível…
Até que ouviu algo.
Não muito distante, mas quase inaudível. O som de ossos sendo triturados. Algo mastigando. Um animal? Deixou a espada pronta e foi investigar.
A primeira coisa que encontrou foi o velho vagão de quatro rodas que devia pertencer aos ciganos desaparecidos. Escondido no meio das sombras.
Três metros à frente, estava o boi.
Um animal adulto, com mais de quinhentos quilos e talvez um metro e meio de altura, embora fosse difícil ter certeza, já que estava estirado no chão. Seu estômago rasgado, as tripas escorrendo pela grama úmida, enquanto uma sombra o encarava; um homem gordo parado bem à sua frente.
De repente, a sombra se moveu, como se sentisse a presença dos rapazes. Embora não tivessem feito barulho algum. E Siegfried sentiu seu sangue gelar quando o homem começou a se erguer. Crescendo. Ficando cada vez mais e mais alto.
Foi como assistir a um urso marrom se erguendo nas patas traseiras. E só então entendeu que ele não era homem gordo nenhum — apenas estava sentado de costas para a dupla.
De pé, a criatura chegava a quase três metros de altura; com ombros largos e braços grossos como troncos de árvores. Maior que qualquer humano e a maioria dos orcs. Não era preciso ser um gênio para saber que aquela coisa não era natural.
Um monstro.
Siegfried já havia encontrado alguns antes, mas dessa vez era diferente.
Não havia muitos monstros bípedes. A maioria se limitava a espécies raras de animais aberrantes e irracionais. Andar em duas pernas era coisa para seres inteligentes, como humanos, anões, elfos e orcs. Mas aquela coisa não era nenhum deles.
Mesmo assim, tinha uma armadura.
Não usava trapos, nem andava nua, como seria de se esperar de um monstro. Sua armadura era bem trabalhada, feita sob medida para seu corpo enorme e completamente selada, como se fosse um cavaleiro ou coisa parecida.
Talvez pudesse tê-lo tomado por uma raça ainda desconhecida. Por que não? Havia muitas por aí. Mas era difícil acreditar que um ser inteligente comeria um animal cru.
Apesar da armadura completa, lhe faltava o elmo. E não sem motivo. Precisava tirá-lo para comer o boi. O que lhe permitia ver a face da criatura. Os olhos pequenos em comparação com o seu rosto inchado e a boca repleta de dentes quebrados; a barba espessa manchada de sangue fresco.
Se havia alguma inteligência naquela coisa, lhe escapava aos olhos.
A única coisa que conseguia ver era um gigante blindado. Sua espada, nada além de uma grande placa de ferro com pouco mais de dois metros de comprimento. Não parecia particularmente afiada, mas não duvidava que o monstro pudesse partir um homem adulto ao meio com ela.
Morte.
Siegfried sentiu seu coração pulsar e, sem notar, chamou por Lili.
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